O Globo
Discussão da regulação avança no Congresso
Nacional, mas precisamos nos vacinar contra a tentação da censura
O Projeto de
Lei 2.630/2020, aprovado no Senado, tramita na Câmara dos Deputados
em regime de urgência e caminha a passos largos para possível aprovação. Os
ataques às sedes dos Poderes em 8 de janeiro, urdidos livremente nas
plataformas digitais, e os crimes bárbaros contra escolas, viralizados em
grupos de mensagens, precipitaram a agenda do Parlamento brasileiro no
enfrentamento de questões sobre as quais o mundo está debruçado. Não são
triviais, nem há uma bala de prata redentora. As soluções propostas apresentam
trade-offs claros que precisam ser sopesados antes da decisão final.
Foi-se o tempo em que teóricos da comunicação, como Manuel Castells ou Eugênio Bucci, acreditavam na neutralidade das redes. Sabe-se hoje que algoritmos sofisticados interferem decisivamente no que vamos ler, ver e ouvir, induzindo comportamentos de consumo e posturas existenciais mais amplas. A curadoria de conteúdos está longe de equiparar-se a uma varredura desinteressada sobre o mérito das discussões. Exclui ou enfatiza pontos de vista que potencializam a capacidade da plataforma de atrair atenção e, por conseguinte, gerar lucros. Por fim, os conteúdos impulsionados mediante pagamento e campanhas maciças de desinformação, promoção de ódio, violência e ataques à democracia colocam em xeque o modelo de negócios baseado na pura autorregulação privada. Ela parece ter falhado ou, ao menos, revelou-se insuficiente.
O debate na Câmara, sob a relatoria do
deputado Orlando Silva,
amadureceu em relação ao travado no Senado. Em vez de investir no conceito de
fake news — de resto, inglório, já que poderia resvalar para um monopólio da
verdade —, o PL define com a precisão possível uma lista de conteúdos ilícitos.
As plataformas passam a ter um dever de cuidado quanto ao conteúdo postado por
terceiros. Se envolver violação a direitos de crianças e adolescentes, devem
agir de ofício. Quanto aos demais, devem adotar as providências cabíveis quando
notificadas, o que pode chegar à remoção do conteúdo (notice and take down). Na
moderação, as redes devem justificar suas ações, como por que algumas mensagens
são censuradas e outras não, com base em razões legais ou fundadas nos termos
de uso. Os usuários têm direito a um devido processo legal, com os meios e
recursos a ele inerentes. Relatórios semestrais devem ser publicados prestando
conta à sociedade da atividade de curatela realizada pelas plataformas, a fim
de que ela seja transparente, isonômica e possa ser reprogramada.
Numa decisão sábia, o relator retirou do PL
a criação de um ente regulador. Além do vício de iniciativa evidente — porque o
PL é de origem parlamentar —, criar uma agência para normatizar, fiscalizar e
sancionar nesse campo pode ser um tiro no pé da democracia. É desejável
conceder um poder normativo amplo a um ente administrativo para construir e
ampliar conceitos tão delicados como desinformação ou notícia fraudulenta?
Juristas não podem ignorar a História e as lições do passado, para que o
remédio não vire veneno.
*Gustavo Binenbojm é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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