Valor Econômico
Temas econômicos da Carta Magna são alvos
constantes de emendas
Perto de completar 35 anos de existência, a
Constituição brasileira, a lei fundamental do país, já passou por 128 mudanças.
Considerando-se emendas referentes à assinatura de acordos internacionais, o
número de mudanças alcança 140. Todavia, levando-se em conta as alterações do
conteúdo promulgado em 5 de outubro de 1988, foram aprovadas em média.
Na última legislatura (2018-2022), o ativismo por mudanças na Carta Magna acelerou - aprovaram-se 29 emendas, das quais, 14 apenas no ano passado, recorde para o período de 12 meses. A explicação para tantas alterações, talvez, esteja na própria Constituição, isto é, na quantidade de temas tratados ao longo de 250 artigos e, também, no objeto dos assuntos abarcados.
Trata-se do segundo maior texto
constitucional do mundo. É menor apenas que o da Índia. Promulgada em 1787, a
Constituição dos Estados Unidos, por exemplo, tem sete artigos e, em 236 anos,
foi alvo de apenas 27 emendas.
A Constituição brasileira, a 7ª de nossa
história, foi elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte eleita em
novembro de 1986. No ano anterior, os militares, depois de 21 anos à frente de
um regime de exceção, entregaram o poder a um presidente eleito de forma
indireta, pelo Congresso Nacional. A escolha do presidente da República, pelo
voto popular, só foi restabelecida em dezembro de 1989, 29 anos depois da
última eleição direta realizada antes da ditadura militar.
Como no Brasil, a vida imita a arte e não o
contrário, Tancredo Neves, o presidente eleito, adoeceu na véspera e, por isso,
quem tomou posse foi o vice José Sarney, um dos próceres da ditadura. Mas,
justiça seja feita, Sarney assegurou, durante seu mandato, o funcionamento de
uma democracia absolutamente carente de instituições, tarefa das mais difíceis,
principalmente, considerando-se que parte do “ancien régime” tramou contra sua
posse.
Constitucionalistas alegam que o fato de a
Carta Magna de 1988 ter abarcado tantos assuntos decorreu do longo período de
exceção ao qual a sociedade brasileira esteve submetida. No capítulo de
direitos e garantias fundamentais, a Constituição brasileira trouxe enormes
avanços. Estabeleceu a criminalização de qualquer forma de discriminação -
certamente, esta foi a maior vitória de uma sociedade cuja principal característica,
desde a invasão europeia, em 1500, é o racismo, nódoa inscrita em nossas almas
devido à escravização de indígenas (durante 150 anos) e de africanos (por quase
quatro séculos). O texto constitucional também proibiu a censura, aspecto
fundamental - que, a exemplo da punição das discriminação, cláusula pétrea -
para o funcionamento de um regime democrático.
A lei máxima do país poderia ter se
restringido a esses capítulos, acrescidos dos que tratam da organização do
Estado, dos poderes da República e da Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas. Os capítulos seguintes, que tratam de tributação, orçamento,
ordem econômica e financeira e mesmo da ordem social (com exceção aos direitos
dos povos indígenas, tema que deveria ter sido contemplado no capítulo de
direitos e garantias fundamentais), poderiam ter sido objeto de leis
complementares.
“A Constituição de 1988 é excessivamente
detalhista em matéria de política econômica e há um exagero no número de
entidades que podem questionar a constitucionalidade de leis perante o Supremo
Tribunal Federal (STF). Como consequência desses dois fatores, o Poder
Executivo sabe que modificações na política econômica que possam ser
questionadas alegando violação de algum dispositivo constitucional só ficam seguras
se aprovadas por PECs (Propostas de Emenda à Constituição). Não surpreende que
nossa Constituição seja recordista mundial em emendas”, disse, em recente
entrevista, o economista Persio Arida, presidente do Centro de Debates de
Políticas Públicas (CDPP).
Persio observa que, no mundo contemporâneo,
onde as mudanças no ambiente econômico se dão de maneira acelerada, os Estados
têm que ser capazes de responder com celeridade às demandas da sociedade. “PECs
exigem quórum elevado [3/5 dos votos em duas votações na Câmara e no Senado] e
são por natureza mais lentas. Tenho defendido há muito tempo a
desconstitucionalização de tópicos que dizem respeito a políticas econômicas.
Sairiam do texto constitucional, mas continuariam em vigor como lei
complementar. Não se trata de princípios, como gratuidade de educação e saúde,
mas sim de detalhamentos de políticas econômicas que têm que ser flexíveis para
melhor adaptarem às circunstâncias de cada momento da história”, disse o
economista.
Um dos formuladores do Plano Real, Persio
considera um avanço ter o novo arcabouço fiscal em lei complementar, como
defende a equipe econômica do governo, mas adverte que seria importante que as
indexações e vinculações (de receita, por exemplo, para gastos com saúde e
educação), hoje presentes na Constituição, passassem também a ter status de lei
complementar.
“Em um sistema com muitas distorções, nem
sempre a remoção isolada de uma distorção melhora o resultado do todo e algumas
vezes pode até, paradoxalmente, ser contraproducente. Indexações e vinculações
orçamentárias hoje vigentes podem ter refletido bem as necessidades de passado,
mas não devem ser eternizadas.”
Na opinião do economista, ao passar o
detalhamento de política econômica para o status de lei complementar, ficaria
mais fácil para o Poder Executivo encaminhar as mudanças necessárias. “Isso
está em linha com a prática das economias mais desenvolvidas. Veja o caso da
Covid: ninguém precisou mudar a Constituição para permitir mais gastos públicos
na pandemia ou permitir aos Bancos Centrais que comprassem títulos do Tesouro
do seu próprio País”, explicou.
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