Valor Econômico
Alta de juros freia não só a inflação como
a renda do eleitor
De todas as variáveis da economia que podem
afetar uma eleição presidencial, a alta da inflação parece a mais letal.
Oposicionistas venceram a eleição em todas as ocasiões em que a trajetória da
inflação era claramente ascendente no momento do pleito.
A começar em 1960, na sucessão de Juscelino
Kubitschek, que a história consagrou como um dos melhores governos
republicanos. Há um consenso de que a alta da inflação foi um dos principais
fatores, ainda que não o único, a colaborar para a eleição de Jânio Quadros.
Collor ganhou 29 anos depois prometendo dar um “ippon” na inflação. Lula em
2002 chegou ao poder em uma circunstância de inflação alta.
Neste sentido, o aperto na taxa de juros que o Banco Central promove pode neutralizar um fator com potencial de enterrar o projeto de reeleição de Bolsonaro. É claro que o Banco Central, como instituição independente, toma suas decisões “by the book” e o presidente mais atrapalha do que ajuda a autoridade monetária como guardiã da moeda. Mas se o arrocho monetário derrubar a taxa da inflação Bolsonaro não estará morto, é o que importa.
Um dos maiores críticos da política
econômica de Bolsonaro no mercado, que é o economista-chefe do Banco Fator,
José Francisco Lima Gonçalves, projeta a taxa da inflação no próximo ano em
5,2%. Muito acima do teto da meta, mas metade da atual, o que estanca uma
sangria. E termina aí o que existe de boa notícia a Bolsonaro na economia de
2022.
O Auxílio Brasil que se avizinha está
orçado em R$ 45 bilhões, talvez fique bem maior ao sair do Congresso, mas não
terá o mesmo porte dos mais de R$ 500 bilhões derramados na ajuda emergencial
de 2020, como destaca José Francisco.
O mega-auxílio de 2020, um dos maiores do
mundo, mal conteve a catástrofe provocada pela pandemia na renda do brasileiro.
Seu sucessor, já mais modesto, termina de ser pago neste domingo.
José Francisco elaborou um estudo sobre a
renda real efetiva do brasileiro nos últimos anos. Entre 1º de abril de 2020,
quando a pandemia acelerava para a força total, e 1º de agosto de 2021, último
dado disponível, a renda real do que o cidadão efetivamente recebeu caiu 4%. Ou
seja, ganhava-se em agosto, somando auxílios e que tais, menos do que se
ganhava no auge da pandemia.
Caso a amostra seja em um horizonte de
tempo mais curto, entre abril e outubro de 2020, quando vigorou o benefício de
R$ 600, a renda mensal efetiva ficou 1% menor. O auxílio superlativo do ano
passado impediu que as coisas ficassem ainda piores, mas não brecaram um
processo de deterioração das possibilidades materiais da população.
Na curva da popularidade do presidente, os
R$ 600 proporcionaram a Bolsonaro seu melhor momento no poder. Mas foi
relativamente pouco. Bolsonaro fechou 2020 com 37% de bom e ótimo e 32% de ruim
e péssimo, de acordo com o Datafolha. Sua taxa de aprovação tinha subido quatro
pontos percentuais desde o início da pandemia e sua desaprovação recuado seis
pontos.
Ainda que o quadro geral da economia no
próximo ano prometa ser melhor do que o registrado em 2020, quando o PIB recuou
4,1%, um auxílio em proporções tão menores do que o anterior terá um efeito
político compreensivelmente modesto. Mas será melhor do que nada. Se Bolsonaro
não chegou a seu piso de intenção de voto, chegará em breve. Reverter rejeição
é outra história.
José Francisco observa que o nível de
desocupação está baixando, mas a melhora é tracionada pela economia informal.
Sem reação de emprego formal, é pouco provável que o rendimento do trabalho
reaja, mesmo com a desaceleração inflacionária que haverá no próximo ano.
E parte da razão para isso está justamente
na ação do Banco Central. Para derrubar a inflação, a taxa de juros vai para
cima e lá ficará por um bom tempo. Isso trava a recuperação do mercado de
trabalho. Encarece os empréstimos. Breca investimentos produtivos. O efeito
disso tudo na massa real de rendimentos tende a ser bastante negativo.
É bem verdade que em 1998 Fernando Henrique
Cardoso se reelegeu ainda no primeiro turno, em uma conjuntura recessiva e
juros no espaço sideral. Mas essa não é uma boa história para ser lembrada,
dado o que aconteceu em 1999, quando a ilusão cambial foi desfeita e a inflação
quadruplicou. Outra lembrança é a de 2014, quando Dilma Rousseff adiou um
ajuste na economia cuja necessidade era premente. A fatura igualmente chegou no
ano seguinte.
Tanto em 1998 quanto em 2014 mágicas foram
feitas para se manter uma situação artificial na economia. Mas as mágicas eram
para manter a inflação estável, não para reduzi-la. Não é o caso agora. As
alternativas na mão de Bolsonaro são consideravelmente mais reduzidas.
Chile
A eleição presidencial no Chile é uma
advertência aos interessados em uma terceira via. Para quem não gosta de
polarização ideológica, o rumo da sucessão chilena é preocupante.
O país escolherá seu próximo presidente dia
21 de novembro. As mais recentes pesquisas mostram um político de
extrema-direita, José Antonio Kast, liderando e em ascensão. O segundo colocado
é Gabriel Boric, da esquerda. Três personagens dividem o campo da
centro-esquerda à centro-direita: Yasna Provoste, Marco Ominami e Sebástian
Sichel. Se estivessem unidos, estariam tecnicamente empatados com Kast.
Desunidos, estão bem distantes do segundo turno.
No espectro político latino-americano, Kast
é muito mais parecido com Bolsonaro do que outros presidentes conservadores,
como o colombiano Ivan Duque ou o uruguaio Lacalle Pou. Boric foi um líder
estudantil que se destacou nos protestos contra o governo em 2019. Um segundo
turno entre os dois é o inverso da frase de Clausewitz: a política se tornará a
continuação da guerra por outros meios.
Há, contudo, uma diferença notável entre a
situação pré-eleitoral do Brasil e a eleitoral do Chile. Lá Kast e Boric,
somados, reúnem cerca de 45% das intenções de voto. Aqui Lula e Bolsonaro,
quando pontuam menos, somam de 60% a 65%.
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