terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Dani Rodrik* - Melhor emprego, melhor desenvolvimento

Valor Econômico

A natureza do trabalho de alguém tem implicações muito além do orçamento

A economia convencional sempre teve um ponto cego quando se trata de empregos. É um problema que começa com Adam Smith, que pôs o consumidor, em vez do trabalhador, no trono da vida econômica. O que importa para o bem-estar, dizia ele, não é como ou o que produzimos, mas se podemos consumir nosso pacote preferido de bens e serviços.

Desde então, a economia moderna codificou essa abordagem capturando o bem-estar individual na forma de uma função de preferência definida em relação ao nosso pacote de consumo. Maximizamos a “utilidade” selecionando os bens e serviços que nos trazem mais satisfação. Embora cada consumidor também seja um trabalhador de algum tipo, os empregos entram na equação apenas de modo implícito através da renda que fornecem, determinando quanto dinheiro temos disponível para gastar em consumo.

No entanto, a natureza do trabalho de alguém tem implicações muito além do orçamento. Empregos são uma fonte de dignidade pessoal e reconhecimento social. Eles ajudam a definir quem somos, como contribuímos para a sociedade e a estima que a sociedade, por sua vez, nos confere. Sabemos que os empregos são importantes porque as pessoas que os perdem tendem a experimentar reduções grandes e persistentes na satisfação com a vida. O equivalente monetário de tais quedas é tipicamente um múltiplo da renda de uma pessoa, tornando a compensação por meio de transferências governamentais (como seguro-desemprego) inviável em termos práticos.

Num sentido mais amplo, os empregos são o cimento da vida social. Quando os empregos decentes da classe média desaparecem - devido à automação, ao comércio ou às políticas de austeridade - não há só efeitos econômicos diretos, mas também efeitos sociais e políticos de longo alcance. O crime aumenta, as famílias se separam, as taxas de vício e suicídio disparam e o apoio ao autoritarismo aumenta.

Quando economistas e formuladores de políticas pensam em justiça social, eles normalmente se concentram na variedade “distributiva” - quem recebe o quê? Contudo, como argumenta o filósofo político Michael J. Sandel, talvez um critério mais importante seja o da “justiça contributiva”, que se refere às oportunidades de ganhar o respeito social que vem com bons empregos e de “produzir o que os outros precisam e valorizam”.

Embora essas questões sejam tipicamente consideradas no contexto das economias desenvolvidas, elas são igualmente importantes para os países em desenvolvimento. Num país rico, um bom emprego pode ser definido como aquele que permite um caminho para os padrões de vida da classe média e que defende os direitos trabalhistas fundamentais, como condições de trabalho seguras, negociação coletiva e regulamentos contra demissões arbitrárias. Num país pobre, um bom emprego típico é aquele que simplesmente proporciona um padrão de vida mais elevado do que a agricultura de subsistência improdutiva e extenuante ou uma existência precária no setor informal.

De fato, as pessoas que passam de empregos ruins para empregos melhores resumem todo o processo de mudança estrutural que impulsiona o desenvolvimento econômico. Desbloquear esse processo de maneira rápida e sustentável é crucial, e a industrialização, historicamente, tem sido o principal motor para isso.

O problema agora é que as indústrias de fabricação não são mais os setores que absorviam mão de obra que foram no passado. Uma combinação de fatores - particularmente o aumento da intensidade de habilidades e capital dos métodos modernos de fabricação e a forte concorrência internacional para ingressar nas cadeias de valor globais - dificultou muito para as economias em desenvolvimento aumentar o emprego na produção formal. Mesmo os países com setores industriais fortes - para não falar da China - estão experimentando quedas na participação do setor produtivo como parte do emprego total.

Quando os empregos decentes da classe média desaparecem não há só efeitos econômicos diretos, mas também efeitos sociais e políticos de longo alcance; o crime aumenta, as famílias se separam, as taxas de vício e suicídio disparam e o apoio ao autoritarismo aumenta

A consequência inevitável dessas tendências é que a maior parte dos melhores empregos terá que ser gerada em serviços, tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos. Mas como a maioria dos serviços nos países em desenvolvimento é altamente improdutiva e informal, essa mudança representa um grande desafio. Para piorar, a maioria dos governos não está acostumada a pensar nos setores de serviços como motores de crescimento. As políticas de crescimento - sejam elas relacionadas a pesquisa e desenvolvimento, governança, regulamentação ou políticas industriais - em geral visam grandes empresas de fabricação que competem nos mercados mundiais.

Por mais difícil que seja, os governos devem aprender a aumentar a produtividade e o emprego simultaneamente nos setores de serviços intensivos em mão de obra. Isso significa adotar medidas com muitas das mesmas características da “política industrial moderna”, segundo a qual o Estado, em troca da criação de empregos, busca uma colaboração estreita e frequente com as empresas para remover obstáculos à sua expansão.

Já existem alguns exemplos desse modelo em todo o mundo. Pegue-se o caso da parceria do Estado indiano de Haryana (iniciada em 2018) com os serviços de transporte compartilhado Ola e Uber. Feita com o objetivo de aumentar o emprego dos jovens, facilitando a identificação e contratação de motoristas por essas empresas, essa parceria público-privada se baseia numa contrapartida clara. Haryana facilitou as regulamentações que dificultavam o crescimento dos serviços, compartilhou bancos de dados de jovens desempregados e realizou feiras de emprego exclusivas para as empresas, que por sua vez assumiram compromissos (brandos) de empregar um número significativo de jovens.

O acordo é dinâmico. Permitir que os termos se adaptem às circunstâncias em mutação ajuda a construir confiança mútua sem vincular as empresas a condicionalidades rígidas. Em menos de um ano, a parceria criou mais de 44 mil novos empregos para os jovens de Haryana.

Naturalmente, os serviços são uma mistura de diferentes atividades, com grande heterogeneidade no tamanho e na forma das empresas. Qualquer programa realista para expandir o emprego produtivo nos serviços terá que ser seletivo, com foco nas empresas e subsetores com maior chance de sucesso. Será necessário experimentar, e os governos locais - municípios e autoridades subnacionais - em geral estarão em melhor posição do que as autoridades nacionais para desenvolver programas-piloto.

Em última análise, o crescimento econômico e a equidade exigem uma abordagem de desenvolvimento centrada no emprego. Embora o crescimento econômico só seja possível se os trabalhadores se moverem em direção a empregos melhores e mais produtivos, a igualdade requer melhorias nas perspectivas de emprego para os trabalhadores na parte de baixo da distribuição de renda. Uma classe média crescente, por sua vez, impulsionará a demanda doméstica e reforçará a criação de empregos nos serviços.

Um modelo baseado em serviços não pode gerar o tipo de milagres de crescimento que a industrialização orientada para a exportação produziu no passado. Mas ainda pode levar a um crescimento de maior qualidade, com muito mais inclusão social e uma classe média mais ampla. (Tradução por Fabrício Calado Moreira)

*Dani Rodrik é professor de economia política internacional na Harvard Kennedy School, presidente da International Economic Association. Copyright: Project Syndicate, 2023.

 

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