quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Nilson Teixeira* - Obstáculos no governo Lula

Valor Econômico

A reduzida influência do governo perante parte substancial de parlamentares tornou a negociação da reforma tributária mais suscetível à concessão de privilégios injustificáveis

O presidente Lula enfrentou um enorme desafio para formação de uma coalizão de apoio robusta no Congresso neste 1º ano do seu 3º mandato. Apesar de compreensível, a demora em ceder espaço na sua equipe ministerial e em estatais para grupos que apoiaram a campanha do ex-presidente Bolsonaro dificultou a construção dessa maioria.

Embora venha ocorrendo gradual incorporação de nomes indicados pelos partidos de centro, a coalizão formada é frágil. A aprovação das propostas do Executivo continua demandando árdua negociação com os parlamentares que exigem contrapartidas à cada etapa da negociação, mesmo com os seus partidos obtendo crescente representação nos ministérios e em estatais. O argumento dos membros desses partidos é sempre o mesmo: os indicados não os representam, e sim apenas ao pequeno grupo que o apoiou.

A reforma tributária, tida como prioritária pelo presidente Lula, padeceu desse obstáculo, com uma tramitação bastante morosa. A reduzida influência do governo perante parte substancial de parlamentares tornou a negociação mais suscetível à concessão de injustificáveis privilégios e à incorporação de isenções e de redutores da alíquota padrão para inúmeros setores, bem como permitiu a introdução de distorções inexistentes na proposta original - novos fundos e tributos para compensação a diversas regiões.

O atraso na aprovação de toda a reforma também se deve à divisão da tramitação em duas partes - primeiro os impostos sobre bens e serviços e, após sua aprovação, os tributos sobre a renda. Apesar de ser aceitável que essa forma facilitaria a aprovação da reforma, o processo gera um código tributário ineficiente, pois as decisões do Congresso a respeito da configuração dos impostos sobre bens e serviços ocorrem sem informações precisas acerca dos tributos sobre a renda - 2023 termina sem acordo sobre a tramitação e a redação desta 2ª parte. A calibração ótima fica mais comprometida com o esforço para aumento de parte dos impostos sobre a renda para acomodar a alta dos gastos públicos sem maior deterioração fiscal.

A opção do governo de elevar receitas para ampliar os gastos públicos não é boa. Seria mais adequado impor procedimentos eficazes para o uso dos recursos públicos, com maior fiscalização para atenuar os recorrentes malfeitos facilitados pela falta de controle, ou mesmo conivência, de alguns órgãos públicos. Nesse sentido, o governo ainda não foi capaz de eliminar programas e gastos ineficientes, apesar dos relatórios desabonadores do TCU sobre alguns programas.

Como resultado dessa dinâmica e apesar de declarações contrárias de representantes do governo, a carga tributária tende a aumentar com a implementação da reforma tributária para, nos próximos anos, cobrir o aumento de gastos, subsidiar setores privilegiados e custear os novos fundos regionais. O aumento da carga de impostos seria menos censurável se houvesse revisão das renúncias tributárias, com a eliminação dos privilégios que não trazem benefícios para os mais pobres nem elevam a produtividade no país.

Em termos de ajustes econômicos, a atual equipe falha ao desqualificar a proposta de reforma administrativa disponível no Congresso. A avaliação da estrutura de pessoal da União realizada em 2019 e 2020 poderia ser aprofundada com a inclusão de diagnóstico sobre os demais Poderes para permitir a incorporação à proposta existente de ajustes para todos os servidores federais. A reforma precisa eliminar vantagens injustificáveis do funcionalismo, em particular da elite do Judiciário, bem como impor limites rígidos à remuneração mensal dos servidores, vedando a incorporação aos salários de um sem-número de reembolsos e privilégios, alguns dos quais surpreendentemente isentos de Imposto de Renda.

Apesar de já ter se manifestado contra a privatização e a favor da reversão do controle privado de algumas empresas, o presidente Lula precisa ser convencido de que a ampliação do programa de desestatização e de venda de concessões é boa para o país. Essa mudança de foco contribuiria para ampliação do volume de recursos para ações que promovam redução da pobreza e melhoria das condições de vida da população mais vulnerável.

Decisões da Petrobras com base política e sem sustentação em um plano de negócios coerente - reversão da venda de refinarias e retorno ao varejo de combustíveis - embutem riscos para a empresa, bem como para o país ao prejudicar as condições de negócios e o risco jurisdicional. Do mesmo modo, a reversão da extinção da Ceitec é equivocada. Não cabe ao setor público produzir semicondutores. Seria mais apropriado ampliar as dotações para pesquisa na área, com eventual implementação de avanços tecnológicos sendo financiada por investidores privados, inclusive com possível aporte do BNDES.

O governo também perde tempo ao debater a adoção de medidas que comprovadamente fracassaram em outras ocasiões, como a concessão pelo BNDES de financiamentos subsidiados a setores específicos e a oferta por estatais de garantia de compra de bens a preços muito acima aos do mercado global. Nesse sentido, a venda de participações acionárias do BNDES em empresas já consolidadas e a limitação dos financiamentos às firmas capazes de captar recursos nos mercados doméstico e externo a taxas competitivas liberariam recursos adicionais para a concessão de empréstimos para pequenas e médias empresas inovadoras e com acesso restrito à captação de recursos.

Os péssimos resultados dos alunos do ensino básico nos testes educacionais, como o PISA, atestam as enormes dificuldades do país em evitar novo recuo do seu crescimento potencial. Apesar da atuação mais consciente do Ministério da Educação em 2023, é crucial ampliar a cobertura da educação infantil, promover a alfabetização na idade certa, estender o ensino em tempo integral para todas as escolas, implementar medidas para atenuar a defasagem de aprendizagem e adotar medidas de incentivo à retenção escolar. Esses são os principais desafios para os próximos anos.

Apesar das enormes dificuldades enfrentadas pelo país e da perda de foco no debate sobre iniciativas que não elevam a produtividade nem reduzem a pobreza, o governo Lula ainda tem 75% do seu 3º mandato para a introdução de políticas que possam garantir a melhoria dos fundamentos econômicos. Há tempo suficiente para promover os necessários ajustes.

*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia

 

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