O Globo / O Estado de S. Paulo
O melancólico fim de uma regra fiscal que vinha funcionando surpreendentemente bem
Não faltará quem retruque, como Billy
Wilder, que “visão retrospectiva é sempre perfeita” (Hindsight is always
twenty/twenty). Mas a verdade é que não há como alegar surpresa. Só não viu
quem não quis. A desastrosa “flexibilização” do teto de gastos era perfeitamente
previsível. Um desfecho mais do que esperado de meses de esgarçamento do
controle do Ministério da Economia sobre a política econômica.
Rememorar como tal esgarçamento se deu
ajuda a perceber que a “flexibilização” do teto é uma agenda em aberto. Não há
como ter ilusões. A escalada de descontrole fiscal ainda está longe do fim.
Em 2020, medidas de ajuste fiscal de mais fôlego aventadas pela equipe econômica – gatilhos, reforma administrativa, privatização – foram sistematicamente solapadas pelo próprio Planalto.
No início deste ano, exacerbaram-se os
temores de que o presidente pudesse abandonar de vez seu suposto compromisso
com a agenda de política econômica liberal. Já em janeiro, Bolsonaro decidiu
demitir o presidente do Banco do Brasil, por ter anunciado redução no quadro de
funcionários da instituição. E, em fevereiro, demitiu o presidente da
Petrobras, por insensibilidade pelos interesses dos caminhoneiros.
Os dois episódios impuseram constrangedora
perda de face ao ministro da Economia. Alarmado com a evolução de sua
popularidade, Bolsonaro decidira “entrar (para valer) na política econômica”.
Apreensivo com a perspectiva de ter de lidar com mais um ano de pandemia, Bolsonaro partiu para nova fuga para a frente. Dobrou a aposta no Centrão e fez de tudo para que Arthur Lira assumisse o controle da Câmara.
Em meados no ano, já saltavam aos olhos as
dificuldades que vinham sendo enfrentadas pela condução da política econômica.
Fragilizado como estava, o governo perdera ascendência sobre o bloco
parlamentar que supostamente lhe dava apoio. Já não tinha como impedir que
matérias de seu interesse fossem brutalmente desfiguradas.
A nomeação de Ciro Nogueira para a Casa
Civil, em agosto, eliminou em poucas semanas qualquer dúvida que ainda se
pudesse ter sobre a farra fiscal que vinha sendo tramada para o ano que vem.
Consolidada a aliança do Centrão com o
próprio Bolsonaro e todo o resto do Ministério, o ministro da Economia não teve
como resistir. Concordou com a “flexibilização” do teto, na vã esperança de que
os danos da perda da âncora fiscal possam ser contidos. Um fim melancólico para
uma regra de contenção de gastos que, aos trancos e barrancos, vinha funcionando
surpreendentemente bem.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard,
é professor titular do departamento de economia da PUC-RIO
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