Valor Econômico
Se os países mais pobres puderem captar
empréstimos de 30 anos, e não de cinco anos, não estarão vulneráveis às crises
financeiras nesse meio-tempo
A chave para o desenvolvimento econômico e
para acabar com a pobreza é o investimento. Um país alcança a prosperidade
investindo em quatro prioridades. A mais importante é investir nas pessoas, por
meio da qualidade na educação e na saúde. A seguinte é a infraestrutura, como
eletricidade, água potável, redes digitais e transporte público. A terceira é o
capital natural, proteger a natureza. A quarta é o investimento empresarial. A
chave é o financiamento: mobilizar recursos para investir na escala e na
velocidade necessárias.
Em princípio, o mundo deveria operar como
um sistema interconectado. Os países ricos, com altos níveis de educação,
saúde, infraestrutura e capital empresarial deveriam fornecer amplo
financiamento para os pobres, que precisam urgentemente incrementar seu capital
de infraestrutura, empresarial, humano e natural. O dinheiro deveria fluir dos
países ricos para os pobres. À medida que os países emergentes ficassem mais
ricos, os lucros e os juros fluiriam de volta para os países ricos como retorno
pelos seus investimentos.
A metade mais pobre do mundo ouve da metade mais rica: reduza emissões de carbono, garanta saúde universal, educação e acesso a serviços digitais; proteja florestas tropicais e muito mais. E precisam fazer tudo isso com pouco crédito que vence em 5 anos a juros de 10%
É uma proposição em que todos saem
ganhando. Tanto os países ricos quanto os pobres se beneficiam. Os países pobres
ficam mais ricos; os países ricos ganham retornos maiores do que se estivessem
investindo nas próprias economias.
Estranhamente, as finanças internacionais
não funcionam dessa maneira. Os países ricos investem principalmente em
economias ricas. Os recursos chegam aos países pobres a conta-gotas e não são
suficientes para que saiam da pobreza. A metade mais pobre do mundo (países de
rendas baixa e média-baixa) produz atualmente cerca de US$ 10 trilhões por ano,
enquanto a metade mais rica do mundo (países de rendas alta e média-alta)
produz cerca de US$ 90 trilhões. O financiamento da metade mais rica para a
mais pobre deveria girar em torno, talvez, a US$ 2 trilhões a 3 trilhões por
ano. Na realidade, é apenas pequena fração disso.
O problema é que investir em países mais
pobres parece muito arriscado. Isso é verdade se olharmos para o curto prazo.
Suponha que o governo de um país de baixa renda queira captar empréstimos para
financiar a educação pública. Os retornos econômicos da educação são muito altos,
mas precisam de 20 a 30 anos para se materializarem, pois as crianças de hoje
levarão de 12 a 16 anos de escolaridade para depois entrarem no mercado de
trabalho. Os empréstimos, entretanto, em geral vencem em apenas cinco anos e
são feitos em dólares americanos, não na moeda nacional.
Suponha que o país capte um empréstimo de
US$ 2 bilhões hoje, com vencimento em cinco anos. Não haveria problema se, em
cinco anos, o governo pudesse refinanciar os US$ 2 bilhões com mais um
empréstimo de cinco anos. Com cinco empréstimos de refinanciamento, cada um de
cinco anos, o pagamento da dívida é adiado por 30 anos, tempo depois do qual a
economia terá crescido o suficiente para pagar a dívida sem necessidade de
outro empréstimo.
No entanto, em algum momento ao longo do
caminho, o país provavelmente terá dificuldades para refinanciar a dívida.
Talvez uma pandemia, uma crise bancária em Wall Street ou uma incerteza
eleitoral. Quando o país tentar refinanciar os US$ 2 bilhões, se deparará com
as portas do mercado financeiro fechadas. Sem dólares disponíveis, ele irá
parar no pronto-socorro Fundo Monetário Internacional (FMI).
O que acontece a seguir não é nada
agradável de se ver. O governo corta gastos públicos, provoca agitação social e
depara-se com longas negociações com credores estrangeiros. O país mergulha em
uma profunda crise financeira, econômica e social.
Sabendo disso com antecedência, agências
avaliadoras de risco crédito, como Moody's e S&P Global, atribuem aos
países uma classificação de crédito baixa, de investimento especulativo. E os
países mais pobres não conseguem captar empréstimos de longo prazo.
Além disso, os países pobres pagam taxas de
juros muito altas. Enquanto o governo dos Estados Unidos paga menos de 4% ao
ano em empréstimos de 30 anos, o governo de um país pobre, em geral, paga mais
de 10% anuais em empréstimos de cinco anos.
Por sua vez, o FMI aconselha os governos
dos países mais pobres a não captarem muitos empréstimos. Diz: para evitar uma
futura crise da dívida, é melhor abrir mão da educação (ou da eletricidade, ou
da água potável, ou das estradas pavimentadas). É um conselho trágico! Isso
resulta em uma armadilha de pobreza, em vez de em uma fuga da pobreza.
A situação ficou intolerável. A metade mais
pobre do mundo ouve o seguinte da metade mais rica: reduza as emissões de
carbono de seu sistema de energia; garanta saúde universal, educação e acesso a
serviços digitais; proteja suas florestas tropicais; garanta água potável e
saneamento; e muito mais. No entanto, eles precisam, de alguma forma, fazer
tudo isso dispondo apenas de um punhado de empréstimos com juros de 10% e
vencimento em cinco anos!
O problema não está nos objetivos globais.
Eles estão ao nosso alcance; mas apenas se os fluxos de investimento forem
altos o suficiente. O problema é a falta de solidariedade global. As nações
mais pobres precisam de empréstimos de 30 anos a 4%, não de empréstimos de
cinco anos a mais de 10%, e precisam em volume muito maior.
Em termos mais simples, os países mais
pobres estão exigindo o fim do apartheid financeiro mundial.
Existem duas maneiras principais de fazer
isso. A primeira forma é aumentar em cerca de cinco vezes o financiamento
oferecido pelo Banco Mundial e pelos bancos regionais de desenvolvimento (como
o Banco Africano de Desenvolvimento). Esses bancos podem captar empréstimos de
30 anos a cerca de 4% ao ano e repassá-los aos países mais pobres nessas
condições favoráveis. O volume de operações desses bancos, contudo, é muito
pequeno. Para que expandam as operações, os países do G-20 (incluindo EUA,
China e os da União Europeia) precisam injetar muito mais capital nesses bancos
multilaterais.
A segunda maneira é consertar o sistema de
classificação de crédito, o aconselhamento do FMI sobre dívidas e os sistemas
de gestão financeira dos países captadores. O sistema precisa ser reorientado
para o desenvolvimento sustentável de longo prazo. Se os países mais pobres
puderem captar empréstimos de 30 anos, e não de cinco anos, eles não estarão
vulneráveis às crises financeiras nesse meio-tempo. Com o tipo certo de
estratégia de empréstimos de longo prazo, respaldado por classificações de
crédito mais precisas e um melhor aconselhamento do FMI, os países mais pobres
terão acesso a fluxos muito mais altos, em condições muito mais favoráveis.
Os principais países do mundo terão quatro
encontros sobre finanças internacionais neste ano: em Paris, em junho; em Déli,
em setembro; na Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro; e em Dubai,
em novembro. Se os grandes países trabalharem juntos, podem solucionar isso.
Esse é o verdadeiro trabalho deles, e não travar guerras sem fim, destrutivas e
desastrosas. (Tradução
de Sabino Ahumada)
*Jeffrey Sachs é diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Columbia University, e presidente da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
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