quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Fim da ‘saidinha’ de presos corrige brecha na lei penal

O Globo

Apesar da derrota do governo, Lula não deveria vetar projeto caso ele seja referendado pela Câmara

O Senado aprovou na última terça-feira o Projeto de Lei (PL) que acaba com as “saidinhas” de presos da cadeia em feriados e datas comemorativas. A proposta, que tramitava havia 14 anos no Congresso, ainda voltará à Câmara para nova votação, pois o texto foi modificado pelos senadores. Mas não se espera resultado diferente. Além do consenso evidenciado pela maioria avassaladora — 62 votos a favor e apenas dois contra —, o governo, que se opõe ao PL, não conseguiu convencer sequer os senadores de sua base. O próprio líder governista, senador Jaques Wagner (PT-BA), decidiu liberar a bancada.

A aprovação do projeto traduz um sentimento que tem tomado conta da sociedade. Por mais bem-intencionada que seja a atual legislação penal, ela está repleta de brechas que precisam ser corrigidas, especialmente num momento de crise aguda na segurança pública.

O texto aprovado no Senado não é perfeito, mas é bem melhor que o anterior, que vetava toda saída temporária. Na versão atual, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator do projeto, acolheu emenda do senador Sergio Moro (União-PR) permitindo que presos possam sair para frequentar cursos supletivos profissionalizantes, de ensino médio ou superior. A emenda proíbe que o benefício seja dado a presos condenados por crime hediondo ou praticado com violência ou grave ameaça.

Embora os questionamentos à “saidinha” não sejam novos, eles ganharam força recentemente a partir de episódios que causaram indignação. Um deles foi o assassinato, em janeiro, do sargento da Polícia Militar Roger Dias da Cunha, de 29 anos, em Belo Horizonte. O policial foi baleado por um preso que havia deixado a cadeia durante a “saidinha” de Natal e estava foragido.

Os critérios para permitir as “saidinhas” foram postos em xeque também depois que 253 detentos de presídios do Rio aproveitaram o benefício concedido no último Natal para fugir. Entre eles, dois condenados por chefiar a maior facção criminosa do estado. Em todo o país, mais de 3 mil presos aproveitaram as “saidinhas” para fugir no ano passado, perto de 5% do total. Não é pouco. Tal dado mostra que os critérios adotados para conceder o benefício não vinham funcionando a contento.

Os defensores das “saidinhas” alegam que elas servem para ressocializar presos que em breve deixarão as cadeias. A legislação atual exige, entre outras coisas, bom comportamento e cumprimento de parte da pena. Mas essa situação ideal não existe. Na prática, a “saidinha” abriu uma brecha legal usada para a fuga, e raramente os fugitivos são recapturados.

Embora a aprovação do PL no Senado represente um revés para o governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deveria vetá-lo caso seja aprovado na Câmara. Ainda que imperfeito — exigências como a realização de exame criminológico e monitoramento eletrônico poderão se revelar impraticáveis diante dos recursos disponíveis —, ele fecha um buraco num sistema de execução penal bastante leniente.

Na falta de lei, STF deveria fixar tese sobre trabalho por aplicativo

O Globo

Decisão negando vínculo empregatício de plataformas com motoristas ou entregadores pode inspirar plenário

A discussão sobre relações trabalhistas entre plataformas digitais e motoristas ou entregadores que trabalham por aplicativo merece atenção redobrada do Supremo Tribunal Federal (STF). Até o momento, as ações envolvendo a questão foram julgadas no âmbito das turmas ou em decisões individuais, nem sempre respeitadas por tribunais inferiores. Apenas o pronunciamento do plenário será capaz de fixar um entendimento que reduza a incerteza jurídica em torno do tema. A oportunidade se apresenta com um dos casos envolvendo o aplicativo Uber diante da Corte, que poderá ter repercussão geral.

Na última terça-feira, a Primeira Turma apreciou um caso envolvendo o aplicativo Rappi e derrubou o vínculo empregatício entre a plataforma e um entregador, reconhecido por decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em decisão individual, o ministro Cristiano Zanin já afirmara que a “Justiça do Trabalho desconsiderou os aspectos jurídicos relacionados à questão, em especial os precedentes do Supremo Tribunal Federal que consagram a liberdade econômica, de organização das atividades produtivas e admitem outras formas de contratação de prestação de serviços”.

As relações entre trabalhadores e plataformas são um desafio global. A maioria das legislações mundo afora só reconhece dois tipos de trabalho: empregados e autônomos (os primeiros com bem mais direitos que os segundos). Confrontados com a rotina de muitos trabalhadores de plataformas, com jornadas extenuantes e pouca ou nenhuma proteção social, tribunais têm muitas vezes dado ganho de causa a quem defende haver vínculo empregatício. Mas essa ideia não resiste à realidade.

Pesquisa recente estimou o contingente de motoristas por aplicativo no Brasil em 1,3 milhão e o de entregadores em 385 mil. Quatro em dez motoristas e mais da metade dos entregadores afirmaram ter trabalhos alternativos, boa parte com carteira assinada. Portanto é descabida a ideia de que todos tenham dedicação exclusiva. Mesmo os 800 mil motoristas e 200 mil entregadores que dizem ter no trabalho por aplicativo a única atividade remunerada não preenchem os requisitos para reclamar vínculo empregatício. Metade desses motoristas diz ver como principal vantagem da atividade a flexibilidade, em razão da possibilidade de escolher dias e horários.

É verdade que cabe ao Congresso elaborar uma regulamentação equilibrada sobre o tema, garantindo aos trabalhadores por aplicativo direitos básicos, como acesso à Previdência Social. Infelizmente o grupo de trabalho criado pelo governo para elaborar um projeto preliminar ainda não chegou a consenso. Na falta de uma lei adequada, cabe à Justiça preencher o vácuo e a incerteza regulatória com decisões sensatas. Por isso o Supremo deveria estabelecer quanto antes uma tese geral sobre o tema, que fosse respeitada em todo o país. A decisão da Primeira Turma que negou vínculo empregatício ao entregador do Rappi pode ser uma inspiração.

Infraestrutura depende cada vez mais do setor privado

Valor Econômico

Percentual de investimentos em relação ao PIB ainda está bem distante dos 4% estimados como necessários para modernização da infraestrutura do país

Apesar de o governo Lula defender um Estado empresarial, indutor do crescimento, os investimentos públicos em infraestrutura diminuíram no ano passado, mesmo após o anúncio do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Além disso, as emendas parlamentares, das quais pouco ou nenhum controle se tem, abocanharam parte dos recursos destinados a investimentos federais, somando quase um terço do total, e prejudicando a qualidade dos gastos. Neste ano, os recursos públicos destinados a investimentos devem crescer um pouco, mas é a iniciativa privada que vai fazer a diferença mais uma vez.

Levantamento da consultoria Inter.B prevê aumento de 11% dos investimentos em infraestrutura neste ano, para R$ 215,8 bilhões, após R$ 194,45 bilhões em 2023, dos quais 65% são privados e 35% públicos, levando em conta os projetos de energia elétrica, saneamento, telecomunicações e transportes. Em relação ao PIB, passarão de 1,79% para 1,87%. O percentual está bem distante dos 4% estimados como necessários para a modernização da infraestrutura do país e que não é atingido desde o fim do século passado. A Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) tem uma estimativa um pouco maior e projeta gastos de R$ 235 bilhões, também com uma predominância do setor privado.

As restrições fiscais são a principal causa do reduzido volume de investimento público em infraestrutura, que foi de R$ 68,7 bilhões em 2022, caiu para R$ 64,7 bilhões no ano passado, mesmo com o novo PAC e a PEC da Transição, e pode subir a R$ 74 bilhões neste ano, segundo a Inter.B. A principal preocupação dos analistas é com as emendas parlamentares, que chegaram a representar 40% dos investimentos públicos no início da década e agora recuaram para pouco menos de um terço. As emendas são geralmente destinadas a áreas de influência dos parlamentares. Municípios sem representantes no Congresso ficam sem. São repassadas a empreendimentos pulverizados, desconectados dos projetos federais, que têm um foco mais amplo e visam a um plano nacional.

O transporte será o principal motor do investimento em infraestrutura neste ano, com R$ 75,3 bilhões, 12,1% acima de 2023, sendo R$ 47 bilhões para rodovias, segundo a Inter.B. O restante será dividido entre hidrovias, ferrovias, aeroportos e mobilidade urbana. Saneamento básico vem a seguir, com R$ 30,47 bilhões, um aumento de 24,16% em relação a 2023.

O governo conta com as concessões de infraestrutura previstas para sustentar o crescimento do PIB deste ano, já disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O PIB vem sendo revisto e pode crescer 2,5%, de acordo com algumas previsões mais otimistas.

Levantamento feito por O Globo (22/1) constatou que há pelo menos 56 leilões de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) federais e estaduais previstas para este ano, que deverão acarretar investimentos de pelo menos R$ 173 bilhões se for levado em consideração todo o período de execução das obras. Entre os destaques estão projetos nas áreas de saneamento, rodovias, arrendamentos portuários e linhas de transmissão de eletricidade.

Somente o Ministério dos Transportes prevê 13 leilões de concessões rodoviárias, com R$ 122 bilhões em investimentos estimados na implantação dos projetos. Em energia, a agenda inclui dois leilões para a concessão de 16 lotes de linhas de transmissão, com investimentos avaliados em R$ 24,7 bilhões. Doze projetos que estão sendo estruturados pelo BNDES vão a leilão, dos quais apenas três, do setor de saneamento, vão demandar R$ 18,3 bilhões, referentes às concessões de Porto Alegre (RS), 75 cidades de Sergipe e 48 municípios de Rondônia. Na área de energia, haverá duas licitações neste ano que implicam investimentos totais de R$ 24,7 bilhões.

O setor público vem agindo do lado do crédito, que teve papel forte nos investimentos em infraestrutura em governos anteriores do PT, mas com repercussões negativas nas contas públicas. Agora, houve redução nas medidas com juro subsidiado, embora a parcela destinada à inovação na nova política industrial se apoie nessa estratégia, algo a ser acompanhado com atenção. O BNDES aprovou R$ 57,4 bilhões em novos financiamentos para a infraestrutura no ano passado, com aumento de 24% em comparação com 2022, e liberou R$ 36,1 bilhões para projetos já aprovados, 27% a mais. Para 2024, a previsão é de expansão de 25% a 30% nos dois indicadores.

O setor de infraestrutura e o próprio BNDES vêm contando com a emissão das debêntures como fonte de financiamento. Aprovadas em janeiro, as debêntures de infraestrutura gozam de benefício fiscal que a empresa emissora poderá dividir com o investidor, e poderão ter correção cambial. A Abdib estima que devem movimentar R$ 150 bilhões nos próximos quatro anos.

A expansão do investimento em infraestrutura esbarra também em interferências políticas de setores do governo nas regras de concessões e privatizações, o que pode afastar o interesse do investidor. O marco legal do saneamento, por exemplo, é alvo de críticas desde a transição e já sofreu alterações favoráveis às companhias estaduais. Na área de portos, as privatizações ficaram em segundo plano, mas as concessões estão de pé. Diante das restrições fiscais para o Estado empresário e das demandas sociais, o governo precisa pôr o pé no chão.

Governo Netanyahu é obstáculo para a paz

Folha de S. Paulo

Ao prolongar guerra para adiar julgamento político, premiê põe reféns em risco, dizima civis e incita violência na região

A ideia de criar um Estado palestino que conviveria com Israel, a chamada solução de dois Estados, ainda é vista nos círculos diplomáticos como a mais viável para pacificar o Oriente Médio.

O governo de Binyamin Netanyahu, porém, é um obstáculo para esse arranjo. Por ora, o premiê israelense vem conseguindo se equilibrar entre posições inconciliáveis.

De um lado, está a opinião pública mundial, incluindo os EUA, que pressiona Israel para que aceite um cessar-fogo em Gaza, interrompendo a carnificina que já vitimou milhares de civis palestinos.

De outro, estão os membros mais extremistas do gabinete, que recusam qualquer trégua e nem sequer admitem que a ajuda humanitária que chega à região seja ampliada.

No meio dessa disputa, mais de uma centena de cidadãos israelenses ainda são reféns de terroristas.

As perspectivas mais realistas de libertação passam por uma negociação indireta, por meio de Qatar e Egito. A soltura se daria em troca do cessar-fogo e da libertação de prisioneiros palestinos de Israel.

As famílias dos reféns, que têm a simpatia de grande parte da opinião pública israelense, pressionam o governo a aceitar o plano. Mas a ala radical não apenas resiste como ameaça romper a coalizão se suas demandas não forem atendidas.

Netanyahu, cujo governo já vinha perdendo apoio popular antes do ataque de 7 de outubro, também será cobrado pelo fracasso de sua política de segurança, que mesmo com superioridade tecnológica não conseguiu conter o Hamas em Gaza, e dos serviços de inteligência, que não detectaram a ameaça.

Igualmente importante, parece não haver um plano coerente para Gaza após o fim do conflito.

A própria guerra tem permitido que Netanyahu drible momentaneamente essas contradições. Não é costumeiro, afinal, depor o comandante no meio da batalha. Por saber disso, o primeiro-minstro pode estar prologando as ações militares, com o objetivo de adiar o acerto de contas político.

Estender a duração da guerra, entretanto, aumenta o risco de escalada de violência no Oriente Médio sem impedir o julgamento futuro do atual governo.

De acordo com uma pesquisa de janeiro, apenas 15% da população quer que Netanyahu continue no comando do país após a cessação das operações militares.

Ao que tudo indica, em algum momento não muito longínquo os israelenses serão chamados mais uma vez às urnas. O brutal ciclo de violência na região evidencia que não haverá paz duradoura sem a solução dos dois Estados.

Saída à direita

Folha de S. Paulo

Votação acachapante contra benefício a presos mostra governo acuado no debate

A votação pelo Senado do projeto de lei que cerceia as saídas temporárias de presos mostrou o governo petista e a esquerda, mais uma vez, mal posicionados no debate nacional sobre segurança pública.

Assim o demonstra o placar acachapante a favor do texto, tornado bandeira conservadora e relatado por ninguém menos que Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Foram 62 votos a 2 e uma abstenção —porque parte dos senadores do PT e outros críticos da proposta nem mesmo se animaram a deixar seus nomes na relação dos contrários.

A abstenção coube ao líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), que viu partidos de oposição e situação orientarem o apoio ao projeto, agora destinado a nova votação na Câmara dos Deputados. Em caso de aprovação definitiva, há dúvida se Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estará disposto a contrariar o Congresso com um veto.

Está-se diante de uma resposta simplória, entre muitas, ao sem dúvida gravíssimo problema da criminalidade no país. As normas da saída temporária podem ser aperfeiçoadas, mas o sucesso do discurso populista levou o Senado a ratificar uma restrição draconiana.

Fica ameaçado um instrumento importante para a ressocialização de detentos com bom comportamento e o manejo de presídios não raro superlotados. O texto em tramitação permite o benefício apenas em casos de estudo e trabalho.

A oposição à popular saidinha tem como argumento principal o fato de que uma parcela dos presos beneficiados costuma não retornar ao sistema —cerca de 5%, tomando por base números do último Natal. Um desses casos resultou na morte trágica de um policial militar em Belo Horizonte.

A abordagem linha-dura também ganhou força com o recente e inédito episódio de fuga de dois detentos em uma penitenciária federal de segurança máxima, poucos dias depois da posse do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.

A direita, não é de hoje, tomou a dianteira desse debate com propostas populistas como armar os cidadãos, estimular a truculência policial e endurecer penas. Falta o contraponto, que não pode ser meramente ideológico, mas baseado em estudos e evidências.

Banho de sangue na Baixada Santista

O Estado de S. Paulo

Se a operação para vingar a morte de 3 policiais tinha como objetivo matar o maior número de pessoas, é um sucesso; se ideia era pegar os assassinos e melhorar a segurança, é um fracasso

Desde o fim de julho de 2023, quando a Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo deflagrou a chamada Operação Escudo na Baixada Santista, cerca de 60 pessoas foram mortas por intervenção policial na região. Está-se diante da mais sangrenta ação da Polícia Militar (PM) paulista em mais de três décadas. E o número de suspeitos mortos pela PM pode ser maior, haja vista que o governo Tarcísio de Freitas tem tratado com pouca transparência essas ocorrências, particularmente o secretário estadual de Segurança Pública, Guilherme Derrite. Ademais, o ardil de alguns maus policiais – que destroem câmeras de vigilância nas ruas, deixam de usar as bodycams ou desativam os equipamentos durante as incursões – dificulta a devida investigação das circunstâncias das mortes provocadas pelos agentes do Estado.

A violência policial na Baixada Santista, sobretudo nas cidades de Santos e Guarujá, recrudesceu após a morte em serviço do soldado Patrick Bastos Reis, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), no dia 27 de julho de 2023. Na primeira fase, digamos assim, da Operação Escudo, entre os dias 28 de julho e 9 de setembro do ano passado, 28 pessoas foram mortas pela PM naqueles municípios. Neste ano, após a morte de mais dois policiais na região, o secretário Derrite ampliou o escopo da chamada Operação Verão, que tradicionalmente reforça o policiamento no litoral paulista durante o período de férias, para tentar capturar os criminosos que mataram os agentes.

Nessa espécie de segunda fase da Operação Escudo, iniciada em fins de janeiro, já se contabilizam mais de 30 mortes por intervenção policial. Ou seja, em 2024, a PM paulista precisou de bem menos tempo para matar ainda mais suspeitos de terem atacado os policiais na Baixada Santista – e sem obter resultados concretos, pois os autores dos homicídios dos policiais ainda não foram identificados nem capturados.

A matança promovida pela PM no litoral paulista motivou o procuradorgeral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, a criar uma equipe de trabalho para “acompanhar a situação emergencial na Baixada Santista e assegurar a efetividade do controle externo da atividade policial”. A resolução de Sarrubbo está amparada por uma normativa do Conselho Superior do Ministério Público que autoriza a criação de forças-tarefa desse tipo com o propósito de investigar crimes que envolvam letalidade e vitimização policiais. Sarrubbo justificou a criação do grupo de trabalho no Ministério Público de São Paulo (MP-SP) tendo em vista o assassinato dos três agentes públicos e a “quantidade expressiva de ocorrências” decorrentes de atuação policial.

Tem razão o chefe do MP-SP, que em breve assumirá o cargo de secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça. De fato, há algo muito errado em uma intervenção policial contínua, a despeito dos diferentes nomes que essas incursões da PM na Baixada Santista possam ter, que termina com um número tão alto de mortes. Volume de sangue derramado não é indicador de sucesso de atividade policial. Não em um país civilizado. Decerto esse resultado pode excitar os que veem os policiais como agentes armados autorizados a praticar qualquer barbaridade supostamente em defesa da lei e da ordem. Mas o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Portanto, seus agentes armados não têm licença para agir por vingança, a pretexto do que quer que seja. Uma força policial que age à margem da lei nada mais é que uma milícia armada sem controle do Estado. Nesse sentido, cabe perguntar: até quando o governador Tarcísio de Freitas permitirá que uma parte da polícia sob seu comando siga movida a desforra?

Como em qualquer área da administração pública, as políticas públicas voltadas ao combate à criminalidade devem ser técnicas, no sentido de estarem consubstanciadas por evidências e ações de inteligência, e rigorosamente legais. O Estado, como detentor do monopólio da violência, não é vingador. Os policiais que são treinados e armados em seu nome para agir de acordo com as leis, mas delas se desviam, deixam de ser policiais e passam a ser bandidos.

O passeio de Lula na África

O Estado de S. Paulo

É desanimador que, desde os anos 70, o País siga desperdiçando negócios de amplo interesse nacional na África; em recente visita, Lula provou que de lá quer só o eco a suas ambições internacionais

O presidente Lula da Silva não mencionou a palavra “comércio” ao discursar aos líderes da União Africana reunidos na Etiópia, no último dia 17. Preferiu fazer um chamado para a organização integrar o G20, presidido pelo Brasil neste ano sob o pilar do combate à fome, e atraí-los para os objetivos da agenda de transição energética e digital do Sul Global. O ativismo pela mudança da ordem mundial prevaleceu, em sua fala, sobre o melhor interesse nacional no aprofundamento da relação econômico-comercial entre os dois lados do Atlântico. Embarcou para o Egito e a Etiópia sem entender o atual contexto africano e seu potencial. De lá, retornou sem ter apresentado um plano estratégico – nem ao mesmo um esboço sobre como retomar a intensidade que o comércio Brasil-África um dia já teve.

O Brasil visivelmente perdeu terreno no outro lado do Atlântico, depois do impulso nos dois primeiros mandatos de Lula da Silva. Se em 2012 as exportações brasileiras para a África representaram 5% do total de embarques do País, em 2023 houve recuo para 3,9%. Na outra mão não foi diferente. A participação de bens africanos no total importado pelo País minguou em 2,5 pontos porcentuais. Com ambos os protagonistas mais interessados em atender à demanda da China, o intercâmbio comercial não chegou a US$ 25 bilhões no ano passado. Lula provou estar ciente do declínio do comércio Brasil-África – ou não teria mencionado à imprensa, ainda em Adis Abeba, a queda substancial nas trocas de bens brasileiros com a Nigéria. Mas, diante do quadro desalentador, repetiu sua velha panaceia: transformar os poucos diplomatas brasileiros no continente em mascates.

Com todas as suas mazelas e conflitos, a população, a economia e a renda da África crescem, ao contrário de outras regiões do globo, e contribuem para que, até 2030, o consumo aumente em US$ 3 trilhões no continente, segundo estudo da consultoria McKinsey. O impulso econômico da região na última década foi alavancado, sobretudo, por investimentos da China. Embora tardia, atualmente há convicção na maioria das nações africanas que a parceria com Pequim não passava de uma armadilha. Resultou na dívida total de US$ 170,1 bilhões de 49 dos 54 países da região, cobrada com métodos de agiotagem, na alta dependência do comércio chinês e no risco de inadimplência.

Tal contexto abre uma nova dimensão para a aproximação do Brasil com a África que, aparentemente, Lula da Silva não parece enxergar. Não se trata de despejar nos países africanos volumes de investimentos públicos que o Brasil mal consegue destinar a seus setores. Basta ao governo readequar seus instrumentos de soft power, aproveitar políticas públicas já existentes, como os incentivos da Nova Indústria Brasil, e reestruturar as redes de financiamento e de seguro para alavancar a presença do empresariado nacional na África com menores riscos. Essencialmente, é preciso estimular o setor privado, ausente na comitiva presidencial no Egito e na Etiópia, a prospectar negócios e estabelecer elos por suas próprias pernas.

Os acordos assinados pelo governo brasileiro com o Egito e a Etiópia evidenciaram sua incapacidade de avaliar o potencial econômico-comercial da África nas próximas décadas e de oferecer o que já está à disposição. A cooperação em educação, agricultura, ciência e tecnologia e saúde obviamente tem seu valor na estratégia política e pode desdobrar-se em futuros negócios, mas nada que se compare aos resultados de uma consistente ofensiva comercial.

É desanimador observar que, desde os anos 1970, o Brasil tenha desperdiçado parcerias longevas e com alto potencial de atender aos interesses nacionais na África para lá buscar apenas o eco a suas ambições na seara política global. Lula da Silva apostou em demasia no seu carisma, um elemento importante nas suas visitas do passado ao continente, e em propostas retóricas e sem fundamento. Esqueceu-se de que a África não é mais a mesma de 20 anos atrás – isto é, não será o mesmo peão de sua ambição internacional nem cativa de sua retórica terceiromundista.

Danos colaterais

O Estado de S. Paulo

Fundos de pensão da Petrobras e da Caixa reforçam ação da PGR contra decisão de Dias Toffoli

Os fundos de pensão Petros, da Petrobras, e Funcef, da Caixa, entraram com recurso judicial contra a suspensão do pagamento da multa bilionária do acordo de leniência da J&F, decidida pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). Quando fechou o acordo com o Ministério Público Federal, em 2017, a J&F concordou com o ressarcimento de R$ 10,3 bilhões, ao longo de 25 anos, como indenização pelas irregularidades nas quais admitiu participação. Como era previsível, os mencionados fundos sofreram o baque da decisão monocrática de Toffoli, que na prática transfere às vítimas da corrupção o prejuízo que deveria ser assumido pelas empresas que confessaram ilícitos em contratos com a administração pública.

Petros e Funcef estão entre os principais investidores institucionais do País. Ao lado da Previ, caixa de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, participam de inúmeros projetos, em especial aqueles com retorno a longo prazo, justamente para garantir, no futuro, o pagamento de benefícios a seus participantes. Depois do rombo provocado pelas falcatruas descobertas em operações como a Lava Jato, aposentados e pensionistas desses fundos começaram a sentir no bolso o estrago.

Recente reportagem do Estadão mostrou que, para reduzir o prejuízo, o desconto sobre os benefícios dos aposentados da Petrobras chega a 34%. Na Caixa, esse desconto é de 19%.

Em janeiro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, já havia apresentado recurso contra a decisão de Toffoli, anunciada no mês anterior, às vésperas do recesso do Judiciário. Atendendo a um pedido dos irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores do frigorífico JBS, uma das empresas do Grupo J&F, o ministro do STF suspendeu a multa, alegando “dúvida razoável” sobre a voluntariedade do acordo.

Isso apesar das provas, documentos, depoimentos e indícios recolhidos pela própria J&F nas negociações com a Justiça. E desconsiderando todo o material coletado em quatro investigações da Polícia Federal – Greenfield, Sépsis, Cui Bono e Carne Fraca. Tão espantosa quanto a decisão isolada de Toffoli é o fato de o STF ainda não ter submetido à avaliação de todo o colegiado matéria de tamanha relevância.

A decisão de Toffoli parece se enquadrar no recente cavalo de pau do Supremo Tribunal Federal em relação a quase tudo o que a Lava Jato produziu, seja contra políticos, seja contra empresas. Depois de anos gozando de respaldo no STF, com direito a discursos indignados contra a corrupção, a Lava Jato tornou-se subitamente sinônimo de perseguição política, percepção que vem justificando a reversão de punições a empresas envolvidas em grossos escândalos.

A sustação das multas, porém, não tem o condão de zerar o prejuízo que, é bom frisar, não é apenas dos investidores que custearam empreendimentos embrulhados em corrupção. Tampouco apenas das empresas que tiveram seu caixa saqueado. A dívida é com toda a sociedade. E tem de ser paga.

Crime se abate com inteligência

Correio Braziliense

O aumento ou a redução das penas, com mais ou menos rigor, pode ser medida importante, mas não estabelece uma condição primordial para conter a criminalidade existente no país

Por 62 votos a 2, o Senado Federal aprovou projeto de lei que aumenta as restrições à saída de detentos em regime semiaberto, que seguem podendo estudar e trabalhar e, ao fim do dia, voltam ao presídio para dormir. Anteriormente, qualquer presidiário, que conseguisse a progressão para esse regime, poderia usufruir do benefício, por bom comportamento, de passar as festas tradicionais com a família. Essas regalias passam a ser negadas aos autores de crimes hediondos ou apenados por violência ou grave ameaça.

As mudanças na lei dependem, agora, de nova apreciação pela Câmara dos Deputados e, finalmente, da sanção ou veto do presidente da República. Elas atendem parcialmente o anseio de grande parte da sociedade, contrária às saidinhas dos presidiários em datas festivas ao longo do ano, como Natal, Páscoa, Dias dos Pais e das Mães. As ressalvas aos que trabalham ou estudam em regime semiaberto decorreram da pressão de instituições, que apostam na ressocialização de criminosos.

O Brasil tem a segunda maior população carcerária do mundo. São mais de 832 mil detentos. A maioria deles (68,2%) é negra, na faixa etária de 18 a 29 anos (43%)— (68,2% — é , sendo que 43% estão na faixa etária de 18 a 29 anos. Quase 662 presidiários foram condenados, e cerca de 211 mil estão na condição de presos provisórios — ou seja, a cada quatro pessoas, uma não foi julgada, mas teve o encarceramento determinado pela Justiça brasileira.

As condições dos presídios são extremamente precárias. As unidades prisionais estão superlotadas, o que favorece a transmissão de doenças, atos de violência, rebeliões e formação de facções criminosas. A insalubridade das prisões faz com que o detento tenha 30 vezes mais possibilidades de contrair tuberculose do que qualquer outra pessoa. Raros são os programas de ressocialização de autores de crimes de baixo potencial de violência e de réus ou detentos primários, que acabam sendo presas fáceis de cooptação

Meses atrás, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, reconheceu que o sistema carcerário do país carece de uma política de Estado. Hoje, ele e vários especialistas argumentam que os presídios estão suscetíveis às influências das organizações criminosas. Para o ministro, é necessário rever a realidade do sistema e estabelecer intervenções, que eliminem as condições de cooptação dos presos pelo crime organizado e contribuam para a recuperação dos presos, antes de serem libertados.

O aumento ou a redução das penas, com mais ou menos rigor, pode ser medida importante, mas não estabelece uma condição primordial para conter a criminalidade existente no país. Hoje, o país demanda políticas de segurança pública que desmontem o crime organizado, impedindo-o de se infiltrar nas estruturas de Estado e nos mais diferentes segmentos privados. A real mudança passa por mais educação, mais saúde e melhores condições de vida aos menos favorecidos. Impõe-se uma formação mais adequada das forças policiais, táticas inteligentes e asfixia das facções que dominam as cidades.

 

 

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