Folha de S. Paulo
Sinto falta dos tempos em que as pessoas se
negavam a fazer o papel de pistoleiros da moralidade
Não existe razão objetiva para discriminar
gays, e fazê-lo constitui uma violação à moral vigente. Vou um pouco mais longe
e afirmo que há algo de patológico em tentar controlar o que dois ou mais
indivíduos fazem consensualmente em matéria de sexo. Nesse contexto, parecem-me
intrinsecamente erradas, para não dizer levemente doentias, as observações
homofóbicas que o jogador de vôlei
Maurício Souza fez em suas redes sociais.
É preciso também corrigir uma interpretação esquisita da noção de liberdade de expressão que a extrema direita vem difundindo. Em sentido técnico, liberdade de expressão é a garantia de que o Estado não vai censurar pessoas nem processá-las penalmente por opiniões emitidas, não a blindagem em relação aos efeitos que essas opiniões desencadeiam na sociedade. Se eu digo algo que desagrada a alguém, não há como esperar que o ofendido não esboce reação.
Feitas essas observações, devo dizer que me
preocupa a redução dos espaços em que as pessoas podiam dizer bobagens sem
temer consequências maiores. Com o advento das redes sociais, seus usuários se
põem o tempo inteiro sob o olhar dos outros, num arranjo que lembra o
panóptico, o sistema de vigilância perfeita imaginado por Jeremy Bentham no
século 18. Mas, se Bentham pensava que o panóptico poderia produzir efeitos
desejáveis, se utilizado de forma racional, Michel Foucault anteviu os
potenciais abusos do excesso de transparência.
Não estou afirmando que Souza é uma vítima.
O panóptico das redes sociais é muito diferente do das prisões e de outras
instituições coletivas, já que só se submete a ele quem o desejar. Afinal, é
perfeitamente possível não estar nas redes sociais (eu não estou) ou refletir
antes de nelas despejar asneiras. Mas sinto falta dos tempos em que as pessoas,
empregadores inclusos, se negavam a fazer o papel de pistoleiros da moralidade
em vez de se voluntariarem para isso como fazem hoje.
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