Folha de S. Paulo
Crimes se cometem pela palavra, e defender
liberdade de expressão não abarca tudo
Humanos usamos a linguagem para quase tudo,
o que pode complicar as coisas quando se discutem os limites da liberdade de
expressão e da imunidade parlamentar. Foi o que se viu na condenação do deputado Daniel Silveira pelo STF. O parlamentar e seus apoiadores tentam pintá-lo como um
perseguido político, um mártir da liberdade de expressão, mas receio que
esse a caricatura não passe mesmo de uma caricatura, daquelas bem distorcidas.
Entre as múltiplas aplicações da linguagem está a consecução de crimes. Alguns são quase inexequíveis sem o uso de palavras. Se o seu deputado favorito chega para você, diz que é um herdeiro nigeriano e que está disposto a doar-lhe uma fortuna, caso você lhe antecipe alguns milhares de reais para tocar o inventário, e você acredita e lhe adianta o dinheiro, lamento informar que foi vítima de estelionato. E acho que nem o mais ousado advogado tentaria defender o deputado argumentando que a história fraudulenta que ele lhe contou está protegida pela imunidade parlamentar, que é uma espécie de liberdade de expressão premium.
Vários crimes se cometem pela palavra, daí
que mesmo a mais robusta defesa da liberdade de expressão não abarca todos os
discursos. Em vários casos, o limite é nítido. O estelionato é um deles. Penso
que ameaças e calúnias também não devem ser colocadas sob o manto da liberdade
de expressão, nem a ordinária, nem a premium. Ao contrário da jurisprudência
do STF,
creio que parlamentares devem ter imunidade de acusações de difamação e
injúria, bem como do chamado discurso de ódio. Ouvir idiotices é o preço a
pagar para ter a segurança de que a próxima boa ideia não será censurada por
soar exótica.
E quanto a Silveira? Acho que ficou bem demonstrado no julgamento que as declarações do parlamentar foram além de palavrões e opiniões. Ele também fez ameaças semiveladas, aos ministros e a instituições. Por isso, cana nele.
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