O Estado de S. Paulo.
Sugiro que façamos o bom e o possível, e não fiquemos buscando eternamente o ótimo, como vem ocorrendo há anos, sem sucesso
Há muito tempo discute-se no Brasil a
necessidade de uma reforma tributária, pois o sistema atual é caótico, tributa
em demasia o consumo – onerando proporcionalmente mais quem ganha menos – e
subtributa a renda e o patrimônio. Não é à toa que isso ocorre. É bem mais
fácil cobrar tributos indiretos, como ICMS, IPI, ISS, o PIS e a Cofins, do que
os diretos, como o Imposto de Renda, IPVA ou IPTU, por exemplo.
O caso do ICMS se destaca, provavelmente, como o maior problema do sistema tributário, tendo 27 legislações diferentes, que se multiplicam em milhares de normas fiscais, impossíveis de serem observadas na sua totalidade por empresas que operam em várias unidades da Federação. Os conflitos e a judicialização crescem exponencialmente.
No caso da União, há anos, o Executivo
tenta fazer uma reforma que simplifique o sistema vigente e que gere uma
neutralidade global na arrecadação. Paralelamente, tramitam no Congresso
Nacional diversas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) sobre o tema.
A necessidade de uma reforma tributária é
compartilhada por governos, empresas e sociedade. E, se todos querem, por que não
é feita? Porque cada agente tem a sua proposta e elas não são coincidentes. Os
governos querem aumentar ou manter a atual carga tributária, já os
contribuintes querem reduzi-la. O único consenso é na simplificação, porém até
nisso pensam de maneira diferente.
As PECs em tramitação no Congresso buscam a
unificação dos tributos sobre o consumo, com alíquota única e princípio de
destino, sem benefícios fiscais e sem aumento de carga total, a dita
neutralidade. Ao analisar essas propostas, verificamos que resultarão numa
redução na tributação da indústria e num aumento expressivo da carga nos
setores de serviços e da agropecuária, que compensariam a redução dos impostos
do setor industrial. Algo impensável de fazer, porque impactaria diretamente
nos preços dos serviços, como os de saúde, educação, transporte e construção
civil, e ainda do setor agropecuário, como carne, leite, ovos, arroz, feijão,
entre inúmeros outros produtos.
Os benefícios fiscais concedidos por União,
Estados e municípios a empresas são outro problema a ser resolvido. A
tributação totalmente no destino anularia grande parte desses benefícios,
acentuando a desvantagem locacional de empreendimentos, levando a uma
realocação de plantas industriais para grandes centros consumidores, com impactos
significativos na economia local. A eliminação do IPI destruiria a Zona Franca
de Manaus, sem que ainda existam outras atividades econômicas que a substituam.
O Amazonas simplesmente teria sua economia arruinada.
Como se isso não bastasse, as PECs hoje em
tramitação ainda estabelecem um grande período de transição, com a convivência
entre os tributos que serão substituídos no tempo pelo novo imposto a ser
criado, aumentando a complexidade dos contribuintes no cumprimento de suas
obrigações acessórias e principais. Some-se a isso a dificuldade dos Fiscos em
estabelecer alíquotas que sejam de fato neutras e a tendência de errar para
cima, com receio da perda de receitas.
Com um tributo novo, que, por óbvio, não
teria ainda sua jurisprudência consolidada no Judiciário, inúmeras teses seriam
levantadas e judicializadas, podendo inviabilizar a arrecadação nos valores
inicialmente estimados, com grave impacto nas finanças dos entes e no
atendimento às demandas da sociedade.
Dito isso, o que fazer? O ideal seria uma
reforma tributária em etapas. Começando pela unificação do PIS e da Cofins,
como tributo de valor adicionado e alíquotas diferenciadas, ao menos
inicialmente, aplicável para a indústria, o setor de serviços e a agropecuária,
via legislação infraconstitucional. Desta forma, estaríamos testando a nova
base de tributação e os riscos jurídicos e fiscais. Eliminados ou mitigados
esses riscos, poder-se-ia aos poucos aumentar a carga deste tributo e ir
eliminando outros, como o IPI, o ICMS e o ISS, em comum acordo entre União,
Estados e municípios. Ao final, teríamos um único tributo, com alíquotas e
arrecadação dividida em três partes: federal, estadual e municipal.
O próximo passo, que poderia ser dado
paralelamente à unificação do PIS e da Cofins, seria a federalização da
legislação do ICMS, transferindo a totalidade da capacidade legislativa ao
Congresso Nacional, não permitindo mais que os Estados legislassem sobre esse
imposto. As alíquotas – poucas, se possível única – seriam estabelecidas pelo
Senado Federal. Os Estados seriam apenas arrecadadores e fiscalizadores deste
imposto. Sempre bom lembrar que o antigo ICM, vigente até a Constituição de
1988, era assim e funcionava muito bem para todos.
Por fim, ajustar-se-ia a carga dos tributos
que incidem sobre a renda e o patrimônio, que também poderiam ter suas
alíquotas fixadas pelo Senado, para harmonizar o sistema tributário nacional,
possibilitando, inclusive, uma redução na tributação sobre o consumo.
Há um antigo ditado que diz que o ótimo é
inimigo do bom. Sugiro que façamos o bom e possível, e não fiquemos buscando
eternamente o ótimo, como vem ocorrendo há vários anos, sem sucesso.
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