Presidente diz que decreto é resultado da
“comoção” que decisão do Supremo provocou na sociedade
Por Matheus Schuch, Vandson Lima, Luísa
Martins, Marcelo Ribeiro, Arthur Rosa e Joice Bacelo / Valor Econômico
Brasília e São Paulo - O presidente Jair
Bolsonaro assinou ontem um decreto concedendo perdão ao deputado Daniel
Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 8 anos e 9
meses de prisão por ataques à democracia. Além de ampliar a crise
institucional, a medida é vista com ressalvas por ministros do STF ouvidos
pelo Valor. Em
reservado, integrantes da Corte adiantaram que a iniciativa de Bolsonaro, ainda
que venha a ser considerada legal, não reverterá a inelegibilidade do
parlamentar. Parlamentares da oposição já questionam a medida no STF e cogitam
novo pedido de impeachment contra Bolsonaro.
Silveira foi condenado pelo STF a regime
fechado, multa de R$ 200 mil, perda do mandato e dos direitos políticos. A
decisão foi apoiada por 10 dos 11 ministros da Corte - inclusive por um
indicado pelo presidente à Corte, o ministro André Mendonça.
Na noite passada, Bolsonaro abriu transmissão ao vivo nas redes sociais e anunciou: “É uma notícia de extrema importância para a nossa democracia e a nossa liberdade; um documento que eu comecei a trabalhar desde ontem [quarta-feira], quando foi anunciada a prisão.”
Bolsonaro alegou que o indulto fora
fundamentado em decisões do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal
que terminou com a condenação de Silveira. A prisão, alegou o presidente, gerou
uma “comoção” da sociedade que teria contribuído para sua decisão de conceder o
perdão.
“A sociedade encontra-se em legítima
comoção diante da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de
opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de
expressão”, sustentou.
Mais tarde, no espaço da sua tradicional
“live” de quinta-feira, Bolsonaro frisou: “Estamos cumprindo à risca o que lá
atrás decidiu o senhor Alexandre de Moraes. É um decreto que será cumprido,
porque ele é constitucional.”
Bolsonaro, então, leu trechos de decisão
proferida por Moraes em 2018, quando o então presidente Michel Temer concedeu
indulto de Natal questionado em ação direta de inconstitucionalidade, na qual
afirmou que “compete ao presidente definir a concessão ou não do indulto” e que
“a concessão de indulto não está vinculada à política criminal estabelecida
pelo legislativo, tampouco adstrita pela jurisprudência formada”.
Bolsonaro absteve-se de comentários de
improviso. Seguindo a leitura, observou que não é preciso esperar o fim da ação
para a concessão da chamada “graça constitucional” e que há a possibilidade de
o Judiciário analisar somente a constitucionalidade da concessão, não o mérito.
Ministros do STF ouvidos de forma reservada
pelo Valor anteciparam
que já há uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que mantém o
parlamentar inelegível. Desta forma, o indulto presidencial extingue os efeitos
primários da condenação (ou seja, o cumprimento da pena), mas não atinge os
efeitos secundários, penais ou extrapenais, como a inelegibilidade.
Advogados consideram o indulto
constitucional e legal. Porém, a forma como foi utilizado por Bolsonaro pode
ser questionada. O STF, afirmam, pode apreciar um desvio de finalidade no ato
do presidente da República, por afronta à separação de Poderes.
A Constituição prevê a possibilidade de o
presidente conceder indulto para condenados. E o crime ao qual o deputado foi
condenado, segundo especialistas, não está nas exceções previstas no texto.
“Na letra fria da lei, isso é possível. A
Constituição de 1988 prevê o poder de graça ao presidente. Mas não tenho
notícia de ser adotado por nenhum outro presidente desde então”, diz o
criminalista Davi Tangerino.
A questão, agora, afirma o advogado, é
saber se o Supremo não irá, por meio desse caso, restringir a aplicação da
medida. Dar interpretação de que a chamada graça tem sentido humanitário - ou
seja, apenas para quem já cumpriu pena longa ou está doente.
Para o jurista Lenio Luiz Streck, professor
de direito constitucional, foi o ato mais grave de agressão à democracia
cometido pelo presidente. “Ao conceder a graça ao deputado, Bolsonaro ofende o
STF. O presidente comete crime de responsabilidade por ter usado a medida com
desvio de finalidade”, afirma.
A publicação do decreto provocou imediata
mobilização de opositores do presidente. O líder da oposição no Senado,
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), destacou que crimes contra a ordem constitucional
não podem ser passíveis de indulto e prometeu acionar o Supremo para derrubar o
perdão de pena.
Na avaliação do líder do PT na Câmara,
Reginaldo Lopes (MG), Bolsonaro “está cometendo um crime para proteger um
criminoso”. O petista defende que o movimento do presidente para favorecer
Silveira pode até sustentar um novo pedido de impeachment.
“Indulto não pode ser usado com desvio de
função. E menos ainda por abuso de autoridade. Portanto, não seguiu o rito, há
um desvio da finalidade para proteger um amigo criminoso. Estamos estudando se
apresentaremos mais um pedido de impeachment e também uma ação de
descumprimento de preceito constitucional no STF”, relatou o petista.
Já o líder do governo na Câmara, Ricardo
Barros (PP-PR), defendeu a iniciativa. “Bom para a democracia e para a harmonia
e equilíbrio entre Poderes, também consagradas na Constituição”, escreveu
Barros em suas redes sociais.
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