Valor Econômico
O problema é que não se sabe quando os
contribuintes utilizarão seus créditos nem em que quantidade
Do ponto de vista da equipe econômica, a
grande incerteza para as contas públicas em 2024 chama-se compensações
tributárias. Trata-se de um bolo de créditos estimado em R$ 150 bilhões que o
governo precisa pagar às empresas.
São direitos adquiridos pelos contribuintes
na Justiça, sobre tributos federais cobrados indevidamente, e que por isso
precisam ser devolvidos. Isso pode ser feito na forma de compensação, ou seja,
a empresa os desconta dos valores que tem a pagar à Receita Federal.
Nos últimos meses, o valor das compensações tem aumentado. Isso acendeu sinais de alerta no Ministério da Fazenda. Discute-se nos bastidores se há alguma forma de limitá-las ou mesmo de reabrir na Justiça a discussão que responde pelo maior volume de créditos: a exclusão do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo das contribuições PIS/Cofins.
Não há decisão tomada, segundo informou fonte
da área econômica. No entanto, a ideia é “lançar luz” sobre o problema.
Segundo dados da Receita, as compensações
tributárias em seu conjunto atingiram R$ 28,8 bilhões em outubro passado. É o
maior valor registrado nos últimos dois anos. De janeiro a outubro, a soma
chegou a R$ 207,4 bilhões, ante R$ 183,7 bilhões registrados em igual período
de 2022.
O problema, explicou um integrante da equipe
econômica, é que não se sabe quando os contribuintes utilizarão seus créditos.
Nem em que quantidade.
Assim, há uma enorme margem de erro para o
resultado fiscal do ano que vem.
As compensações não são novidade. A disputa
em torno da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, conhecida como
“tese do século”, foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017.
Mas, devido a embargos de declaração apresentados pela Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (PGFN), o julgamento só foi concluído em 2021.
Esse tema tem impactado mais fortemente a
arrecadação desde o ano passado, informou Maria Andréia dos Santos, sócia do
escritório Machado Associados. “Diversas empresas que já tinham habilitado seus
créditos antes [de 2021] porque suas ações já tinham transitado em julgado
refizeram os cálculos e gerou-se um volume muito maior de créditos
remanescentes a serem compensados”, informou.
Além disso, a PGFN vinha mantendo processos
em andamento, à espera da decisão do STF. Foram destravados em 2021.
Há, inclusive, uma nova etapa de
judicialização do tema, disse Santos. A Receita entende que o prazo para
utilização dos créditos é de cinco anos a contar do trânsito em julgado. Como a
compensação é limitada, algumas empresas não conseguirão usar todo o valor a
que têm direito. Algumas estão entrando na Justiça para, por exemplo, pleitear
que o prazo de cinco anos seja considerado para o início do uso do crédito, e
não seu esgotamento.
Para Mattheus Montenegro, sócio do Bichara
Advogados, não há espaço para o governo rediscutir a “tese do século”, uma
decisão transitada em julgado há seis anos.
O que a Receita tem feito para limitar as
compensações é aperfeiçoar os filtros para, por exemplo, evitar o uso de
créditos fraudulentos, informou o subsecretário de Arrecadação, Cadastros e
Atendimento, Mario Dehon.
Mesmo sem considerar essa grande incerteza, a
situação das contas públicas de 2024 está apertada, como se sabe. Se ainda há
chance de zerar o déficit, isso depende da aprovação da MP 1.185, das
subvenções. As grandes empresas, que estão contra a MP, intensificam pressões
sobre deputados e senadores.
O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) de 2024, deputado Danilo Forte (União-CE), acatou a tese da equipe
econômica sobre o piso de crescimento de 0,6% nas despesas. Com isso,
prevaleceu na prática a ideia de limitar o contingenciamento de despesas a R$
23 bilhões, ante os R$ 56 bilhões. Isso pode enfraquecer o ajuste.
Mesmo assim, um integrante da equipe
econômica vê essa solução como um fator de fortalecimento do arcabouço no médio
prazo, ao contrário do entendimento mais comum entre analistas de mercado. A
visão no Ministério da Fazenda é que pouco adiantaria adotar um tratamento
rígido, como no teto de gastos, e depois furá-lo. Na visão dessa fonte, melhor
é evitar estímulos à burla do limite de despesas do arcabouço.
Esse limite tem funcionado para alinhar
expectativas, segundo interpretação da Fazenda. As projeções de mercado para a
dívida não apontam para uma trajetória explosiva, e sim para um ajuste lento e
gradual.
Evidentemente, se o saldo positivo nas contas
públicas viesse antes, haveria mais espaço para reduzir juros e trazer à
economia os demais benefícios de um orçamento bem ajustado. Mas isso não parece
factível com a atual composição do governo e do Congresso, ainda mais
considerando que haverá eleições em outubro próximo.
O ex-ministro Moreira Franco, quando
pressionado sobre o andamento do programa de concessões, costumava dizer que
era preciso ir devagar para andar rápido. Gostando ou não, é assim que estamos.
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