Fim da ‘saidinha’ de presos corrige brecha na lei penal
O Globo
Apesar da derrota do governo, Lula não
deveria vetar projeto caso ele seja referendado pela Câmara
O Senado
aprovou na última terça-feira o Projeto de Lei (PL) que acaba com as
“saidinhas” de presos da cadeia em feriados e datas
comemorativas. A proposta, que tramitava havia 14 anos no Congresso, ainda
voltará à Câmara para nova votação, pois o texto foi modificado pelos
senadores. Mas não se espera resultado diferente. Além do consenso evidenciado
pela maioria avassaladora — 62 votos a favor e apenas dois contra —, o governo,
que se opõe ao PL, não conseguiu convencer sequer os senadores de sua base. O
próprio líder governista, senador Jaques Wagner (PT-BA), decidiu liberar a
bancada.
A aprovação do projeto traduz um sentimento que tem tomado conta da sociedade. Por mais bem-intencionada que seja a atual legislação penal, ela está repleta de brechas que precisam ser corrigidas, especialmente num momento de crise aguda na segurança pública.
O texto aprovado no Senado não é perfeito,
mas é bem melhor que o anterior, que vetava toda saída temporária. Na versão
atual, o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), relator do projeto, acolheu emenda do
senador Sergio Moro (União-PR)
permitindo que presos possam sair para frequentar cursos supletivos
profissionalizantes, de ensino médio ou superior. A emenda proíbe que o
benefício seja dado a presos condenados por crime hediondo ou praticado
com violência ou
grave ameaça.
Embora os questionamentos à “saidinha” não
sejam novos, eles ganharam força recentemente a partir de episódios que
causaram indignação. Um deles foi o assassinato, em janeiro, do sargento da
Polícia Militar Roger Dias da Cunha, de 29 anos, em Belo Horizonte. O policial
foi baleado por um preso que havia deixado a cadeia durante a “saidinha” de
Natal e estava foragido.
Os critérios para permitir as “saidinhas”
foram postos em xeque também depois que 253 detentos de presídios do Rio
aproveitaram o benefício concedido no último Natal para fugir. Entre eles, dois
condenados por chefiar a maior facção criminosa do estado. Em todo o país, mais
de 3 mil presos aproveitaram as “saidinhas” para fugir no ano passado, perto de
5% do total. Não é pouco. Tal dado mostra que os critérios adotados para
conceder o benefício não vinham funcionando a contento.
Os defensores das “saidinhas” alegam que elas
servem para ressocializar presos que em breve deixarão as cadeias. A legislação
atual exige, entre outras coisas, bom comportamento e cumprimento de parte da
pena. Mas essa situação ideal não existe. Na prática, a “saidinha” abriu uma
brecha legal usada para a fuga, e raramente os fugitivos são recapturados.
Embora a aprovação do PL no Senado represente
um revés para o governo, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva não deveria vetá-lo caso seja aprovado na Câmara. Ainda que imperfeito —
exigências como a realização de exame criminológico e monitoramento eletrônico
poderão se revelar impraticáveis diante dos recursos disponíveis —, ele fecha
um buraco num sistema de execução penal bastante leniente.
Na falta de lei, STF deveria fixar tese sobre
trabalho por aplicativo
O Globo
Decisão negando vínculo empregatício de
plataformas com motoristas ou entregadores pode inspirar plenário
A discussão sobre relações trabalhistas entre
plataformas digitais e motoristas ou entregadores que trabalham por aplicativo
merece atenção redobrada do Supremo Tribunal Federal (STF).
Até o momento, as ações envolvendo a questão foram julgadas no âmbito das
turmas ou em decisões individuais, nem sempre respeitadas por tribunais
inferiores. Apenas o pronunciamento do plenário será capaz de fixar um
entendimento que reduza a incerteza jurídica em torno do tema. A oportunidade
se apresenta com um dos casos envolvendo o aplicativo Uber diante da Corte, que
poderá ter repercussão geral.
Na última terça-feira, a Primeira Turma
apreciou um caso envolvendo o aplicativo Rappi e derrubou o vínculo
empregatício entre a plataforma e um entregador, reconhecido por decisão do
Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em decisão individual, o ministro
Cristiano Zanin já afirmara que a “Justiça do Trabalho desconsiderou os
aspectos jurídicos relacionados à questão, em especial os precedentes do
Supremo Tribunal Federal que consagram a liberdade econômica, de organização
das atividades produtivas e admitem outras formas de contratação de prestação
de serviços”.
As relações entre trabalhadores e plataformas
são um desafio global. A maioria das legislações mundo afora só reconhece dois
tipos de trabalho: empregados e autônomos (os primeiros com bem mais direitos
que os segundos). Confrontados com a rotina de muitos trabalhadores de
plataformas, com jornadas extenuantes e pouca ou nenhuma proteção social,
tribunais têm muitas vezes dado ganho de causa a quem defende haver vínculo
empregatício. Mas essa ideia não resiste à realidade.
Pesquisa recente estimou o contingente de
motoristas por aplicativo no Brasil em 1,3 milhão e o de entregadores em 385
mil. Quatro em dez motoristas e mais da metade dos entregadores afirmaram ter
trabalhos alternativos, boa parte com carteira assinada. Portanto é descabida a
ideia de que todos tenham dedicação exclusiva. Mesmo os 800 mil motoristas e
200 mil entregadores que dizem ter no trabalho por aplicativo a única atividade
remunerada não preenchem os requisitos para reclamar vínculo empregatício. Metade
desses motoristas diz ver como principal vantagem da atividade a flexibilidade,
em razão da possibilidade de escolher dias e horários.
É verdade que cabe ao Congresso elaborar uma
regulamentação equilibrada sobre o tema, garantindo aos trabalhadores por
aplicativo direitos básicos, como acesso à Previdência Social. Infelizmente o
grupo de trabalho criado pelo governo para elaborar um projeto preliminar ainda
não chegou a consenso. Na falta de uma lei adequada, cabe à Justiça preencher o
vácuo e a incerteza regulatória com decisões sensatas. Por isso o Supremo
deveria estabelecer quanto antes uma tese geral sobre o tema, que fosse respeitada
em todo o país. A decisão da Primeira Turma que negou vínculo empregatício ao
entregador do Rappi pode ser uma inspiração.
Infraestrutura depende cada vez mais do setor
privado
Valor Econômico
Percentual de investimentos em relação ao PIB ainda está bem distante dos 4% estimados como necessários para modernização da infraestrutura do país
Apesar de o governo Lula defender um Estado
empresarial, indutor do crescimento, os investimentos públicos em
infraestrutura diminuíram no ano passado, mesmo após o anúncio do Novo Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC). Além disso, as emendas parlamentares, das
quais pouco ou nenhum controle se tem, abocanharam parte dos recursos
destinados a investimentos federais, somando quase um terço do total, e
prejudicando a qualidade dos gastos. Neste ano, os recursos públicos destinados
a investimentos devem crescer um pouco, mas é a iniciativa privada que vai
fazer a diferença mais uma vez.
Levantamento da consultoria Inter.B prevê
aumento de 11% dos investimentos em infraestrutura neste ano, para R$ 215,8
bilhões, após R$ 194,45 bilhões em 2023, dos quais 65% são privados e 35%
públicos, levando em conta os projetos de energia elétrica, saneamento,
telecomunicações e transportes. Em relação ao PIB, passarão de 1,79% para
1,87%. O percentual está bem distante dos 4% estimados como necessários para a
modernização da infraestrutura do país e que não é atingido desde o fim do
século passado. A Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base
(Abdib) tem uma estimativa um pouco maior e projeta gastos de R$ 235 bilhões,
também com uma predominância do setor privado.
As restrições fiscais são a principal causa
do reduzido volume de investimento público em infraestrutura, que foi de R$
68,7 bilhões em 2022, caiu para R$ 64,7 bilhões no ano passado, mesmo com o
novo PAC e a PEC da Transição, e pode subir a R$ 74 bilhões neste ano, segundo
a Inter.B. A principal preocupação dos analistas é com as emendas
parlamentares, que chegaram a representar 40% dos investimentos públicos no
início da década e agora recuaram para pouco menos de um terço. As emendas são
geralmente destinadas a áreas de influência dos parlamentares. Municípios sem
representantes no Congresso ficam sem. São repassadas a empreendimentos
pulverizados, desconectados dos projetos federais, que têm um foco mais amplo e
visam a um plano nacional.
O transporte será o principal motor do
investimento em infraestrutura neste ano, com R$ 75,3 bilhões, 12,1% acima de
2023, sendo R$ 47 bilhões para rodovias, segundo a Inter.B. O restante será
dividido entre hidrovias, ferrovias, aeroportos e mobilidade urbana. Saneamento
básico vem a seguir, com R$ 30,47 bilhões, um aumento de 24,16% em relação a
2023.
O governo conta com as concessões de
infraestrutura previstas para sustentar o crescimento do PIB deste ano, já
disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O PIB vem sendo revisto e pode
crescer 2,5%, de acordo com algumas previsões mais otimistas.
Levantamento feito por O Globo (22/1)
constatou que há pelo menos 56 leilões de concessões e parcerias
público-privadas (PPPs) federais e estaduais previstas para este ano, que
deverão acarretar investimentos de pelo menos R$ 173 bilhões se for levado em
consideração todo o período de execução das obras. Entre os destaques estão
projetos nas áreas de saneamento, rodovias, arrendamentos portuários e linhas
de transmissão de eletricidade.
Somente o Ministério dos Transportes prevê 13
leilões de concessões rodoviárias, com R$ 122 bilhões em investimentos
estimados na implantação dos projetos. Em energia, a agenda inclui dois leilões
para a concessão de 16 lotes de linhas de transmissão, com investimentos
avaliados em R$ 24,7 bilhões. Doze projetos que estão sendo estruturados pelo
BNDES vão a leilão, dos quais apenas três, do setor de saneamento, vão demandar
R$ 18,3 bilhões, referentes às concessões de Porto Alegre (RS), 75 cidades de
Sergipe e 48 municípios de Rondônia. Na área de energia, haverá duas licitações
neste ano que implicam investimentos totais de R$ 24,7 bilhões.
O setor público vem agindo do lado do
crédito, que teve papel forte nos investimentos em infraestrutura em governos
anteriores do PT, mas com repercussões negativas nas contas públicas. Agora,
houve redução nas medidas com juro subsidiado, embora a parcela destinada à
inovação na nova política industrial se apoie nessa estratégia, algo a ser
acompanhado com atenção. O BNDES aprovou R$ 57,4 bilhões em novos
financiamentos para a infraestrutura no ano passado, com aumento de 24% em
comparação com 2022, e liberou R$ 36,1 bilhões para projetos já aprovados, 27%
a mais. Para 2024, a previsão é de expansão de 25% a 30% nos dois indicadores.
O setor de infraestrutura e o próprio BNDES
vêm contando com a emissão das debêntures como fonte de financiamento.
Aprovadas em janeiro, as debêntures de infraestrutura gozam de benefício fiscal
que a empresa emissora poderá dividir com o investidor, e poderão ter correção
cambial. A Abdib estima que devem movimentar R$ 150 bilhões nos próximos quatro
anos.
A expansão do investimento em infraestrutura esbarra também em interferências políticas de setores do governo nas regras de concessões e privatizações, o que pode afastar o interesse do investidor. O marco legal do saneamento, por exemplo, é alvo de críticas desde a transição e já sofreu alterações favoráveis às companhias estaduais. Na área de portos, as privatizações ficaram em segundo plano, mas as concessões estão de pé. Diante das restrições fiscais para o Estado empresário e das demandas sociais, o governo precisa pôr o pé no chão.
Governo Netanyahu é obstáculo para a paz
Folha de S. Paulo
Ao prolongar guerra para adiar julgamento
político, premiê põe reféns em risco, dizima civis e incita violência na região
A ideia de criar um
Estado palestino que conviveria com Israel, a chamada solução de
dois Estados, ainda é vista nos círculos diplomáticos como a mais viável para
pacificar o Oriente Médio.
O governo de Binyamin Netanyahu, porém, é um
obstáculo para esse arranjo. Por ora, o premiê israelense vem conseguindo se
equilibrar entre posições inconciliáveis.
De um lado, está a opinião pública mundial,
incluindo os EUA, que pressiona Israel para que aceite um cessar-fogo em Gaza,
interrompendo a carnificina que já vitimou milhares de civis palestinos.
De outro, estão os membros mais extremistas
do gabinete, que recusam qualquer trégua e nem sequer admitem que a ajuda
humanitária que chega à região seja ampliada.
No meio dessa disputa, mais de uma
centena de cidadãos israelenses ainda são reféns de terroristas.
As perspectivas mais realistas de libertação
passam por uma negociação indireta, por meio de Qatar e Egito. A soltura se
daria em troca do cessar-fogo e da libertação de prisioneiros palestinos de
Israel.
As famílias dos reféns, que têm a simpatia de
grande parte da opinião pública israelense, pressionam o governo a aceitar o
plano. Mas a ala radical não apenas resiste como ameaça romper a coalizão se
suas demandas não forem atendidas.
Netanyahu, cujo governo já vinha perdendo
apoio popular antes do ataque de 7 de outubro, também será cobrado pelo
fracasso de sua política de segurança, que mesmo com superioridade tecnológica
não conseguiu conter o Hamas em Gaza, e dos serviços de inteligência, que não
detectaram a ameaça.
Igualmente importante, parece não haver um
plano coerente para Gaza após o fim do conflito.
A própria guerra tem permitido que Netanyahu
drible momentaneamente essas contradições. Não é costumeiro, afinal, depor o
comandante no meio da batalha. Por saber disso, o primeiro-minstro pode estar
prologando as ações militares, com o objetivo de adiar o acerto de contas
político.
Estender a duração da guerra,
entretanto, aumenta o
risco de escalada de violência no Oriente Médio sem impedir o
julgamento futuro do atual governo.
De acordo com uma pesquisa de janeiro, apenas
15% da população quer que Netanyahu continue no comando do país após a cessação
das operações militares.
Ao que tudo indica, em algum momento não
muito longínquo os israelenses serão chamados mais uma vez às urnas. O brutal
ciclo de violência na região evidencia que não haverá paz duradoura sem a
solução dos dois Estados.
Saída à direita
Folha de S. Paulo
Votação acachapante contra benefício a presos
mostra governo acuado no debate
A votação pelo Senado do projeto de lei que
cerceia as saídas temporárias de presos mostrou o governo petista e a esquerda,
mais uma vez, mal posicionados no debate nacional sobre segurança pública.
Assim o
demonstra o placar acachapante a favor do texto, tornado bandeira
conservadora e relatado por ninguém menos que Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Foram
62 votos a 2 e uma abstenção —porque parte dos senadores do PT e outros
críticos da proposta nem mesmo se animaram a deixar seus nomes na relação dos
contrários.
A abstenção coube ao líder do governo no
Senado, Jaques Wagner (PT-BA), que viu partidos de oposição e situação
orientarem o apoio ao projeto, agora destinado a nova votação na Câmara dos
Deputados. Em caso de aprovação definitiva, há dúvida se Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) estará disposto a contrariar o Congresso com um veto.
Está-se diante de uma resposta simplória,
entre muitas, ao sem dúvida gravíssimo problema da criminalidade no país. As normas da
saída temporária podem ser aperfeiçoadas, mas o sucesso do discurso
populista levou o Senado a ratificar uma restrição draconiana.
Fica ameaçado um instrumento importante para
a ressocialização de detentos com bom comportamento e o manejo de presídios não
raro superlotados. O texto em tramitação permite o benefício apenas em casos de
estudo e trabalho.
A oposição à popular saidinha tem como
argumento principal o fato de que uma parcela dos presos beneficiados costuma
não retornar ao sistema —cerca de 5%, tomando por base números do último Natal.
Um desses casos resultou na morte trágica de um policial militar em Belo
Horizonte.
A abordagem linha-dura também ganhou força
com o recente e inédito episódio de fuga de dois detentos em uma penitenciária
federal de segurança máxima, poucos dias depois da posse do ministro da Justiça
e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.
A direita, não é de hoje, tomou a dianteira desse debate com propostas populistas como armar os cidadãos, estimular a truculência policial e endurecer penas. Falta o contraponto, que não pode ser meramente ideológico, mas baseado em estudos e evidências.
Banho de sangue na Baixada Santista
O Estado de S. Paulo
Se a operação para vingar a morte de 3
policiais tinha como objetivo matar o maior número de pessoas, é um sucesso; se
ideia era pegar os assassinos e melhorar a segurança, é um fracasso
Desde o fim de julho de 2023, quando a
Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo deflagrou a chamada
Operação Escudo na Baixada Santista, cerca de 60 pessoas foram mortas por
intervenção policial na região. Está-se diante da mais sangrenta ação da
Polícia Militar (PM) paulista em mais de três décadas. E o número de suspeitos
mortos pela PM pode ser maior, haja vista que o governo Tarcísio de Freitas tem
tratado com pouca transparência essas ocorrências, particularmente o secretário
estadual de Segurança Pública, Guilherme Derrite. Ademais, o ardil de alguns
maus policiais – que destroem câmeras de vigilância nas ruas, deixam de usar as
bodycams ou desativam os equipamentos durante as incursões – dificulta a devida
investigação das circunstâncias das mortes provocadas pelos agentes do Estado.
A violência policial na Baixada Santista,
sobretudo nas cidades de Santos e Guarujá, recrudesceu após a morte em serviço
do soldado Patrick Bastos Reis, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota),
no dia 27 de julho de 2023. Na primeira fase, digamos assim, da Operação
Escudo, entre os dias 28 de julho e 9 de setembro do ano passado, 28 pessoas
foram mortas pela PM naqueles municípios. Neste ano, após a morte de mais dois
policiais na região, o secretário Derrite ampliou o escopo da chamada Operação Verão,
que tradicionalmente reforça o policiamento no litoral paulista durante o
período de férias, para tentar capturar os criminosos que mataram os agentes.
Nessa espécie de segunda fase da Operação
Escudo, iniciada em fins de janeiro, já se contabilizam mais de 30 mortes por
intervenção policial. Ou seja, em 2024, a PM paulista precisou de bem menos
tempo para matar ainda mais suspeitos de terem atacado os policiais na Baixada
Santista – e sem obter resultados concretos, pois os autores dos homicídios dos
policiais ainda não foram identificados nem capturados.
A matança promovida pela PM no litoral
paulista motivou o procuradorgeral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz
Sarrubbo, a criar uma equipe de trabalho para “acompanhar a situação
emergencial na Baixada Santista e assegurar a efetividade do controle externo
da atividade policial”. A resolução de Sarrubbo está amparada por uma normativa
do Conselho Superior do Ministério Público que autoriza a criação de
forças-tarefa desse tipo com o propósito de investigar crimes que envolvam
letalidade e vitimização policiais. Sarrubbo justificou a criação do grupo de
trabalho no Ministério Público de São Paulo (MP-SP) tendo em vista o
assassinato dos três agentes públicos e a “quantidade expressiva de
ocorrências” decorrentes de atuação policial.
Tem razão o chefe do MP-SP, que em breve
assumirá o cargo de secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça.
De fato, há algo muito errado em uma intervenção policial contínua, a despeito
dos diferentes nomes que essas incursões da PM na Baixada Santista possam ter,
que termina com um número tão alto de mortes. Volume de sangue derramado não é
indicador de sucesso de atividade policial. Não em um país civilizado. Decerto
esse resultado pode excitar os que veem os policiais como agentes armados autorizados
a praticar qualquer barbaridade supostamente em defesa da lei e da ordem. Mas o
Brasil é um Estado Democrático de Direito. Portanto, seus agentes armados não
têm licença para agir por vingança, a pretexto do que quer que seja. Uma força
policial que age à margem da lei nada mais é que uma milícia armada sem
controle do Estado. Nesse sentido, cabe perguntar: até quando o governador
Tarcísio de Freitas permitirá que uma parte da polícia sob seu comando siga
movida a desforra?
Como em qualquer área da administração
pública, as políticas públicas voltadas ao combate à criminalidade devem ser
técnicas, no sentido de estarem consubstanciadas por evidências e ações de
inteligência, e rigorosamente legais. O Estado, como detentor do monopólio da
violência, não é vingador. Os policiais que são treinados e armados em seu nome
para agir de acordo com as leis, mas delas se desviam, deixam de ser policiais
e passam a ser bandidos.
O passeio de Lula na África
O Estado de S. Paulo
É desanimador que, desde os anos 70, o País
siga desperdiçando negócios de amplo interesse nacional na África; em recente
visita, Lula provou que de lá quer só o eco a suas ambições internacionais
O presidente Lula da Silva não mencionou a
palavra “comércio” ao discursar aos líderes da União Africana reunidos na
Etiópia, no último dia 17. Preferiu fazer um chamado para a organização
integrar o G20, presidido pelo Brasil neste ano sob o pilar do combate à fome,
e atraí-los para os objetivos da agenda de transição energética e digital do
Sul Global. O ativismo pela mudança da ordem mundial prevaleceu, em sua fala,
sobre o melhor interesse nacional no aprofundamento da relação
econômico-comercial entre os dois lados do Atlântico. Embarcou para o Egito e a
Etiópia sem entender o atual contexto africano e seu potencial. De lá, retornou
sem ter apresentado um plano estratégico – nem ao mesmo um esboço sobre como
retomar a intensidade que o comércio Brasil-África um dia já teve.
O Brasil visivelmente perdeu terreno no outro
lado do Atlântico, depois do impulso nos dois primeiros mandatos de Lula da
Silva. Se em 2012 as exportações brasileiras para a África representaram 5% do
total de embarques do País, em 2023 houve recuo para 3,9%. Na outra mão não foi
diferente. A participação de bens africanos no total importado pelo País
minguou em 2,5 pontos porcentuais. Com ambos os protagonistas mais interessados
em atender à demanda da China, o intercâmbio comercial não chegou a US$ 25 bilhões
no ano passado. Lula provou estar ciente do declínio do comércio Brasil-África
– ou não teria mencionado à imprensa, ainda em Adis Abeba, a queda substancial
nas trocas de bens brasileiros com a Nigéria. Mas, diante do quadro
desalentador, repetiu sua velha panaceia: transformar os poucos diplomatas
brasileiros no continente em mascates.
Com todas as suas mazelas e conflitos, a
população, a economia e a renda da África crescem, ao contrário de outras
regiões do globo, e contribuem para que, até 2030, o consumo aumente em US$ 3
trilhões no continente, segundo estudo da consultoria McKinsey. O impulso
econômico da região na última década foi alavancado, sobretudo, por
investimentos da China. Embora tardia, atualmente há convicção na maioria das
nações africanas que a parceria com Pequim não passava de uma armadilha.
Resultou na dívida total de US$ 170,1 bilhões de 49 dos 54 países da região,
cobrada com métodos de agiotagem, na alta dependência do comércio chinês e no
risco de inadimplência.
Tal contexto abre uma nova dimensão para a
aproximação do Brasil com a África que, aparentemente, Lula da Silva não parece
enxergar. Não se trata de despejar nos países africanos volumes de
investimentos públicos que o Brasil mal consegue destinar a seus setores. Basta
ao governo readequar seus instrumentos de soft power, aproveitar políticas
públicas já existentes, como os incentivos da Nova Indústria Brasil, e
reestruturar as redes de financiamento e de seguro para alavancar a presença do
empresariado nacional na África com menores riscos. Essencialmente, é preciso
estimular o setor privado, ausente na comitiva presidencial no Egito e na
Etiópia, a prospectar negócios e estabelecer elos por suas próprias pernas.
Os acordos assinados pelo governo brasileiro
com o Egito e a Etiópia evidenciaram sua incapacidade de avaliar o potencial
econômico-comercial da África nas próximas décadas e de oferecer o que já está
à disposição. A cooperação em educação, agricultura, ciência e tecnologia e
saúde obviamente tem seu valor na estratégia política e pode desdobrar-se em
futuros negócios, mas nada que se compare aos resultados de uma consistente
ofensiva comercial.
É desanimador observar que, desde os anos
1970, o Brasil tenha desperdiçado parcerias longevas e com alto potencial de
atender aos interesses nacionais na África para lá buscar apenas o eco a suas
ambições na seara política global. Lula da Silva apostou em demasia no seu
carisma, um elemento importante nas suas visitas do passado ao continente, e em
propostas retóricas e sem fundamento. Esqueceu-se de que a África não é mais a
mesma de 20 anos atrás – isto é, não será o mesmo peão de sua ambição internacional
nem cativa de sua retórica terceiromundista.
Danos colaterais
O Estado de S. Paulo
Fundos de pensão da Petrobras e da Caixa
reforçam ação da PGR contra decisão de Dias Toffoli
Os fundos de pensão Petros, da Petrobras, e
Funcef, da Caixa, entraram com recurso judicial contra a suspensão do pagamento
da multa bilionária do acordo de leniência da J&F, decidida pelo ministro
Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). Quando fechou o acordo com o
Ministério Público Federal, em 2017, a J&F concordou com o ressarcimento de
R$ 10,3 bilhões, ao longo de 25 anos, como indenização pelas irregularidades
nas quais admitiu participação. Como era previsível, os mencionados fundos
sofreram o baque da decisão monocrática de Toffoli, que na prática transfere às
vítimas da corrupção o prejuízo que deveria ser assumido pelas empresas que
confessaram ilícitos em contratos com a administração pública.
Petros e Funcef estão entre os principais
investidores institucionais do País. Ao lado da Previ, caixa de previdência dos
funcionários do Banco do Brasil, participam de inúmeros projetos, em especial
aqueles com retorno a longo prazo, justamente para garantir, no futuro, o
pagamento de benefícios a seus participantes. Depois do rombo provocado pelas
falcatruas descobertas em operações como a Lava Jato, aposentados e
pensionistas desses fundos começaram a sentir no bolso o estrago.
Recente reportagem do Estadão mostrou que,
para reduzir o prejuízo, o desconto sobre os benefícios dos aposentados da
Petrobras chega a 34%. Na Caixa, esse desconto é de 19%.
Em janeiro, o procurador-geral da República,
Paulo Gonet, já havia apresentado recurso contra a decisão de Toffoli,
anunciada no mês anterior, às vésperas do recesso do Judiciário. Atendendo a um
pedido dos irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores do frigorífico JBS,
uma das empresas do Grupo J&F, o ministro do STF suspendeu a multa,
alegando “dúvida razoável” sobre a voluntariedade do acordo.
Isso apesar das provas, documentos,
depoimentos e indícios recolhidos pela própria J&F nas negociações com a
Justiça. E desconsiderando todo o material coletado em quatro investigações da
Polícia Federal – Greenfield, Sépsis, Cui Bono e Carne Fraca. Tão espantosa
quanto a decisão isolada de Toffoli é o fato de o STF ainda não ter submetido à
avaliação de todo o colegiado matéria de tamanha relevância.
A decisão de Toffoli parece se enquadrar no
recente cavalo de pau do Supremo Tribunal Federal em relação a quase tudo o que
a Lava Jato produziu, seja contra políticos, seja contra empresas. Depois de
anos gozando de respaldo no STF, com direito a discursos indignados contra a
corrupção, a Lava Jato tornou-se subitamente sinônimo de perseguição política,
percepção que vem justificando a reversão de punições a empresas envolvidas em
grossos escândalos.
A sustação das multas, porém, não tem o condão de zerar o prejuízo que, é bom frisar, não é apenas dos investidores que custearam empreendimentos embrulhados em corrupção. Tampouco apenas das empresas que tiveram seu caixa saqueado. A dívida é com toda a sociedade. E tem de ser paga.
Crime se abate com inteligência
Correio Braziliense
O aumento ou a redução das penas, com mais ou
menos rigor, pode ser medida importante, mas não estabelece uma condição
primordial para conter a criminalidade existente no país
Por 62 votos a 2, o Senado Federal aprovou
projeto de lei que aumenta as restrições à saída de detentos em regime
semiaberto, que seguem podendo estudar e trabalhar e, ao fim do dia, voltam ao
presídio para dormir. Anteriormente, qualquer presidiário, que conseguisse a
progressão para esse regime, poderia usufruir do benefício, por bom
comportamento, de passar as festas tradicionais com a família. Essas regalias
passam a ser negadas aos autores de crimes hediondos ou apenados por violência
ou grave ameaça.
As mudanças na lei dependem, agora, de nova
apreciação pela Câmara dos Deputados e, finalmente, da sanção ou veto do
presidente da República. Elas atendem parcialmente o anseio de grande parte da
sociedade, contrária às saidinhas dos presidiários em datas festivas ao longo
do ano, como Natal, Páscoa, Dias dos Pais e das Mães. As ressalvas aos que
trabalham ou estudam em regime semiaberto decorreram da pressão de
instituições, que apostam na ressocialização de criminosos.
O Brasil tem a segunda maior população
carcerária do mundo. São mais de 832 mil detentos. A maioria deles (68,2%) é
negra, na faixa etária de 18 a 29 anos (43%)— (68,2% — é , sendo que 43% estão
na faixa etária de 18 a 29 anos. Quase 662 presidiários foram condenados, e
cerca de 211 mil estão na condição de presos provisórios — ou seja, a cada
quatro pessoas, uma não foi julgada, mas teve o encarceramento determinado pela
Justiça brasileira.
As condições dos presídios são extremamente
precárias. As unidades prisionais estão superlotadas, o que favorece a
transmissão de doenças, atos de violência, rebeliões e formação de facções
criminosas. A insalubridade das prisões faz com que o detento tenha 30 vezes
mais possibilidades de contrair tuberculose do que qualquer outra pessoa. Raros
são os programas de ressocialização de autores de crimes de baixo potencial de
violência e de réus ou detentos primários, que acabam sendo presas fáceis de
cooptação
Meses atrás, o ministro dos Direitos Humanos
e Cidadania, Silvio Almeida, reconheceu que o sistema carcerário do país carece
de uma política de Estado. Hoje, ele e vários especialistas argumentam que os
presídios estão suscetíveis às influências das organizações criminosas. Para o
ministro, é necessário rever a realidade do sistema e estabelecer intervenções,
que eliminem as condições de cooptação dos presos pelo crime organizado e
contribuam para a recuperação dos presos, antes de serem libertados.
O aumento ou a redução das penas, com mais ou
menos rigor, pode ser medida importante, mas não estabelece uma condição
primordial para conter a criminalidade existente no país. Hoje, o país demanda
políticas de segurança pública que desmontem o crime organizado, impedindo-o de
se infiltrar nas estruturas de Estado e nos mais diferentes segmentos privados.
A real mudança passa por mais educação, mais saúde e melhores condições de vida
aos menos favorecidos. Impõe-se uma formação mais adequada das forças policiais,
táticas inteligentes e asfixia das facções que dominam as cidades.
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