O Globo
“Presidente
da Câmara não é um agregado. Ele é um parceiro.” Traduza-se: não é anexo; pode
ser sócio.
O GLOBO de domingo trouxe entrevista
com Arthur Lira. Que comunica: a forma como o governo tenta erguer coalizão
não funcionará.
Para quem ainda tivesse dúvida sobre a
inviabilidade do modelo de constituição de base via oferta de ministérios:
“Está comprovado que não vai dar certo”.
É o presidente da Câmara quem
afirma-informa, transparente como deveriam ser as distribuições do Orçamento.
“As emendas resolvem isto sem ser necessário um ministério.” Significado de “isto”: governabilidade. Elmar Nascimento, federação lirista no União Brasil, já desenhara: cargo é para cúpula, coisa de elite; o baixo clero quer dinheiro na ponta. Libere e ande uma casinha.
Lira avança: “Da forma como está, o
parlamentar fica com o pires não mão, e um ministro, que não recebe votos e não
faz concurso, é quem define a destinação de R$ 200 bilhões para municípios”.
Não será necessário explicar que o critério
“concursado” não conta na hora de ele indicar parentes a cargos com trânsito de
milhões. Tampouco, que ministro só dirige pasta sob delegação de um presidente
eleito.
Importante é explanar que não há
parlamentar com “pires na mão”. Especialmente se associado a Lira. O Congresso
controla imensa fatia do Orçamento; e, a um ministro, o que sobra de poder
estará em administrar o ritmo — o tempo — das liberações.
O orçamento
secreto não acabou. Os mecanismos de operação das emendas do relator foram
mantidos. Pela PEC da Transição, o governo Lula topou. A Lei Orçamentária Anual
é clara em declarar que a grana, outrora sob RP9, transferida para a alçada dos
ministérios (RP2) continua reservada — e só o relator pode alterar esse
endereço — às mesmas codevasfs conforme apontamentos dos padrinhos deputados e
senadores.
É por isso que o senhorio de ministérios,
pesado, lento, muito evidente, já não seduz. Parlamentar virou patrono de
fundos orçamentários e votará com o governo episodicamente, depois de o
Planalto negociar, por proposta, a liberação de parte dos dinheiros carimbados
que — essa é a cabeça — lhe pertencem. Legado de Bolsonaro.
É margem pequena a do governo. Lira sabe
disso. Finge, porém, que a fonte secou; que o fim formal da emenda do relator
teve efeitos práticos: “Eu sempre disse que o orçamento é muito mais
democrático se decidido por 600 parlamentares do que por dez ministros”.
Interrompa-se o presidente da Câmara para
notar que jamais será democrática a gestão opaca de orçamento público, ademais
se conduzida autoritariamente. O orçamento democrático, sob a capa
corporativista de incluir 600, é aquele cujas distribuições são determinadas
por ele, Pacheco e outros alcolumbres — em benefício de aliados. As
distribuições continuam.
Lira continua, ainda sobre a morte do orçamento
secreto mais vivo que nunca; e agora como se comentasse a superação de um
vício: “Me elegi sem RP9 e tenho tido uma boa relação sem ela. Não interfere em
nada na minha vida”.
Seria bela vitória sobre um revés, fosse
verdadeiro.
Arthur Lira se reelegeu — deputado e
presidente da Câmara — com a corda e a caçamba do RP9, um dos patrões da
Codevasf, senhor da autarquia em Alagoas, estado ao qual designou, por meio da
estatal, mais de R$ 40 milhões no ano eleitoral de 2022.
Elegeu-se com RP9 — corrija-se — e tem tido
uma boa relação com a modalidade criada para driblar o Supremo e manter o
sistema. As distribuições continuam.
“Não interfere em nada na minha vida” —
porque nada se alterou.
“Não interfere em nada na minha vida.”
Retome-se com a fantasia de superação. “Mas, na governabilidade, sim.” Em
resumo: para mim, que sou o cara, muda nada; fica ruim somente para o governo.
Para além da grandeza, a franqueza. “Sabemos o que os partidos querem:
favorecimento de obras e serviços públicos para aumentar o seu escopo político
e atender as suas bases.”
Não são os partidos que querem. Lideranças
partidárias escassearam. A cultura
cooperativista do União Brasil, confederação de patrimonialistas, triunfou.
Solte o dinheiro apadrinhado e tenha boa chance de aprovar o projeto de
interesse. Repita o processo no próximo.
“O governo precisa se organizar.”
Que organização será essa?
“Talvez a turma precise descentralizar
mais, confiar mais. Se você centraliza, prende muito. Há muita dificuldade,
talvez pelo tempo que o PT passou fora do poder.”
Lira informa que 2003 passou faz 20 anos. A
dinâmica que produziu o mensalão está ultrapassada. A nova não é melhor.
Mas o Planalto não faz gestos ao senhor,
mantendo primos seus no comando da Codevasf e do Incra de Alagoas?
“E eu também não tenho gestos para o
governo? Ou sou contra eles? Tenho atuado para maltratar alguém?”
Atue para não prender muito. Faça gestos. Descentralize, com primos no meio, e confie. Maltrate a impessoalidade republicana. Jamais os parceiros.
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