Folha de S. Paulo
Os radicais continuam na moda e nada indica
que deixarão de fazer sucesso
As vitórias de Javier Milei,
na Argentina,
e do partido de Geert Wilders, nos Países Baixos, só não são mais preocupantes
do que as sucessivas demonstrações de que Donald Trump pode
voltar ao poder nos Estados
Unidos, apesar de tudo o que aprontou na Presidência.
Os radicais, definitivamente, continuam na
moda e nada indica que deixarão de fazer sucesso nas passarelas eleitorais nas
próximas temporadas.
Isso deveria ser suficiente para desmentir a
hipótese de que uma conjunção rara de fatores excepcionais produziu o
surpreendente inverno democrático dos últimos anos. Que se tratou de uma
singularidade permitida por um vacilo das forças democráticas, mas que agora
que estamos vigilantes e não acontecerá de novo.
Ao que parece, não é bem assim, como tenho insistido ao longo das últimas semanas.
Abandonar a hipótese da excepcionalidade,
acredito, exigiria dos progressistas a revisão, quando não o descarte, de
crenças há muito sustentadas.
Primeiro, a convicção de que a educação,
entendida como escolarização, é uma barreira contra escolhas políticas
estúpidas e radicais. Basta ver as sondagens eleitorais em países que apostaram
em candidatos e partidos extremistas para notarmos que parte considerável dos
seus votos veio da fração da sociedade com mais anos de educação formal.
A espantosa figura do "médico
bolsonarista" já deveria ser suficiente para afastar essa tese e nos
obrigar a buscar outras explicações.
Aliás, um clássico do viés cognitivo da
autoestima exacerbada —o ego enhancement— consiste justamente em pensar que os
outros só votam diferentementemente de mim porque alguma coisa lhes falta.
O voto nordestino no PT já foi chamado de
"bovino" por Mainardi; o seguimento a Bolsonaro também. Jornais do
Sudeste já publicaram gráficos mostrando que IDH baixo era preditor do voto à
esquerda, enquanto três refeições ao dia e muito estudo na cabeça justificariam
o sofisticado voto de Higienópolis.
Contudo, se já representa um desafio
renunciar ao modelo que explica o voto contrastante com o meu através da
hipótese do déficit cognitivo ou moral, é ainda mais complicado conceber o
inverso. Ou seja, ponderar que o voto de quem estudou e tem os meios intelectuais
e recursos para estar bem informado, possa, afinal, ser tido como um voto
destituído de sabedoria, inconsequente e radical.
Segundo, há que ser reconsiderada a crença de
que uma população politizada tende a ser mais progressista e a tomar decisões
políticas mais razoáveis. Por politização se entende um interesse disseminado
em questões políticas, que deveria levar a um acompanhamento intenso do
noticiário e a um maior engajamento em discussões e atividades políticas.
Não conheço gente mais politizada do que
italianos e argentinos e não descarto a ideia de que justamente essa tal
politização esteja na raiz da preferência que vêm demonstrando por propostas e
candidatos singularmente radicais.
Terceiro, é preciso repensar a reconfortante
ideia de que nos jovens podemos depositar as esperanças de sociedades mais
progressistas e mais democráticas. Os jovens brasileiros, da primeira geração
em mais de um século que nunca havia experimentado viver sob um regime
autoritário, foram dos primeiros a se inscrever nos exércitos do bolsonarismo.
O "mileísmo" é marcadamente um
movimento de jovens das primeiras gerações da renascida democracia argentina.
Não há radicalismos políticos no mundo hoje sem a energia, a generosidade da
entrega e a inconsequência da juventude.
Aceitar a hipótese da normalização das
vitórias dos extremistas, além disso, exige entender como chegamos a isso.
Considero, por exemplo, que o
desaparecimento, como forças eleitorais significativas, do centro político e de
uma direita democrática são um sintoma de sociedades ávidas por conflito,
radicalismo e intolerância. Não foi por falta de oferta de posições e candidaturas
políticas moderadas que o centro praticamente desapareceu, mas por falta de
eleitores interessados em moderação.
Ao contrário do que pensa o míope militante
de esquerda, a existência da direita democrática evitava que conservadores e
darwinistas sociais escorressem para a extrema direita para satisfazer seus
interesses.
Quando o centro some e os eleitores da
direita democrática, com raízes no liberalismo, migram para alternativas
políticas que desconhecem os combinados da democracia —ou não se importam—, é
que a mesa está posta para desventuras radicais, cada vez mais presentes na
ordem do dia.
*Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"
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