domingo, 26 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Decisão do STF é crítica para futuro da imprensa livre

O Globo

Corte definirá quando um veículo deve ser considerado corresponsável ao publicar declarações de entrevistas

No próximo dia 29, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) tomará uma decisão crítica para o futuro da liberdade de informação e expressão no Brasil. Como desdobramento de um caso em que manteve condenação ao Diário de Pernambuco, a Corte decidirá em que situações um veículo deve ser considerado corresponsável por publicar entrevistas ou declarações que causem danos a terceiros, ainda que sem endossá-las. Várias sugestões de teses foram expostas no julgamento, e agora o STF deverá fixar uma com repercussão geral, como paradigma para futuras decisões em todos os tribunais brasileiros.

No estabelecimento da tese votarão os dez ministros do Supremo (ainda não houve nomeação para a vaga aberta pela aposentadoria da ministra Rosa Weber). O plenário deverá estabelecer o limite da liberdade de expressão e informação em situações em que também estão em jogo a honra e a vida privada dos atingidos pelas informações publicadas — quando elas não partem do veículo, mas de terceiros.

Entre as teses sugeridas, duas não deveriam prevalecer, por razões opostas. A primeira não atribui nenhuma responsabilidade ao veículo, independentemente de haver dolo na divulgação das informações. Parece óbvio que divulgar deliberadamente imputações falsas ou ignorar evidências disponíveis, de modo a ocultar propositalmente versões dos envolvidos ou atingidos, são atitudes incompatíveis com o bom jornalismo.

A segunda tese que não deveria prevalecer impõe responsabilidade ao veículo de comunicação sempre que as declarações que publicar se revelarem ao fim caluniosas ou mentirosas, independentemente dos cuidados adotados na apuração. A atividade jornalística pressupõe a publicação de fatos no calor dos acontecimentos. Erros acontecem, e nenhum jornalista sério erra porque quer. Se um veículo, diante dos eventos, segue os preceitos do jornalismo profissional com seriedade e ética, não há razão para puni-lo, ainda que as informações publicadas depois se mostrem equivocadas. Apenas a má-fé e a negligência grosseira em relação aos fatos justificam a punição.

Duas teses propostas buscam um meio-termo virtuoso, adotando princípios similares aos consagrados nos Estados Unidos no caso New York Times Co. v. Sullivan, de 1964. Na ocasião, a Suprema Corte americana passou a exigir, para condenar um veículo, prova do conhecimento prévio de que a notícia era falsa ou de negligência no dever de buscar a verdade (“reckless disregard of whether it was false or not”). Tal doutrina ficou consagrada como actual malice (correspondente ao dolo no Brasil). Se adotar uma delas, ou outra similar, o STF prestigiará a atividade jornalística, sem descuidar da reparação devida àqueles cujo direito ou cuja honra tiverem sido violados.

Para merecer punição, não basta o veículo ter cometido um erro. É preciso que o tenha cometido de propósito, com a intenção deliberada de prejudicar. Penalizar erros involuntários provocaria um efeito silenciador na imprensa. Ela deixaria de divulgar informações necessárias para a sociedade temendo processos e indenizações, especialmente em notícias envolvendo poderosos. Seria um revés terrível para a liberdade de expressão. Por isso o Supremo faria bem em adotar uma tese que leve em consideração as características do jornalismo e seu papel essencial em todo regime democrático.

Queda artificial no juro do consignado prejudica aposentados e pensionistas

O Globo

Governo insistiu em manter taxas abaixo do nível aceitável para os bancos, e empréstimos caíram 30%

Medidas que tentam ajudar a população de baixa renda podem facilmente ter o efeito contrário. É o caso da redução na taxa de juros do empréstimo consignado a aposentados e pensionistas do INSS, que gerou retração dos bancos, inclusive os estatais, na oferta dessa modalidade de crédito.

A clientela começou a ser prejudicada assim que o ministro da Previdência, Carlos Lupi, anunciou em março, na base da vontade política, um corte de 2,14% para 1,7% ao mês. Os guichês dos bancos — incluindo Caixa e Banco do Brasil — imediatamente fecharam para o consignado. Numa canetada, Lupi pôs a taxa num nível de risco acima do permitido pelas regras das instituições financeiras. O governo foi obrigado a recuar e fixar os juros em 1,97%. Depois reduziu para 1,91% em agosto. Entre março, mês do primeiro corte, e setembro, o volume de empréstimos no consignado foi R$ 38,7 bilhões, 30% abaixo do mesmo período do ano passado.

Mesmo sendo uma operação de baixo risco para os bancos, pois as prestações são deduzidas da conta bancária do beneficiário do crédito, há questões técnicas que por vezes escapam à compreensão do político. Como qualquer empresa, bancos têm custos para conceder empréstimos. Também reagem defensivamente quando o governo cogita tabelar o juro em nível baixo demais. Paga o preço quem precisa do financiamento. Ao querer ajudar, o governo atrapalha.

No mês passado, sob a justificativa de que a taxa básica de juros, a Selic, foi reduzida mais uma vez, o Ministério da Previdência cortou novamente a taxa do consignado para 1,87%. Outra impropriedade: a Selic é uma taxa de curto prazo. O consignado, uma operação de médio e longo prazos. “É claro que esse tipo de teto no crédito consignado está afetando a oferta de produtos para os aposentados mais idosos”, disse ao GLOBO Rafael Baldi, diretor de Produtos da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Muitas operações já não se pagam mais. Baldi constata que, sem o consignado, quem precisa de dinheiro se endivida em linhas de crédito mais caras.

Com as finanças apertadas, há quem recorra à Justiça sob a alegação de grande comprometimento da renda para pagar as parcelas. Mais um risco que inibe a concessão dos empréstimos. As instituições financeiras se retraem, os tomadores desse tipo de empréstimo perdem acesso aos bancos e ficam cada vez mais distantes do crédito. O importante seria o governo entender que empréstimos não são caridade. Têm custo para os bancos e, em algum momento, quem tomou dinheiro emprestado precisa pagar.

Quente, fervendo

Folha de S. Paulo

COP28 começa em descompasso com a urgência para arrefecer aquecimento global

No Sul, chuvas torrenciais assolam cidades e lavouras gaúchas. O clima põe em crise a produção agrícola local, que, com a queda concomitante de preços internacionais, tem seu valor de produção encolhido em 2022 e 2023, derrubando o estado da 4ª para a 6ª posição no país.

No Sudeste, a onda de calor submete populações a temperaturas superiores a 40ºC e sensação térmica de 50ºC ou mais, dias a fio. No Centro-Oeste, o Pantanal entra de novo em combustão.

Os rios Solimões e Negro, no Norte, se convertem em bancos de areia, botos morrem às centenas e grassam as queimadas. No Nordeste, a seca castiga sertanejos e metrópoles, pondo em xeque a capacidade de a transposição do rio São Francisco aliviar-lhes o flagelo.

Não faltam notícias da atmosfera em vendaval, no Brasil e no mundo, para impor a mudança climática à pauta política. No cenário global, as expectativas ora se voltam para a COP28, conferência das Nações Unidas sobre clima que começa na quinta-feira (30) em Dubai, nos Emirados Árabes Unido.

O próprio país-sede enfrentou enchente inédita naquela área de deserto. Parte do crédito pelo evento extremo, como no Brasil, cabe ao El Niño, contudo ninguém mais duvida de que a intensidade desses fenômenos esteja a agravar-se por força do aquecimento global.

Permanece, todavia, o descompasso entre o que se faz e o que precisa ser feito para enfrentar o problema. Estreita-se a cada ano a janela de oportunidade para cumprir o objetivo do Acordo de Paris (2015) de manter abaixo de 2ºC o aumento da temperatura média mundial (preferencialmente, em 1,5ºC).

Dá-se como certo que este 2023 será o ano mais quente já registrado, com os termômetros atingindo 1,5ºC acima da média histórica. Para impedir que esse limiar se torne o novo piso de temperatura na Terra, seriam necessárias medidas e políticas heroicas que nem no horizonte estão.

A meta seria cortar emissões de carbono em 40-50% até 2030 e neutralizá-las em 2050. Restam só sete anos para alcançar o primeiro alvo, e a trajetória sugere que será difícil atingi-lo. No ritmo atual, o planeta caminha para galgar 2,5ºC.

Só o esgotamento das jazidas de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) em exploração já ultrapassaria em 40% as emissões compatíveis com Paris, mas empresas seguem buscando ando novos campos, como a Petrobras na margem equatorial da Amazônia.

A inércia do sistema baseado em energia fóssil parece difícil de superar. Em vista disso, avança a conclusão aritmética de que o limiar de segurança será ultrapassado e se tornará imperativo recorrer a emissões negativas —ou seja, sequestrar carbono da atmosfera para estocá-lo e, assim, não realimentar o efeito estufa.

Ocorre que tal medida, conhecida pela sigla CCS, não está tecnológica e economicamente madura. Estima-se que possa custar até US$ 100 para capturar uma tonelada de carbono, o que levaria a US$ 22 trilhões para abater 0,1ºC do aquecimento projetado, no cálculo do climatologista Zeke Hausfather.

Nenhuma mitigação das mudanças climáticas será factível sem o concurso de China (líder atual em emissões) e Índia (superpopulação e emissões em alta).

As duas nações capitaneiam a demanda para que países ricos paguem mais pela transição energética, mas o financiamento para países emergentes se descarbonizarem nunca alcançou o nível prometido de US$ 100 bilhões anuais.

A perspectiva de que a COP28 se mostre à altura do desafio é mínima. Organizações ambientais pressionam para que a comunidade internacional adote um plano com metas e datas para cessar a extração de combustíveis fósseis, o que decerto não ocorrerá na reunião em um Estado petroleiro como os Emirados Árabes Unidos.

Além disso, o país-sede não prima por dar liberdade à sociedade civil, para dizer o menos. Não haverá surpresa se autoridades locais impuserem restrições às atividades da imprensa estrangeira e de organizações não governamentais ainda mais drásticas que as observadas durante a COP27, no Egito.

Outro fator a erodir a prioridade do clima é a guerra Hamas-Israel, a exemplo do impacto do conflito na Ucrânia sobre os preços do petróleo e a conferência de 2022. Potências bélico-energéticas como EUA, China e Rússia precisam cooperar na seara ambiental, mas a geopolítica as mantém às turras.

Com a obrigação dos 197 países de apresentarem novas e mais ambiciosas metas de descarbonização na COP30 em Belém do Pará, em 2025, a margem de manobra para afastar o pior da mudança climática se afunila. Avanços em Dubai não são impossíveis, mas tão improváveis quanto prementes.

A Petrobras e a voz do dono

O Estado de S. Paulo

Plano de investimentos parece sob medida para o projeto de poder de Lula da Silva.

O primeiro plano de investimentos da Petrobras do terceiro mandato de Lula da Silva concentrou atenções nos últimos dias não apenas pela definição de negócios de uma das empresas mais relevantes da bolsa de valores nacional, a B3. O interesse pairava, sobretudo, no que representa o retorno da “petroleira petista” diante dos sinais emitidos que, invariavelmente, conduzem à utilização da companhia como financiadora de um projeto de poder. Basta atentar para o peso dos 47 projetos da Petrobras no tal “Novo PAC” de Lula.

Os US$ 102 bilhões do planejamento estratégico para o período 2023-2028 indicam o novo rumo. Além dos investimentos já aprovados e dos outros em análise, a cifra astronômica reincorpora bens que estavam à venda, como a refinaria construída em Pernambuco no segundo governo Lula, uma das mais caras do mundo, embora com capacidade bem inferior à de seus pares. Também foi contemplada nesse orçamento a decisão de reinvestir em áreas das quais havia decidido se afastar, como petroquímica e fertilizantes, como quer Lula.

A “voz do dono”, representada na Petrobras pela parcela de 36,6% do capital em poder da União, transmite um discurso há muito ultrapassado, mas que torna a interferir na empresa. Nos dois primeiros mandatos petistas, o uso da Petrobras como instrumento de política pública foi tão patente que seu plano de investimentos passou a detalhar os efeitos macroeconômicos esperados.

Não à toa, o presidente da companhia, Jean-Paul Prates – que esteve na corda bamba nos últimos dias e por ora conseguiu esquivar-se da artilharia dos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil) –, diz que a Petrobras vai criar 280 mil empregos. Levando em conta que o número de funcionários não chega a 40 mil, é mais do que evidente que ele se refere a obras que a empresa vai assumir em prol de um projeto de governo.

Lula tem pressa em reeditar situações que lhe renderam imagens célebres. Quer aparecer, no pátio de algum estaleiro reativado à custa de subvenções do governo, cercado por trabalhadores; descer de helicóptero no prédiosede da Petrobras para anunciar a descoberta de uma nova e promissora fronteira exploratória e anunciar que todos os campos serão da petroleira nacional, como fez com o pré-sal; posar com as mãos lambuzadas do óleo das novas reservas; batizar navios, ainda que não totalmente finalizados, como fez em 2010, ano de campanha presidencial. Cenas que espera converter em votos.

Mas não há como esquecer o que veio depois das fotos que ilustraram campanhas petistas. Navios com inúmeros problemas técnicos e encarecidos pelo modelo de uma indústria sem expertise para enfrentar a concorrência externa; um vácuo de ofertas nos leilões de petróleo que resultou em imenso atraso na produção de petróleo no País; e empresas que haviam sido alçadas de forma artificial à condição de grandes fornecedoras e que acabaram quebrando.

E, por óbvio, o “petrolão”. Não há como esquecer as revelações de empresários acuados que desvendaram o impressionante esquema de propinas que acompanhava as obras e os projetos eleitoreiros. Não é possível que esse mesmo modelo temerário possa ser ressuscitado, sem mais nem menos, como se nada tivesse acontecido.

A reativação da indústria local, a geração de empregos e o investimento na economia nacional são medidas sempre bem-vindas, desde que com o devido planejamento e responsabilidade. O histórico da Petrobras petista não autoriza otimismo.

Uma das decisões da Petrobras que causaram celeuma em Brasília foi a duplicação de investimentos em transição energética. Serão mais de US$ 5 bilhões aplicados em energia solar, eólica, captura de carbono e projetos de hidrogênio, com retorno só para daqui a uns dez anos, em outro governo. Daí a insatisfação do Planalto.

Esse é o padrão do populismo lulopetista, que se diferencia do populismo bolsonarista apenas no nome e na cor da bandeira, mas ambos com a mesma ambição descarada de usar a Petrobras para reduzir a inflação, custear obras públicas e ganhar eleições.

Um caminho para o fim dos privilégios

O Estado de S. Paulo

Decisão sobre penduricalho do MP mostra que, para acabar com regalias, basta o STF querer. É preciso criar nova jurisprudência intolerante com a captura do Estado pelo corporativismo

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é inconstitucional um dos penduricalhos do Ministério Público (MP), os chamados “quinto”, “décimo” e “opção”. Trata-se de “vantagens pessoais” concedidas a quem exerceu cargos de direção, de chefia ou de assessoramento em algum momento da carreira, mas que continuam sendo pagas mesmo após o término dessas funções. Proposta pela Advocacia-Geral da União (AGU) em 2006, ainda no primeiro governo Lula, a ação questionava o dispositivo de uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que, confrontando o texto constitucional, havia autorizado a benesse.

É um escândalo que essa ação tenha demorado tanto para ser julgada. A resolução do CNMP violava diretamente a Constituição, que veda esse tipo de incorporação. A proibição existia desde 1988, mas a Emenda Constitucional (EC) 19/1998 deixou o tema ainda mais cristalino. Não se pode transformar em permanente o valor extra motivado por trabalho ou função adicional.

De toda forma, o julgamento dessa ação pode ser um grande aprendizado. Em primeiro lugar, ele mostra que, quando se quer, não é difícil de dizer que é inconstitucional o que é inconstitucional. Por mais lobby que as associações de procuradores tenham feito ao longo dos anos, no momento em que quis declarar a inconstitucionalidade, o STF o fez com tranquilidade. Ou seja, a Corte constitucional tem plenas condições para enfrentar todos os outros privilégios e penduricalhos existentes nas carreiras públicas. Não precisa temer ninguém.

Tal realidade institucional é fonte de enorme paz para o País. Não é preciso inventar nada para enfrentar os privilégios da elite do funcionalismo que foram se instaurando ao longo dos anos. Já existe um tribunal que, devidamente acionado, pode pôr fim a todas as regalias – regalias essas que violam os princípios básicos do Estado Democrático de Direito.

Em segundo lugar, esse julgamento explicita o real valor jurídico dos argumentos que as associações de juízes e de membros do Ministério Público utilizam para obter e reter seus penduricalhos e privilégios. Apesar da pompa, eles são absurdamente frágeis. Nada valem. São mero emaranhado de citações em defesa do interesse próprio.

É tempo de o Judiciário – em concreto, o STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – ser mais maduro e mais autônomo. A Justiça não pode ficar refém da retórica dessas associações corporativistas, cujos argumentos são imprestáveis. Por exemplo, tais entidades, sem nenhum rubor, sustentaram por anos que o penduricalho inconstitucional era um “direito adquirido”, em descarada inversão da hierarquia normativa. Seria lamentável que, em vez de defender o Direito, o Judiciário preferisse atender a esse tipo de falácia.

A decisão contra o penduricalho do Ministério Público revela ainda outro dado. Nesses 35 anos de Constituição – mesmo depois da reforma do Judiciário, em 2004, com a criação do CNJ –, muita coisa foi feita dentro de uma lógica (arcaica e não republicana) de tolerância com privilégios e regalias. Criou-se abundante jurisprudência favorável a toda sorte de privilégio, a começar pela condescendência com as férias de dois meses de juízes e membros do Ministério Público.

É necessário restaurar a efetividade do princípio da igualdade de todos perante a lei. O caminho é rever toda a jurisprudência tolerante com a captura do Estado por setores da elite do funcionalismo público. O Supremo não pode ficar congelado numa compreensão enviesada da lei e da Constituição, que tolera a existência de diversas classes de cidadãos.

A AGU e todas as pessoas jurídicas autorizadas a propor no STF uma ação direta de inconstitucionalidade – por exemplo, os partidos políticos – podem fazer um grande serviço ao País. Elas podem – e devem – acionar o Supremo para que se estabeleça uma nova jurisprudência sobre situações de privilégio incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Por mais que agradem a alguns, leis e resoluções inconstitucionais não podem prosperar.

Irritação nas urnas

O Estado de S. Paulo

Inesperada vitória da extrema direita na Holanda reforça desafio aos partidos tradicionais

A irritação brotou forte nas urnas holandesas. Numa conquista inesperada, os nacionalistas do Partido para a Liberdade (PVV), liderados pelo notório Geert Wilders, obtiveram 37 de 150 cadeiras no Parlamento. A coalizão de Trabalhistas e Verdes levou 25; os Liberais, do premiê incumbente, Mark Rutte, 24; e o Novo Contrato Social, uma nova legenda de centro-direita, 20.

Num sistema partidário fragmentado, a formação do governo deve tomar meses e é incerto se Wilders será premiê. Mas a integração ao governo do partido anti-imigração, anti-islã, anti-União Europeia e antiambientalista, até então marginalizado, é quase inevitável. “Eles não podem nos contornar”, disse Wilders. “O eleitor disse: basta!”

Basta do quê? Primeiro, da imigração indiscriminada. Mesmo que tenha refreado propostas extremas, como banir mesquitas e o Corão, a hostilidade ao islã ainda é a assinatura do PVV. Além dos atritos culturais, as ondas migratórias têm pressionado o generoso Estado de Bem-Estar Social holandês. Planos ambientalistas draconianos também irritaram as populações rurais.

Essa impaciência ecoa pela Europa. Os xenófobos da Alternativa para a Alemanha se tornaram o segundo partido mais popular no país. Na Itália, a direita dura liderada por Giorgia Meloni assumiu o poder. Na França, o movimento nacionalista de Marine Le Pen tem conseguido mais votos a cada eleição e pode vencer em 2027. A direita populista aumentou seu estoque eleitoral na Suíça, Áustria e Escandinávia e pode ampliá-lo no Parlamento Europeu em 2024.

Na esquerda, os social-democratas estão em declínio. Muitos os veem como elitistas e invertebrados.

Seu eleitorado envelheceu. Jovens progressistas se voltam a radicais socialistas. Mas esses partidos têm um teto e dificilmente formam maiorias para governar. As classes populares estão sendo alienadas pelos custos das políticas ambientalistas dos verdes, assim como pelas taxonomias da opressão dos identitários. A esquerda precisa se reinventar. Mas é incerto como o faria e mesmo se o quer.

Sobrepor rótulos (“fascistas”, “extremistas”, “ultras”) só tem aglutinado eleitores frustrados. A demonização não está funcionando. Isso vale para os centristas, liberais e conservadores. Até agora, eles têm tentado isolar a nova direita sob um cordão sanitário. As mídias se recusam a lhe dar voz.

Sem abdicar da intransigência contra o autoritarismo e a violência, os partidos mainstream terão de aprender a negociar e eventualmente cooperar com a direita dura. Em muitos casos, o exercício do poder leva à flexibilização e ao pragmatismo, como no governo de Meloni, ou, do contrário, ao desgaste, como na Polônia. Mas mais importante é que os partidos tradicionais reconheçam que negligenciaram os anseios das classes populares e as reformas da democracia liberal, da governança tecnocrática e da economia de mercado.

Se quiserem vencer os populistas radicais de direita e engajar os moderados em processo construtivos, a esquerda precisa acusar menos, a direita tradicional precisa se angustiar menos, e ambos precisam fazer mais política.

Desoneração e crescimento

Correio Braziliense

É de vital importância que a desoneração da folha de pagamento dos 17 setores da economia que mais empregam prevaleça pelo menos até 2027

Um país que ostenta quase 9 milhões de desempregados e tem uma parcela enorme de trabalhadores na informalidade não se pode dar ao luxo de incentivar demissões. Pois é exatamente o que está fazendo o governo federal ao vetar, integralmente, o projeto de lei que prorroga, até 2027, a desoneração da folha de pagamento dos 17 setores da economia que mais empregam. A decisão foi tomada na última quinta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a pedido do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que alega questões fiscais.

Nada pode ser mais prejudicial à economia brasileira do que o aumento do desemprego, que cravou 7,7% no trimestre encerrado em setembro, o nível mais baixo desde 2015, quando o país estava mergulhado em uma grave recessão. As estimativas apontam que, se o Congresso não derrubar o veto presidencial, o Brasil perderá ao menos 1 milhão de postos formais de trabalho e a massa salarial terá um tombo de R$ 33 bilhões. São números preocupantes para o ritmo da atividade, que começa a dar sinais de estagnação e pode mergulhar numa contração.

Todos os indicadores analisados referentes à desoneração dos 17 setores que mais empregam reforçam o benefício da medida. Entre 2018 e 2022, segundo o Caged, houve aumento de 15,5% nas vagas com carteira assinada nesses ramos, contra incremento de 6,8% dos segmentos que tiveram a reoneração da folha. A desoneração — que substitui o imposto de 20% sobre a folha de pagamento por uma alíquota de 1% a 4,5% da receita bruta — permitiu, ainda, o incremento dos investimentos, fundamentais para a reindustrialização do Brasil. As empresas beneficiadas passaram a competir de igual para igual com os importados.

Ao todo, setores como transportes, têxtil, calçados, construção civil, comunicação, call- center, fabricação de veículos e tecnologia, entre outros, empregam mais de 9 milhões de trabalhadores, que impulsionam o consumo e, consequentemente, a arrecadação. Com o aumento do desemprego, as famílias compram menos, a produção cai e as receitas com impostos desabam. Portanto, não é compreensível, do ponto de vista lógico, o governo, comandado por um ex-sindicalista, agir na direção contrária a medidas que mantêm a economia aquecida, o emprego em alta e os investimentos a todo vapor.

As centrais sindicais, inclusive, são favoráveis à manutenção da desoneração da folha de pagamento. Não é possível, no entender de empresários e trabalhadores, que o custo de contratação volte a representar 102% dos salários. Nenhuma empresa consegue se sustentar, por muito tempo, num ambiente hostil aos trabalhadores e à ampliação dos desembolsos para a compra de máquinas e equipamentos. Mantido o veto, os custos dos setores beneficiados vão triplicar e o Brasil conviverá com aumentos dos preços dos alimentos, da casa própria, das passagens de ônibus e de tantos outros produtos e serviços.

O Congresso, reforça o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, está atento ao estrago que o veto à desoneração pode fazer na economia. Ele reconhece que há espaço para que a decisão do presidente Lula seja revista ainda neste ano, para o bem dos setores que mais empregam. O ministro da Fazenda diz que há disposição do governo em negociar, inclusive com uma proposta alternativa a ser apresentada após o retorno de Lula da COP28, que será realizada nas duas primeiras semanas de dezembro, em Dubai. Ele, porém, não detalha o que pretende apresentar às empresas e aos trabalhadores que se veem ameaçados.

O ideal seria que todas as distorções dos impostos no Brasil fossem revistas na reforma tributária que está em andamento no Congresso. Infelizmente, os ajustes ficarão no meio do caminho. Sendo assim, é de vital importância que a desoneração prevaleça pelo menos até 2027, como foi decidido por ampla maioria da Câmara dos Deputados e do Senado. É questão de sobrevivência do setor produtivo, que tem dado grande contribuição e mostrado enorme resiliência para que a economia brasileira retome o caminho do crescimento sustentado. Não há espaço para retrocessos em conquistas tão importantes.

Nenhum comentário: