Valor Econômico
A reduzida influência do governo perante
parte substancial de parlamentares tornou a negociação da reforma tributária
mais suscetível à concessão de privilégios injustificáveis
O presidente Lula enfrentou um enorme desafio
para formação de uma coalizão de apoio robusta no Congresso neste 1º ano do seu
3º mandato. Apesar de compreensível, a demora em ceder espaço na sua equipe
ministerial e em estatais para grupos que apoiaram a campanha do ex-presidente
Bolsonaro dificultou a construção dessa maioria.
Embora venha ocorrendo gradual incorporação de nomes indicados pelos partidos de centro, a coalizão formada é frágil. A aprovação das propostas do Executivo continua demandando árdua negociação com os parlamentares que exigem contrapartidas à cada etapa da negociação, mesmo com os seus partidos obtendo crescente representação nos ministérios e em estatais. O argumento dos membros desses partidos é sempre o mesmo: os indicados não os representam, e sim apenas ao pequeno grupo que o apoiou.
A reforma tributária, tida como prioritária
pelo presidente Lula, padeceu desse obstáculo, com uma tramitação bastante
morosa. A reduzida influência do governo perante parte substancial de
parlamentares tornou a negociação mais suscetível à concessão de injustificáveis
privilégios e à incorporação de isenções e de redutores da alíquota padrão para
inúmeros setores, bem como permitiu a introdução de distorções inexistentes na
proposta original - novos fundos e tributos para compensação a diversas regiões.
O atraso na aprovação de toda a reforma
também se deve à divisão da tramitação em duas partes - primeiro os impostos
sobre bens e serviços e, após sua aprovação, os tributos sobre a renda. Apesar
de ser aceitável que essa forma facilitaria a aprovação da reforma, o processo
gera um código tributário ineficiente, pois as decisões do Congresso a respeito
da configuração dos impostos sobre bens e serviços ocorrem sem informações
precisas acerca dos tributos sobre a renda - 2023 termina sem acordo sobre a tramitação
e a redação desta 2ª parte. A calibração ótima fica mais comprometida com o
esforço para aumento de parte dos impostos sobre a renda para acomodar a alta
dos gastos públicos sem maior deterioração fiscal.
A opção do governo de elevar receitas para
ampliar os gastos públicos não é boa. Seria mais adequado impor procedimentos
eficazes para o uso dos recursos públicos, com maior fiscalização para atenuar
os recorrentes malfeitos facilitados pela falta de controle, ou mesmo
conivência, de alguns órgãos públicos. Nesse sentido, o governo ainda não foi
capaz de eliminar programas e gastos ineficientes, apesar dos relatórios
desabonadores do TCU sobre alguns programas.
Como resultado dessa dinâmica e apesar de
declarações contrárias de representantes do governo, a carga tributária tende a
aumentar com a implementação da reforma tributária para, nos próximos anos,
cobrir o aumento de gastos, subsidiar setores privilegiados e custear os novos
fundos regionais. O aumento da carga de impostos seria menos censurável se
houvesse revisão das renúncias tributárias, com a eliminação dos privilégios
que não trazem benefícios para os mais pobres nem elevam a produtividade no país.
Em termos de ajustes econômicos, a atual
equipe falha ao desqualificar a proposta de reforma administrativa disponível
no Congresso. A avaliação da estrutura de pessoal da União realizada em 2019 e
2020 poderia ser aprofundada com a inclusão de diagnóstico sobre os demais
Poderes para permitir a incorporação à proposta existente de ajustes para todos
os servidores federais. A reforma precisa eliminar vantagens injustificáveis do
funcionalismo, em particular da elite do Judiciário, bem como impor limites rígidos
à remuneração mensal dos servidores, vedando a incorporação aos salários de um
sem-número de reembolsos e privilégios, alguns dos quais surpreendentemente
isentos de Imposto de Renda.
Apesar de já ter se manifestado contra a
privatização e a favor da reversão do controle privado de algumas empresas, o
presidente Lula precisa ser convencido de que a ampliação do programa de
desestatização e de venda de concessões é boa para o país. Essa mudança de foco
contribuiria para ampliação do volume de recursos para ações que promovam
redução da pobreza e melhoria das condições de vida da população mais
vulnerável.
Decisões da Petrobras com
base política e sem sustentação em um plano de negócios coerente - reversão da
venda de refinarias e retorno ao varejo de combustíveis - embutem riscos para a
empresa, bem como para o país ao prejudicar as condições de negócios e o risco
jurisdicional. Do mesmo modo, a reversão da extinção da Ceitec é equivocada.
Não cabe ao setor público produzir semicondutores. Seria mais apropriado
ampliar as dotações para pesquisa na área, com eventual implementação de
avanços tecnológicos sendo financiada por investidores privados, inclusive com
possível aporte do BNDES.
O governo também perde tempo ao debater a
adoção de medidas que comprovadamente fracassaram em outras ocasiões, como a
concessão pelo BNDES de financiamentos subsidiados a setores específicos e a
oferta por estatais de garantia de compra de bens a preços muito acima aos do
mercado global. Nesse sentido, a venda de participações acionárias do BNDES em
empresas já consolidadas e a limitação dos financiamentos às firmas capazes de
captar recursos nos mercados doméstico e externo a taxas competitivas liberariam
recursos adicionais para a concessão de empréstimos para pequenas e médias
empresas inovadoras e com acesso restrito à captação de recursos.
Os péssimos resultados dos alunos do ensino
básico nos testes educacionais, como o PISA, atestam as enormes dificuldades do
país em evitar novo recuo do seu crescimento potencial. Apesar da atuação mais
consciente do Ministério da Educação em 2023, é crucial ampliar a cobertura da
educação infantil, promover a alfabetização na idade certa, estender o ensino
em tempo integral para todas as escolas, implementar medidas para atenuar a
defasagem de aprendizagem e adotar medidas de incentivo à retenção escolar. Esses
são os principais desafios para os próximos anos.
Apesar das enormes dificuldades enfrentadas
pelo país e da perda de foco no debate sobre iniciativas que não elevam a
produtividade nem reduzem a pobreza, o governo Lula ainda tem 75% do seu 3º
mandato para a introdução de políticas que possam garantir a melhoria dos
fundamentos econômicos. Há tempo suficiente para promover os necessários
ajustes.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia
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