terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Míriam Leitão - Haddad entre dois fogos

O Globo

Como o ministro terá força no Congresso se o próprio partido não apoia as medidas para chegar ao déficit zero?

O ministro Fernando Haddad está entre dois fogos, mas os problemas que ele enfrenta não são apenas dele. São do governo ou até da organização do Estado brasileiro. O Congresso tem avançado cada vez mais sobre os recursos e as prerrogativas do Executivo. A batalha se trava no orçamento e essa semana é decisiva. Outro problema é o seu campo interno. Parece que o ministro da Fazenda tem sempre que provar que seu projeto fiscal tem apoio do governo e do partido. No último fim de semana foi explicitado o que sempre se soube, parte do PT acha que está tudo bem se o déficit público primário for de 2% do PIB, porque acredita na tese de que isso induziria o crescimento econômico.

O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias dá um passo adiante numa caminhada perigosa que tem distorcido o equilíbrio entre os poderes. No fim do governo Michel Temer, o Congresso administrava R$ 13 bilhões. Hoje só de emendas obrigatórias são quase R$ 40 bilhões, e ainda têm as não impositivas que vão se tornando cada vez maiores. O relator da LDO, deputado Danilo Forte (União-CE), aumentou o valor das emendas, ameaçou criar novas rubricas, quer impor um calendário de liberação e ainda tenta determinar o que o governo pode contingenciar das receitas que administra.

É claro que o Legislativo não é o carimbador de orçamento como foi no passado não democrático, e pode ter emendas para os projetos em seus redutos. Só que os valores que essas emendas estão atingindo ferem o princípio da razoabilidade. Além disso, a execução orçamentária em qualquer país do mundo é prerrogativa do Executivo. A cada rodada anual de análise do orçamento exige-se nova fatia do bolo geral das despesas. Ainda que seja importante que os representantes briguem pelos interesses dos seus representados, essa entrega de parte cada vez maior do orçamento ao Congresso reduz a eficiência das políticas públicas, por tornar o uso dos recursos mais disperso e pulverizado. O fim do orçamento secreto não parou a sangria dos recursos orçamentários. Há ainda o absurdo e inaceitável elevação do fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para R$ 5 bilhões.

Outro fato da relação com o Congresso são as modificações que seriam normais não fosse a maneira como têm sido feitas em alguns projetos. O relator do PL 1185, o deputado Luiz Fernando Faria (PSD-MG), está aumentando os descontos para as grandes empresas, e reduzindo a força do projeto, sem apresentar as contas nas quais se baseia para fazer as escolhas que faz. Evidentemente não faz isso sozinho, porque não teria essa força. Tem apoio da presidência da Câmara. São 300 grandes empresas que deixarão de ter privilégios indevidos. Elas estendiam aos impostos federais subsídios recebidos nos estados nos gastos de custeio. O governo foi à Justiça, ganhou no Superior Tribunal de Justiça, preparou uma MP para regulamentar a forma correta de cobrar, tanto o passivo, quanto o tributo corrente, mas o projeto tem sido desidratado a cada semana.

Essa semana será decisiva na aprovação da MP 1185, da LDO, e de diversas outras propostas da agenda econômica. Exatamente antes de entrar em campo para essas decisões, o ministro enfrentou uma onda de críticas dentro do Partido dos Trabalhadores na reunião do fim de semana. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que por ela “faria um déficit de 1% a 2% do PIB”. O ministro teve que explicar fatos conhecidos da economia. “Não é verdade que o déficit faz crescer. Não é assim que funciona”. Como ele terá força para no Congresso dizer que precisa dessas medidas de aumento de arrecadação para atingir o déficit zero, se o partido do governo acha que nada disso é importante?

Essas mesmas ideias de que déficit leva a crescimento econômico e que é inofensivo do ponto de vista da dinâmica da economia, levaram o país ao desastre. O Brasil encolheu durante oito trimestres, como Alvaro Gribel lembrou em sua coluna de sábado. O país afundou em 2014 e viveu dois anos de recessão. E houve também o descontrole da inflação. Tudo isso exatamente como consequência da aplicação dessas mesmas equivocadas ideias econômicas. Mesmo quem ainda não se rendeu às evidências, deveria ter notado que nesse fim de ano legislativo, com tanta medida econômica do governo sob ataque, o ministro precisaria ser fortalecido. Não por ele. Pelo governo mesmo.

 

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