Fabio Victor / Folha de S. Paulo
Magistrado se diz muito feliz com Dino e
Gonet, mas afirma que ministro do STF não se mete em indicação
BRASÍLIA - O ministro Alexandre
de Moraes, do STF (Supremo
Tribunal Federal), criticou a chamada PEC
(proposta de emenda à Constituição) das decisões monocráticas, que limita a
atuação individual de magistrados desta e de outras cortes do país.
Em entrevista à Folha, Moraes defendeu a
importância das deliberações individuais para o sistema Judiciário, citando o
exemplo hipotético de uma medida provisória que permitisse a crianças a partir
de 12 anos comprar fuzis.
"Uma coisa é o relator dar a liminar:
suspende imediatamente e coloca para referendar. Mesmo que um ministro peça
vista, outro peça vista, nenhuma criança vai comprar a arma. Agora, se passa
essa PEC, o relator não pode suspender. Aí o relator coloca imediatamente com o
seu voto para derrubar a medida provisória. Um ministro pede vista, 90 dias.
Quando devolve, outro ministro pede vista, mais 90 dias. Nesses 180 dias,
quantas crianças de 12 anos vão comprar fuzis?", questionou.
Aprovada em novembro pelo Senado –e atualmente em tramitação na Câmara–, a PEC estabelece prazos para os pedidos de vista nos julgamentos colegiados do Poder Judiciário e determina que decisões individuais não podem suspender leis aprovadas no Congresso e outras casas legislativas e sancionadas pelo Executivo. Para isso ocorrer, apenas com decisão colegiada.
Só o presidente do STF ficaria autorizado a
dar decisões sozinho no período do recesso Judiciário. Ainda assim, seria
obrigado a colocar o tema em análise pelo plenário da corte em até 30 dias.
Hoje os ministros podem dar decisões
monocráticas sobre qualquer tema e anular por meio de liminares qualquer lei em
âmbito federal, estadual ou municipal. A decisão é incluída automaticamente na
pauta da próxima sessão virtual, segundo mudança no regimento do Supremo
consumada em 2022 sob a presidência da então ministra Rosa Weber.
"Com todo respeito àqueles que defendem,
é algo muito irreal. Porque acaba ferindo o próprio poder geral de cautela do
juiz. Nós já alteramos o nosso regimento para que toda liminar seja
imediatamente referendada pelo plenário. Aí sim, porque é um órgão colegiado. A
força do Supremo é a força do conjunto dos seus membros", disse Moraes.
O ministro ressaltou que a PEC não tem
relação com o 8
de Janeiro, "porque se prevê a necessidade de uma liminar colegiada
para afastar a constitucionalidade ou ainda para afastar atos da presidência
das Casas e do presidente da República", mas usou um exemplo daquele
episódio para descrever a importância do instituto da liminar no processo
judiciário.
"No caso de urgência, o relator dá a
liminar e aí imediatamente coloca para referendar. Como eu fiz no dia 8 de
janeiro, do dia 8 para o dia 9, eu determinei as medidas, e, no dia 9 para o
dia 10, o Supremo as referendou. Ora, imagine se não pudesse dar uma liminar,
vamos esperar o golpe se concretizar até o plenário. Isso não é Justiça, e eu
tenho certeza que o Congresso
Nacional vai saber analisar essas questões."
"O que nós queremos todos",
acrescentou, "nós e o Congresso, é que o posicionamento do Supremo seja
colegiado. Mas não podemos inverter a ordem natural das coisas".
Moraes reiterou seu apoio à delação do
tenente-coronel Mauro Cid fechada
pela Polícia Federal e relativizou a avaliação do procurador Carlos Frederico
Santos –coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos
da PGR (Procuradoria
Geral da República) e responsável pelas denúncias do 8/1– de que a peça é
fraca.
"A PF realizou a delação, os requisitos
legais todos estavam presentes, eu mesmo determinei que o meu juiz instrutor
fizesse audiência para saber da voluntariedade do delator em realmente realizar
aquela delação, a audiência foi gravada para garantir que ele não estava sendo
pressionado, e a partir daí ele vem apresentando as provas, como se faz em toda
delação", disse Moraes.
"O doutor Carlos Frederico disse isso
num primeiro momento, depois disse que lhe competia procurar provas que
corroborassem a delação. A delação é válida, o delator tem a obrigação legal de
apontar provas que confirmem a delação, sob pena de não ter efeito nenhum. Se o
delator não apontar provas, se não comprovar aquilo que disse, a sua delação
não terá efetividade. O Ministério
Público já pediu uma série de diligências para reforçar o que vem
escrito na delação e acredito que em pouco tempo esse inquérito já esteja
concluído."
Questionado se o ruído se deveu ao fato de a
delação ter sido fechada pela Polícia Federal e não pelo Ministério Público
Federal, Moraes declarou: "Há um problema mais corporativo do que
institucional na questão de quem pode realizar colaborações premiadas. Falo
isso com muita tranquilidade porque fui membro do Ministério Público, fui
promotor de Justiça de São Paulo por mais de dez anos, atuei também na
Secretaria de Segurança, então atuei junto às polícias e votei na decisão de
Supremo que, por 10 a 1, determinou que a polícia pode realizar [delações].
Então não é exclusividade do Ministério Público a realização da delação".
O magistrado considerou como "muito
bom até agora" o trabalho do procurador Carlos Frederico Santos, mas não
quis prever se ele será mantido na função após a troca de comando na PGR
(sai Augusto
Aras, assumirá Paulo Gonet).
"As denúncias foram oferecidas
rapidamente, ele fez essa investigação muito bem feita e continua na instrução
criminal em relação à atuação da Polícia Militar, vem investigando os
financiadores… É uma atuação profissional e competente. Agora, se ele deve ou
não ser mantido, aí depende do procurador-geral e eventualmente, se ele for
convidado, dele."
A propósito de Gonet, Moraes voltou a elogiar
as indicações do procurador para a PGR e de Flávio Dino para
o Supremo.
"Acho que são dois agentes públicos lato
sensu, de alto gabarito, tanto o professor Paulo Gonet quanto o Flávio Dino, eu
os conheço há muito tempo. Tenho uma amizade com o ministro Flávio Dino desde
2005, eu conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Flávio Dino
era juiz assessor do então presidente do CNJ, o ministro [Nelson] Jobim, então
de lá ficamos amigos, é uma pessoa extremamente preparada, séria, que transita
bem nos mundos jurídico e político, é importante essa experiência no Supremo",
disse.
"Da mesma forma o professor Paulo Gonet.
Por anos e anos participamos de congressos, fomos colegas em Ministério
Público, ele do Federal, eu do Estado de São Paulo, nós dois somos
constitucionalistas, escrevemos juntos e aqui no TSE trabalhou
comigo esse tempo todo."
Moraes minimizou a influência dele (e do ministro Gilmar Mendes) nas escolhas de Lula: "Eu realmente fiquei muito feliz com as indicações, mas as indicações são do presidente da República. Ministro do Supremo e presidente do TSE não se mete em indicação".
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