Valor Econômico
Como chegar ao equilíbrio em uma sociedade
necessitada de aporte de recursos na infraestrutura social e física?
Na pauta econômica, a principal preocupação
de parte expressiva dos formadores de opinião e das lideranças políticas é a
solvência das contas públicas. Mas um grande desafio permanece: como alcançar o
equilíbrio fiscal em uma sociedade necessitada de aporte de recursos na
infraestrutura social e física? Tendo em vista esse impasse, não à toa, o novo
arcabouço fiscal ocupa a centralidade nas discussões atuais sobre a política
econômica brasileira.
Após seis anos de vigência da Emenda Constitucional do teto dos gastos (EC 95/16) - que, grosso modo, restringe o crescimento das despesas públicas à variação da inflação -, ficou claro que a realidade sociopolítica do país torna a regra inexequível. A verdade é que o teto vem perdendo sua funcionalidade. A prova cabal é a aprovação de ECs que inflaram os dispêndios públicos. Exemplos notórios são as Emendas Constitucionais dos precatórios (EC 117/21), do combate à alta do preço dos combustíveis (EC 123/22) e da transição (EC 126/22).
A partir da experiência com o teto de
gastos, três pontos de alerta devem ser considerados na concepção e tramitação
de uma nova regra fiscal.
Em primeiro lugar, não é recomendável que o
novo instituto fiscal seja normatizado através de uma EC. Como se viu, devido
às exigências constitucionais para a aprovação de uma EC, as negociações entre
Executivo e Legislativo se tornaram extenuantes, precipitando a inclusão de
políticas públicas que não estavam no cardápio das opções até então em debate,
como foi o caso do extemporâneo “orçamento secreto”. Na verdade, o país ainda
está num processo de aprendizado e aprimoramento para a construção de uma regra
fiscal mais robusta. Por isso, seria aconselhável que o próximo instrumento a
viger para garantir a disciplina fiscal tramite nas Casas Legislativas através
de um projeto infraconstitucional.
Um segundo procedimento diz respeito ao
reposicionamento do investimento público. Na década que antecedeu a aprovação
do teto, o investimento público girava em torno de 1% do PIB, caindo em 2021 e
2022 para algo próximo a módico 0,4% do PIB. A percepção geral é a de que
chegou a um nível abaixo do razoável.
O terceiro e último ponto de atenção, o
ajuste deve ser feito em cima do controle de despesas, mas o desempenho das
receitas também deve ser considerado. Como se vem observando, o aumento da
arrecadação tem imposto forte pressão política sobre os poderes constituídos
para que novos gastos sejam efetuados. Na prática, esse parece ter sido o caso
em 2022. A Lei Orçamentária Anual 2022 apontava uma receita líquida do governo
federal de R$ 1,64 trilhão. Ao longo do ano passado, esse número foi sendo
revisto em função da melhora abrupta da arrecadação. Assim, após concluído o
ano, a receita líquida realizada alcançou inesperado R$ 1,85 trilhão. Sem
dúvida, esse impulso na receita fiscal facilitou a aprovação das ECs do combate
à alta do preço dos combustíveis (EC 123/22) e da transição (EC 126/22).
Mas afinal, o novo arcabouço fiscal
encaminhado ao Congresso Nacional atende aos pontos acima levantados? Em linhas
gerais, sim.
Quanto ao trâmite nas casas legislativas, a
EC da transição já havia definido que a tramitação se daria através de Projeto
de Lei Complementar (PLP), no caso é o PLP 93/23. Apesar de ser mais fácil
aprovar uma Lei Complementar do que uma EC, a missão do governo ainda é dura. O
necessário debate nas casas legislativas ainda existirá, mas em condições menos
desfavoráveis ao Executivo, pois exigirá uma quantidade, relativamente, menor
de votos para sua aprovação.
No que tange ao investimento público, o
novo arcabouço fiscal define um valor mínimo de pouco mais de R$ 70 bilhões
(cerca de 0,7% do PIB) para esse item. Assim, já se observará uma melhora
significativa no volume investido, que em 2022, como visto, havia sido de
apenas 0,4% do PIB.
Em relação às despesas, o novo arcabouço
fiscal estabelece, grosso modo, limite de crescimento que pode chegar a 70% do
aumento da receita. Com isso, parte do ganho de arrecadação poderá suprir
demandas reprimidas.
Resta saber se, nessa nova configuração, a
regra fiscal dará a tranquilidade necessária para que o equilíbrio das contas
públicas seja alcançado.
O novo arcabouço fiscal, como já amplamente
divulgado, pressupõe aumento da carga tributária como porcentual do PIB para
que as metas de resultado primário fixadas pelo governo até 2026 possam ser
cumpridas: déficit de 0,5% do PIB em 2023, resultado nulo em 2024 e superávits
de, respectivamente, 0,5% do PIB e 1% do PIB em 2025 e 2026.
Segundo exercício de meu colega Bráulio
Borges, para que as metas sejam cumpridas, o aumento de carga anualizado deve
ser, em seu cenário mais provável, em 2023, 2024, 2025 e 2026, de 0,49%, 0,24%,
0,58% e 0,2% do PIB, respectivamente. Assim, resumidamente, a carga tributária
tem que crescer 1,5% do PIB ao longo dos próximos quatro anos. Sem dúvida, não
é uma tarefa fácil. Por isso, requererá o empenho de muito capital político
para viabilizá-la.
Por fim, é importante que haja a percepção
geral de absoluto comprometimento com as metas de resultado primário
estipuladas - ainda mais, por se tratar de um objetivo que requer grande
esforço político para cumpri-lo, e que, por isso, exige grande mobilização do
Executivo e do Legislativo. Para isso, caso a meta não seja cumprida, é
fundamental a obrigação de mais do que um simples encaminhamento de mensagem do
Presidente da República ao Congresso Nacional com as razões do descumprimento
da meta e respectivas medidas de correção, conforme consta no PLP 93/23. Assim,
para gerar confiança nos agentes econômicos, é importante que no debate do PLP
sejam estabelecidas maiores exigências para o caso de não cumprimento da meta.
Enfim, conforme pondera meu colega Manoel
Pires, a literatura econômica dá pistas, mas não aponta o melhor caminho para
um ajuste fiscal. O atual governo, legitimamente, optou por realizar um ajuste
fiscal calcado no aumento da receita. Seja como for, o importante é que o país
caminhe para um fiscal estruturalmente equilibrado.
*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre
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