quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Lu Aiko Otta - Compensações tributárias, a incerteza para 2024

Valor Econômico

O problema é que não se sabe quando os contribuintes utilizarão seus créditos nem em que quantidade

Do ponto de vista da equipe econômica, a grande incerteza para as contas públicas em 2024 chama-se compensações tributárias. Trata-se de um bolo de créditos estimado em R$ 150 bilhões que o governo precisa pagar às empresas.

São direitos adquiridos pelos contribuintes na Justiça, sobre tributos federais cobrados indevidamente, e que por isso precisam ser devolvidos. Isso pode ser feito na forma de compensação, ou seja, a empresa os desconta dos valores que tem a pagar à Receita Federal.

Nos últimos meses, o valor das compensações tem aumentado. Isso acendeu sinais de alerta no Ministério da Fazenda. Discute-se nos bastidores se há alguma forma de limitá-las ou mesmo de reabrir na Justiça a discussão que responde pelo maior volume de créditos: a exclusão do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo das contribuições PIS/Cofins.

Não há decisão tomada, segundo informou fonte da área econômica. No entanto, a ideia é “lançar luz” sobre o problema.

Segundo dados da Receita, as compensações tributárias em seu conjunto atingiram R$ 28,8 bilhões em outubro passado. É o maior valor registrado nos últimos dois anos. De janeiro a outubro, a soma chegou a R$ 207,4 bilhões, ante R$ 183,7 bilhões registrados em igual período de 2022.

O problema, explicou um integrante da equipe econômica, é que não se sabe quando os contribuintes utilizarão seus créditos. Nem em que quantidade.

Assim, há uma enorme margem de erro para o resultado fiscal do ano que vem.

As compensações não são novidade. A disputa em torno da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, conhecida como “tese do século”, foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017. Mas, devido a embargos de declaração apresentados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o julgamento só foi concluído em 2021.

Esse tema tem impactado mais fortemente a arrecadação desde o ano passado, informou Maria Andréia dos Santos, sócia do escritório Machado Associados. “Diversas empresas que já tinham habilitado seus créditos antes [de 2021] porque suas ações já tinham transitado em julgado refizeram os cálculos e gerou-se um volume muito maior de créditos remanescentes a serem compensados”, informou.

Além disso, a PGFN vinha mantendo processos em andamento, à espera da decisão do STF. Foram destravados em 2021.

Há, inclusive, uma nova etapa de judicialização do tema, disse Santos. A Receita entende que o prazo para utilização dos créditos é de cinco anos a contar do trânsito em julgado. Como a compensação é limitada, algumas empresas não conseguirão usar todo o valor a que têm direito. Algumas estão entrando na Justiça para, por exemplo, pleitear que o prazo de cinco anos seja considerado para o início do uso do crédito, e não seu esgotamento.

Para Mattheus Montenegro, sócio do Bichara Advogados, não há espaço para o governo rediscutir a “tese do século”, uma decisão transitada em julgado há seis anos.

O que a Receita tem feito para limitar as compensações é aperfeiçoar os filtros para, por exemplo, evitar o uso de créditos fraudulentos, informou o subsecretário de Arrecadação, Cadastros e Atendimento, Mario Dehon.

Mesmo sem considerar essa grande incerteza, a situação das contas públicas de 2024 está apertada, como se sabe. Se ainda há chance de zerar o déficit, isso depende da aprovação da MP 1.185, das subvenções. As grandes empresas, que estão contra a MP, intensificam pressões sobre deputados e senadores.

O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, deputado Danilo Forte (União-CE), acatou a tese da equipe econômica sobre o piso de crescimento de 0,6% nas despesas. Com isso, prevaleceu na prática a ideia de limitar o contingenciamento de despesas a R$ 23 bilhões, ante os R$ 56 bilhões. Isso pode enfraquecer o ajuste.

Mesmo assim, um integrante da equipe econômica vê essa solução como um fator de fortalecimento do arcabouço no médio prazo, ao contrário do entendimento mais comum entre analistas de mercado. A visão no Ministério da Fazenda é que pouco adiantaria adotar um tratamento rígido, como no teto de gastos, e depois furá-lo. Na visão dessa fonte, melhor é evitar estímulos à burla do limite de despesas do arcabouço.

Esse limite tem funcionado para alinhar expectativas, segundo interpretação da Fazenda. As projeções de mercado para a dívida não apontam para uma trajetória explosiva, e sim para um ajuste lento e gradual.

Evidentemente, se o saldo positivo nas contas públicas viesse antes, haveria mais espaço para reduzir juros e trazer à economia os demais benefícios de um orçamento bem ajustado. Mas isso não parece factível com a atual composição do governo e do Congresso, ainda mais considerando que haverá eleições em outubro próximo.

O ex-ministro Moreira Franco, quando pressionado sobre o andamento do programa de concessões, costumava dizer que era preciso ir devagar para andar rápido. Gostando ou não, é assim que estamos.

 

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