O Globo
Atitude beligerante de Lula só agrada à
base petista e irrita aqueles de quem depende o sucesso de seu governo
O golpe falhou, o país se uniu, e Bolsonaro
se isolou. Centenas de golpistas foram presos, novas manifestações golpistas
fracassaram, o comandante do Exército foi substituído.
Ufa, a democracia sobreviveu.
Mas quem acha que ela está segura deve pensar melhor. O antipetismo segue fortíssimo, Lula tem baixa popularidade e pouco apoio num Congresso fortemente de direita. O panorama econômico é preocupante. Os algoritmos das redes sociais favorecem fake news, e ninguém os compreende melhor que os bolsonaristas; a maior parte do governo é digitalmente iletrada (o presidente nem tem celular). As legiões bolsonaristas permanecem mobilizadas, agressivas e desleais. O Exército, cuja tradição golpista é centenária, segue num patamar de radicalização e indisciplina que não se vê desde 1964.
O cenário é desafiador, mas o governo tem a
obrigação de ser minimamente bem-sucedido, sob o risco de a extrema direita
voltar em 2026; se o governo fracassar, o presidente pode nem sequer chegar ao
fim do mandato. Lula precisa garantir amplo apoio na sociedade e no Congresso,
obter sucesso na economia e na área social e neutralizar o bolsonarismo,
especialmente nas Forças Armadas. É tarefa monumental — e errar é proibido.
O problema é que Lula não para de errar.
Lula maltratou Simone e Marina. Nomeou para
a Defesa um ministro iludido a respeito dos acampamentos golpistas e da
disposição dos militares. Só trocou a equipe do Gabinete de Segurança
Institucional, montada pelo notório golpista Augusto
Heleno, depois do desastre do 8 de Janeiro. Botou no comando do
Exército um simpatizante dos golpistas, que os acobertou. Voou para Araraquara
(SP) quando todo mundo sabia que havia hordas de bolsonaristas a caminho de
Brasília. Atacou as Forças Armadas de maneira genérica, enraivecendo não só os
militares que não gostam de democracia, como também os legalistas (bom lembrar
que há generais legalistas e golpistas, mas não há nenhum que respeite o
presidente).
Acusou os ricos de gananciosos e afirmou
que o empresário não ganha dinheiro com seu trabalho, mas com o dos empregados.
Teima em defender Cuba e Venezuela,
nega o calote e quer voltar a emprestar a países estrangeiros (inclusive para
construir um gasoduto ambientalmente incorreto). Critica a meta de juros,
reclama da autonomia do Banco Central, tenta derrubar seu presidente, irrita e
constrange a equipe econômica. E insiste na velha fake news de que o
impeachment de Dilma foi golpe, insultando grande parte do eleitorado e de seu
próprio ministério.
Lula briga com o mercado, os empresários,
os ricos, a diretoria do Banco Central, a direita, o centro, os militares, os
ambientalistas, a verdade e o bom senso. Sua atitude beligerante, que só agrada
à base petista, irrita aqueles de quem depende o sucesso de seu governo e
alimenta o bolsonarismo.
A intentona mostrou que o bolsonarismo é um
movimento violento e criminoso que ameaça a República e deu de presente a Lula
um imenso capital político. Mas, se quer chegar a 2026, Lula precisa parar de
desperdiçar esse capital, sair do palanque e começar a mostrar serviço.
*Ricardo Rangel é administrador de empresas
Um comentário:
"A maior parte do governo é digitalmente iletrada (o presidente nem tem celular)."
E eu que achava que os zumbis petistas fossem menos arcaicos...
Postar um comentário