É hora de recobrar um clima de normalidade
O Globo
Musk não pode ignorar ordens judiciais, mas
reação do STF deve evitar voluntarismos
Elon Musk foi
irresponsável ao se recusar a cumprir ordens da Justiça brasileira para remover
posts e contas da rede social X (ex-Twitter),
sob a alegação de preservar a liberdade de expressão. Em reação, o
ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
o incluiu na investigação sobre milícias digitais e impôs multa a cada ordem
descumprida.
É evidente que, como qualquer empresa que atua no Brasil, o X tem de seguir as leis e determinações da Justiça brasileira. E, no que diz respeito à liberdade de expressão, elas são mais restritivas que as americanas. Em particular, há salvaguardas para preservar as instituições. A Constituição protege todo tipo de discurso, mesmo o antidemocrático, mas há limites. A legislação eleitoral e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) coibiram teorias conspiratórias sobre as urnas eletrônicas ou fantasias sobre o resultado da eleição de 2022. Conclamar e tramar golpes de Estado representa afronta à Lei do Estado Democrático de Direito. O Marco Civil da Internet também impõe outras restrições necessárias.
Foi com base nesse arcabouço jurídico que o
Supremo bloqueou contas e suspendeu postagens na campanha eleitoral e nas
investigações sobre o 8 de Janeiro, a maior ameaça recente à democracia
brasileira. “Algum endurecimento da Justiça foi necessário para conter as ações
antidemocráticas”, diz Pablo Ortellado, professor da USP e colunista do GLOBO.
Mas isso não significa que todas as decisões do STF tenham sido ou sejam
razoáveis. “O 8 de Janeiro aconteceu há mais de um ano e as suspensões de conta
permanecem, sem boa justificativa.”
Felizmente, graças em grande parte ao
Supremo, a democracia não está mais sob ameaça iminente. Por isso não se
justifica que investigações continuem a tramitar em segredo de Justiça. Não se
sabe sequer quantas contas o STF mandou suspender no X, a quem pertencem, nem
por quê. A falta de transparência torna impossível avaliar se as exigências da
lei foram respeitadas e empresta certa credibilidade às acusações de arbítrio
contra o Supremo, especialmente da extrema direita.
Tirar um post do ar pode ser justificável
quando houver conteúdo que atente contra a lei. Suspender uma conta, porém,
deveria exigir crivo mais rigoroso, pois equivale a cercear a priori o direito
à expressão, algo que só se justifica se a investigação comprovar uso para
crimes graves (terrorismo, pedofilia, conspiração para tomar o poder etc.). O
pior, diz o jurista Gustavo Binenbojm, seria o STF confundir meras declarações
antidemocráticas — por mais repugnantes — com atos antidemocráticos que ameaçam
instituições.
Nada justifica a teimosia de Musk em
descumprir ordens judiciais. Mas Moraes deveria evitar medidas extremas, como
suspender o X no Brasil, ameaça usada contra o Telegram antes das eleições.
Isso puniria milhões que usam a plataforma dentro da lei, acirraria o conflito
e prejudicaria o debate sobre uma regulação eficaz, capaz de proteger a livre
expressão e, ao mesmo tempo, pôr fim à terra sem lei das redes.
O foro adequado para tal debate é o
Congresso, onde tramita o PL de Regulação das Redes Sociais, que, se aprovado,
traria clareza jurídica a situações como a enfrentada pelo STF diante do X.
Quanto à Justiça, deve agir com mais transparência e entender que não é hora de
acirrar as tensões, mas de recobrar o clima de normalidade institucional
essencial a toda democracia.
Invasão de embaixada mexicana em Quito viola
Direito Internacional
O Globo
Polícia equatoriana entrou na representação
diplomática para prender ex-vice que pedira asilo
A invasão da
Embaixada do México em Quito por forças equatorianas foi uma
violação nítida do Direito Internacional. Na sexta-feira, policiais entraram no
prédio para prender o ex-vice-presidente do Equador Jorge
Glas, horas depois de ele receber asilo oficial do México. Condenado por
corrupção, Glas estava na embaixada desde dezembro. Para se defender, o governo
equatoriano justificou a ação dizendo que a missão diplomática tinha abusado de
suas imunidades e privilégios. O argumento é absurdo.
A reação na América Latina à ordem dada pelo
presidente do Equador, Daniel Noboa,
ultrapassou linhas ideológicas. Da Argentina, governada pelo ultradireitista
Javier Milei, à Colômbia, do esquerdista Gustavo Petro, a condenação foi
unânime. O Itamaraty repudiou a invasão “nos mais firmes termos”. Nações
Unidas, Estados Unidos e União Europeia também se manifestaram. No sábado, o
presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador,
rompeu relações com o Equador.
A Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas, de 1961, estabelece a inviolabilidade dos edifícios e terrenos
usados para abrigar as missões de países estrangeiros. Em seu artigo 22, afirma
textualmente: “Os agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar sem
consentimento”. Noutro trecho veda qualquer “busca, requisição, embargo ou
medida de execução”.
Um dos casos de asilo recentes de maior
destaque envolveu o próprio Equador. Julian Assange, fundador do WikiLeaks,
ficou sete anos na embaixada do país em Londres, numa tentativa de escapar de
pedido de extradição feito por autoridades americanas. Os britânicos
respeitaram a inviolabilidade e só detiveram Assange quando o Equador aceitou
acabar com o asilo.
Com a invasão da embaixada do México para
combater um acusado de corrupção, Noboa pretende recuperar apoio popular.
Embora alto, seu índice de aprovação está em queda. Aos 35 anos, ele foi eleito
em outubro para cumprir um mandato tampão depois que o antecessor antecipou o
pleito. Suas chances de reeleição no ano que vem dependem da solução da grave
crise de segurança pública que tomou conta do país, às voltas com facções do
tráfico. A aposta de Noboa é fortalecer a fama de durão. Um primeiro teste acontecerá
em 21 de abril, quando os equatorianos irão às urnas votar em referendo sobre
temas como a maior presença das Forças Armadas nas ruas.
Glas foi vice-presidente de Rafael Correa, um
populista de esquerda que hoje vive na Bélgica. Implicado em caso de corrupção
envolvendo a brasileira Odebrecht, Glas foi condenado a seis anos de prisão.
Uma segunda condenação, com Correa, acrescentou oito anos à pena. No final de
2022, seus advogados conseguiram libertá-lo sob o argumento de que não estava
seguro atrás das grades.
O presidente do Equador pode achar que tinha
boas razões para ordenar a invasão da embaixada. Logo perceberá que violar
convenções e a soberania de outros países cobrará um preço. Afinal, o combate
ao crime organizado depende de cooperação internacional.
Embate com Musk cria armadilha para o STF
Folha de S. Paulo
Explorado pelo bolsonarismo, conflito expõe
excessos da corte e de Moraes, mas empresário não pode ignorar a Justiça
Em novo rompante de postagens, o
empresário Elon Musk publicou
uma sequência de críticas ao ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal. Nelas, acusou o magistrado de praticar censura ilegal
e ameaçou desobedecer a restrições impostas a usuários da rede social.
Moraes, em resposta, determinou a inclusão
de Musk no inquérito que investiga a atuação e o financiamento de milícias
digitais antidemocráticas. Ato seguinte, o bolsonarista Allan
dos Santos, foragido da Justiça brasileira, fez uma live na rede social do
bilionário, o X, da qual estava suspenso por ordem de Moraes.
O fogo cruzado serve mais a iludir do que a
esclarecer. Engrossa o caldo da polarização, dinâmica política que gera muito
calor e pouca luz. No saldo, é provável que o embate seja mais benéfico ao
bolsonarismo do que ao interesse público.
Decerto o sentido da crítica a Moraes não soa
descabido. O ministro já
estendeu bem além do razoável uma frente de investigação nada transparente,
ademais questionável desde a origem.
Ao atacar um problema real, o das ameaças à
democracia, Moraes adentrou um terreno pantanoso, o de definir o que é verdade
e o que não é, atoleiro do qual parece não conseguir sair.
O inquérito das fake news está
aberto há mais de cinco anos, em caráter sigiloso. O das milícias digitais,
instalado em 2021, foi prorrogado até o fim deste mês. Nesse período, o STF já
cometeu erros evidentes de abordagem, como ao censurar reportagens
jornalísticas no âmbito da eleição de 2022.
Para esta Folha, a liberdade para
circulação de ideias deve ser a mais ampla possível. Excessos e inverdades são
depurados no processo de debate público, não ao largo dele. Censurar é má
ideia.
Isso posto, é preciso manter uma dose de ceticismo em relação à defesa de
valores que Musk diz estar empunhando. Primeiro porque tal posicionamento não o
autoriza a ignorar decisões judiciais, por mais questionáveis que sejam.
Segundo, chega em embalagem já conhecida e
com difusão reverberada em núcleos da direita radical.
Do ponto de vista institucional, o episódio
deixa uma armadilha à frente do STF. As opções para o tribunal ficam embicadas
no caminho de dobrar a aposta, eventualmente derrubando o acesso no Brasil ao
X. O custo não seria pequeno, dada a excepcionalidade da medida —que teria
eficácia limitada pela possibilidade técnica de burlar a proibição.
Faria melhor a corte suprema se contivesse a
si própria e dedicasse mais tempo aos assuntos de impacto mais direto na vida
do cidadão brasileiro, que pouco se beneficia do calor da polarização.
Vexame diplomático
Folha de S. Paulo
Itamaraty mostra tibieza ao se abster sobre
apuração de violações do Irã
O governo petista não parece se esforçar o
bastante para superar os vexames na diplomacia da gestão anterior. Declarações
desastrosas de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) sobre Venezuela, guerra
Israel-Hamas e Ucrânia representam
a faceta personalista do problema.
Causa espécie que também o Itamaraty,
em ações oficiais, não trate com a devida gravidade as violações aos direitos
humanos perpetradas por Irã e Rússia.
Na quinta (4), o Brasil se
absteve de votar a resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que
prorroga a missão para investigar abusos das forças iranianas contra os
protestos desencadeados após o assassinato
da jovem Mahsa Amini, devido ao uso incorreto do véu islâmico.
A justificativa do Itamaraty foi a de que o
Irã estaria intensificando "esforços para melhorar a situação de direitos
humanos no país". Mas, desde sua criação em novembro de 2022, a missão foi
rechaçada pelo regime teocrático, e não há sinal de que as violações irão
cessar.
Um ano após a morte de Amini, o Parlamento endureceu
a lei contra mulheres que não usam o véu, com penas de multa e
prisão.
Durante os protestos, mais de 500 pessoas
morreram, incluindo cerca de 70 menores de idade; centenas ficaram feridas;
milhares foram presas e ao menos sete foram executadas pelo Estado.
Em março de 2023, o relator especial da ONU para o
Irã, Javaid Rehman, afirmou que colheu relatos de torturas e que as ações do
regime poderiam ser enquadradas como crimes contra a humanidade.
A vergonhosa abstenção do Itamaraty no caso
iraniano soma-se a outra, também neste abril, sobre a extensão do prazo da
comissão que investiga crimes de guerra praticados pela Rússia na Ucrânia.
Para o Ministério das Relações Exteriores, a
resolução "coloca o fardo das violações dos direitos humanos apenas em um
lado do conflito" —como se o país invadido fosse tão culpado quanto o
invasor.
Assim, o Itamaraty não apenas contraria o discurso petista de defesa das minorias como se opõe a princípios humanistas e civilizatórios que deveriam nortear a posição do Brasil no âmbito global.
A Rainha de Copas do STF
O Estado de S. Paulo
Ao mandar investigar Elon Musk após ter sido
alvo de suas críticas, o ministro Alexandre de Moraes reforça o caráter
arbitrário dos inquéritos sobre ‘fake news’ e milícias digitais
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes determinou que o empresário Elon Musk, dono da rede social
X (antigo Twitter), fosse incluído no rol de investigados no longevo e vasto
inquérito das “milícias digitais”. O crime que Musk teria cometido virou pecado
capital por estas bandas: ele criticou as ordens de Moraes para suspender
contas de bolsonaristas no X e afirmou que reativaria essas contas – o que
ainda não fez. Só isso, basicamente. Mas foi o que bastou para irritar o
mercurial ministro Moraes – cada vez mais parecido com a Rainha de Copas, a
célebre tirana do País das Maravilhas que mandava cortar a cabeça de todo mundo
que a contrariava.
No fim de semana passado, Musk foi ao X para
desfiar críticas à atuação do STF. Suas baterias se voltaram particularmente
contra Moraes, a quem Musk acusou de “trair descarada e repetidamente a
Constituição e a população do Brasil”. Além disso, o empresário ainda afirmou
que Moraes pratica “censura agressiva” e faz “as exigências mais draconianas do
mundo” à sua empresa.
De fato, são críticas duras. Mas daí vai uma
distância continental até que se possa vislumbrar que Musk teria cometido
crimes tão graves a ponto de ensejar a abertura de outro inquérito contra ele,
este exclusivamente para investigar se o empresário, com suas postagens,
cometeu “obstrução de justiça, inclusive em organização criminosa” e “incitação
ao crime”, como alega o sr. Moraes. Seria risível, não fosse tão perigoso para
o País o fato de um único ministro do STF se arvorar em leão de chácara da democracia
no País.
Esse episódio só reafirma o caráter
arbitrário que os tais inquéritos das milícias digitais e das fake news
assumiram, em prejuízo dos princípios democráticos mais comezinhos. Nesse
sentido, talvez o problema maior nem seja a elástica compreensão do sr. Moraes
sobre seu papel como ministro do STF, mas a obsequiosa cumplicidade de seus
pares diante de suas decisões cada vez mais extravagantes.
Ameaçar descumprir ordem judicial,
convenhamos, não é crime, razão pela qual não se justifica a abertura de um
inquérito nem no Brasil nem em nenhum outro país civilizado. Se e quando Musk
vier a descumprir uma decisão exarada por qualquer magistrado do País, que
sobre ele recaiam as consequências de sua insubordinação, mas não antes.
É preciso muito esforço interpretativo para
compreender onde estaria, afinal, a “dolosa instrumentalização criminosa” do X,
como sustenta Moraes em seu despacho ordenando a abertura do inquérito contra
Musk. O empresário teceu críticas a decisões que Moraes, de fato, tem tomado –
e não de hoje – ao arrepio das garantias individuais e direitos fundamentais
assegurados pela Constituição que ele tem por dever defender. Este jornal não
se furtou a fazer algumas dessas mesmas críticas, e nem por isso se esteve diante
de uma “dolosa instrumentalização criminosa” da liberdade de opinião.
Não ter a compreensão de que nem tudo é um
ataque ao Estado Democrático de Direito só reforça o ânimo liberticida dos
verdadeiros inimigos da democracia – que, não por acaso, têm se apresentado
maliciosamente ao País e ao mundo como “perseguidos” pela Justiça.
Quanto mais o Supremo comete exageros, mais
suas decisões terão a legitimidade questionada pelos cidadãos, o que é meio
caminho andado para a desmoralização do Judiciário, algo que obviamente só
interessa aos extremistas dedicados à destruição do Estado Democrático de
Direito.
Como bem disse recentemente o presidente do
STF, Luís Roberto Barroso, a Corte precisa ser “menos proeminente”. Seria ótimo
se isso ocorresse. Mas é difícil imaginar um Supremo menos “proeminente”
enquanto seus ministros procurarem holofotes, anteciparem votos em entrevistas,
participarem de colóquios políticos ou usarem a força de sua caneta para
intimidar quem ousa criticá-los.
Deve-se reconhecer que o STF foi determinante
para resguardar a democracia perante o golpismo bolsonarista. Mas isso não pode
servir de justificativa para o arbítrio. A democracia só será bem defendida se
a Constituição for plenamente respeitada por aqueles a quem cabe justamente
salvaguardá-la.
Sinal verde para a economia verde
O Estado de S. Paulo
Como mostra série de reportagens do
‘Estadão’, Brasil tem tudo para avançar nesta rota, mas precisa de arcabouços
regulatórios, infraestrutura, força de trabalho e ambiente de negócios
O Brasil tem uma oportunidade única de
compatibilizar os dois elementoschave do desenvolvimento sustentável:
preservação ambiental e prosperidade socioeconômica. Segundo reportagem do
Estadão, a mola propulsora da descarbonização da economia global – a transição
das tecnologias energéticas baseadas em combustíveis fósseis para as renováveis
– dá ao País a chance de criar 6,4 milhões de empregos (14,6% das vagas com
carteira assinada hoje) e aumentar o PIB em US$ 100 bilhões (4,7% do valor
atual).
A reportagem que mapeia oportunidades de
transição energética inaugura a série Economia Verde. Serão seis capítulos
semanais até maio, explorando iniciativas com potencial de colocar o Brasil na
dianteira da nova economia global, do hidrogênio verde a práticas sustentáveis
do agronegócio; do mercado de carbono até a revolução nos meios de transporte e
oportunidades de mineração sustentável.
O País tem ativos ambientais únicos: a maior
floresta tropical do mundo, 20% da biodiversidade e 12% das reservas de água
doce. O Brasil é um dos países que teriam menos dificuldades e custos para
zerar suas emissões de carbono até 2050. Ao contrário de outras nações, no
Brasil o principal responsável pelas emissões é o desmatamento. O País já
possui uma legislação florestal de ponta e basta aplicá-la para eliminar esse
entrave. O Brasil supre pelo menos 10% da demanda mundial de alimentos e pode
produzir muito mais sem derrubar florestas: a produtividade do agro segue
aumentando e há mais de 80 milhões de hectares de terras degradadas
convertíveis à agricultura.
A propósito da energia, o Brasil tem áreas de
dimensões continentais abundantemente servidas por água, vento, luz solar,
biomassa e metais cruciais para a transição energética, como lítio, cobre e
níquel. O País tem condições materiais de se tornar um exportador de hidrogênio
verde e aproveitar a expertise com o etanol para explorar matérias-primas como
macaúba e soja para exportar biocombustíveis.
Enquanto boa parte do mundo precisa trocar o
carvão por fontes limpas, o Brasil já tem 48% de sua matriz energética ligada a
fontes renováveis, sobretudo hídricas, enquanto a média mundial é de 15%. No
mundo, o setor de energia responde por 70% das emissões de gases de efeito
estufa. No Brasil, são 17%.
Na hipótese de zerar suas emissões até 2050,
estima-se que os investimentos em energia limpa no País possam gerar 3,8
milhões de empregos e US$ 34 bilhões a mais no PIB. Mas, mais do que zerar, o
Brasil tem condições de ter emissões negativas e vender créditos de carbono.
Nesse cenário otimizado, as projeções sobem para 6,4 milhões e US$ 100 bilhões.
Como disse ao Estadão o CEO da Bosch na
América Latina, Gastón Diaz Perez: “Há várias opções para a descarbonização.
Cada uma delas é uma carta. Muitos países tem uma só carta. O Brasil tem o
baralho completo”. Mas esse jogo está longe de estar ganho. As matérias-primas
estão à mão, mas só serão aproveitadas com políticas públicas que garantam bons
arcabouços regulatórios, infraestrutura, incentivos à pesquisa e
desenvolvimento, qualificação da força de trabalho e um ambiente de negócios
atrativo.
Um exemplo de uma área que precisa ser
saneada é a sedimentação de subsídios onerosos e injustificáveis para a
indústria energética (a de renováveis, mas, sobretudo, de fósseis) que pesam
sobre o custo da energia para o consumidor. E há falsos dilemas no debate
público que precisam ser desmoralizados, como explorar ou não novas reservas de
petróleo. A aposentadoria dos fósseis não será disruptiva, mas gradual, e não
se fará pela redução da oferta, e sim da demanda, tão logo haja fontes
alternativas baratas e eficientes. As receitas do petróleo podem ser
canalizadas para financiar essas alternativas e outras atividades compatíveis
com o desenvolvimento sustentável, tanto na área ambiental quanto na social.
No caso dos ativos ambientais do Brasil, o
lugar comum do “berço esplêndido” é real. O desafio é utilizar esse potencial
para superar outro lugar comum, também real até demais, o do “gigante
adormecido”.
Candidato a pária
O Estado de S. Paulo
Equador violenta todas as regras da boa
diplomacia ao arrombar a embaixada do México
Contra todas as recomendações da razão e as
regras de convivência respeitosa entre as nações, o Equador violou a imunidade
diplomática da embaixada do México em Quito no último dia 5. A representação
foi abruptamente arrombada e invadida por uma equipe de operações especiais da
polícia equatoriana sob a ordem de capturar o ex-vice-presidente Jorge Glas, um
condenado por corrupção e suborno que ali se abrigara na expectativa de obter
asilo político. Como bem se sabe, não há justificativa no direito internacional
para tamanha agressão – coerentemente condenada por governos latino-americanos
de diferentes matizes ideológicos, entre os quais o do Brasil, por potências
ocidentais e pelas Nações Unidas.
O disparate cometido por Daniel Noboa,
presidente do Equador desde novembro de 2023, jamais passaria incólume ao
México, o país agredido, e muito menos à comunidade internacional. Em sua
missão de punir autoridades corruptas de gestões anteriores para favorecer seu
índice de popularidade, Noboa atropelou os termos da Convenção de Viena,
documento basilar das relações diplomáticas firmado em 1961. Seu artigo 22
dita, com total clareza, que os locais das missões diplomáticas estrangeiras –
embaixadas, consulados e representações – “são invioláveis”. “Os agentes do
Estado acreditado não poderão neles penetrar sem o consentimento do chefe da
missão”, diz o texto.
A consequência imediata de tal ato não
poderia ser diferente. O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador,
rompeu as relações diplomáticas com o Equador e prepara a denúncia de Quito à
Corte Internacional de Justiça (CIJ), além de possíveis sanções comerciais. Daí
surge outro despautério da gestão de Noboa: gerar uma crise diplomática com o
país com o qual mais deveria cooperar, dada a prioridade do Equador de
enfrentar as facções do crime organizado, entre as quais o cartel mexicano de
Sinaloa, que ameaçam sua segurança pública e seu próprio Estado de Direito.
O caso expõe o amadorismo da atual
chancelaria equatoriana ao obliterar um princípio civilizador. A insistência do
Ministério de Relações Exteriores do Equador em justificar que Glas poderia
escapar da Justiça local como asilado no México, mesmo depois da eclosão da
crise diplomática, pode ser lida como estapafúrdia. Quito deve urgentemente à
Cidade do México um inequívoco pedido de desculpas.
Paradoxalmente, o mesmo Equador valeu-se da Convenção de Viena para abrigar por mais de 7 anos o australiano Julian Assange, fundador do Wikileaks, em sua embaixada em Londres. A entrega de Assange às autoridades britânicas deu-se apenas ao final de longas negociações bilaterais e da suspensão do asilo político por Quito, em 2019. Havia, portanto, prática recente a servir de referência para contornar o atrito com o México. Entretanto, Daniel Noboa não só optou pela truculência, como transformou seu país, da noite para o dia, em forte candidato a pária.
Atenção com indústria é legítima, mas
instrumentos preocupam
Valor Econômico
Experiência brasileira no passado indica que
os instrumentos utilizados quase nunca deram bons resultados
O otimismo embala as previsões para a
indústria em 2024, mesmo tendo apresentado queda na produção no início do ano.
A expectativa de crescimento da indústria de transformação e do impacto
positivo da queda dos juros na produção de bens cujas vendas dependem do
crédito animam as projeções. Além disso, há as promessas dos programas de
estímulos lançados pelo governo, como o Mover e a Nova Indústria Brasileira
(NIB).
A produção industrial brasileira caiu 1,5% em
janeiro e mais 0,3% em fevereiro, interrompendo sequência de cinco meses de
crescimento, iniciada em agosto, informou o IBGE. A principal causa da queda da
indústria foi o recuo do setor extrativo, que está devolvendo parte do que
ganhou em 2023, ano em que avançou bastante. A atividade extrativa diminuiu
6,9% em janeiro e 0,9% em fevereiro, influenciando o recuo dos bens
intermediários, de 2,7% e 1,2% em janeiro e fevereiro, respectivamente. Os
produtos alimentícios também tiveram desempenho ruim, explicando em parte a
queda dos bens de consumo semi e não duráveis, de 0,4% em janeiro, neutralizada
pelo aumento de 0,4% de fevereiro.
Por outro lado, o setor de transformação, que
compõe 85% do total da produção industrial, tem ficado estável. Também é motivo
do otimismo o aumento de 9,3% da produção dos bens de capital em janeiro e de
1,8% em fevereiro; e dos bens de consumo duráveis de 1,5% e 3,6%,
respectivamente. A produção de bens de capital está no azul pela primeira vez
em quase dois anos.
Há a expectativa é de maior equilíbrio entre
o setor extrativo e o de transformação do que em 2023, quando o primeiro
cresceu 8% e o segundo caiu 1%. O setor extrativo deve se recuperar ao longo do
ano dada a importância do petróleo bruto e dos minérios economia brasileiras. O
FGV Ibre, que prevê crescimento de 2,6% da indústria neste ano, espera expansão
de 3,8% da indústria extrativa e de 2,3% da de transformação.
O aumento da produção de veículos
automotores, entre automóveis, caminhões e ônibus, que já foi de 6,5% em
fevereiro sobre janeiro, é um dos pontos de estímulo da indústria em geral e da
de bens de capital. Há previsão da expansão dos automóveis e principalmente dos
ônibus e caminhões, cuja produção foi prejudicada no ano passado pela mudança
de padrão de motores.
Na onda do programa Mover, o governo
comemorou em fevereiro que os investimentos anunciados pelas montadoras já
somavam cerca de R$ 97 bilhões até 2032. Estimativas se aproximam de R$ 105
bilhões nesta década, levando em conta projetos que estão em fase final e que
tinham sido iniciados anteriormente (Valor, 7/3). Já a Anfavea fala mais de R$
117 bilhões, incluindo iniciativas da indústria de caminhões e ônibus e os
programas de máquinas agrícolas. Finalmente, há a expectativa do NIB, pacote de
R$ 300 bilhões a serem disponibilizados até 2026. O BNDES, que vai administrar
o plano de investimentos, entrará com a maior parte dos recursos, R$ 250
bilhões para o apoio a projetos de “neoindustrialização”.
Entre os projetos contemplados estão o
desenvolvimento de motores elétricos para veículos, semicondutores para módulos
de energia solar e a produção de hidrogênio a partir de biogás. Os recursos já
liberados envolvem projetos voltados à inovação, produtividade,
sustentabilidade e ampliação da capacidade exportadora, segundo informa o
governo.
Essas iniciativas não são peculiaridade
brasileira. Estudo divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no início
do ano aborda a recente tendência de governos de turbinar a política
industrial. O movimento ocorre inclusive em economias avançadas, que recorrem
aos subsídios como o instrumento mais utilizado. Já as restrições às
importações e exportações são recursos mais frequentes nas economias emergentes
e em desenvolvimento.
Em 2023, o Observatório da Nova Política
Industrial (NIPO) do FMI coletou em pesquisas na imprensa a existência de mais
de 2,5 mil novas políticas industriais em todo o mundo. Nada menos do que quase
três quartos delas afetam o comércio, geralmente limitando as importações, com
impacto em pelo menos 22% do comércio global. As medidas visavam inicialmente o
setor de produtos médicos, provavelmente pela experiência com as crises de
abastecimento experimentadas durante a pandemia. Mas foi logo foi substituído pelo
interesse por produtos de uso militar e civil e de tecnologia avançada,
incluindo tecnologia de baixo carbono, semicondutores e seus insumos como
minerais críticos.
Preocupação com a competitividade, mudança climática e cadeia de suprimentos confiáveis são justificáveis. Mas a experiência brasileira no passado indica que os instrumentos utilizados, como empréstimos com juros reduzidos, controle do comércio exterior, ampliação de investimentos federais, incentivos tributários e fundos especiais para estimular alguns setores, quase nunca deram bons resultados, e que é elevado o risco de impacto negativo nas contas públicas.
Supremo rejeita poder moderador
Correio Braziliense
A Constituição Cidadã de 1988, o maior pacto social construído no Brasil, no processo de redemocratização, iniciado em 1985, não abriu brecha para uma intervenção militar em caso de conflito de interesse entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
Em decisão unânime, o Supremo Tribunal
Federal (STF) concluiu que as Forças Armadas não compõem um poder moderador, ao
encerrar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.475,
ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), em 2020. No entendimento
dos 11 ministros da Alta Corte, a interpretação do artigo 142 da Constituição
foi equivocada.
De acordo com o ministro Luiz Fux, relator da
ADI, a legislação brasileira não tem nenhuma margem para qualquer tipo de
intervenção militar constitucional nem para a ruptura da ordem democrática. O
ministro deixou claro que as atribuições institucionais das Forças Armadas são
a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais, bem como da lei e
da ordem.
A Constituição Cidadã de 1988, o maior pacto
social construído no Brasil, no processo de redemocratização, iniciado em 1985,
não abriu brecha para uma intervenção militar em caso de conflito de interesse
entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário — ou seja, não previu a
recriação de um quarto poder, como existiu no período da monarquia.
Os constituintes conceberam três Poderes para
o Estado Democrático de Direito. Criaram, assim, uma blindagem às tentativas de
imposição de um regime autocrático e ações outras que ressuscitassem modelos
imperialistas, autocratas ou ditatoriais de governo. O Brasil é um país
democrático. Os Poderes da República têm independência e devem atuar em
harmonia. As divergências são sanadas pelo diálogo, orientado pela
Constituição.
Interpretações que adulteram a vontade e os
objetivos dos constituintes não podem reconduzir o país a regimes autoritários,
visando interesses alheios às reais necessidades e aos anseios do povo
brasileiro. A Constituição garante direitos iguais a todos, independentemente
de origem, raça, cor, etnia, religiosidade, gênero, condição socioeconômica.
Enfim, respeita a pluralidade e diversidade do tecido demográfico, que confere
singularidade ao país.
Nos últimos anos, não foram poucas as ameaças de rompimento dos valores políticos, humanos, sociais e civilizatórios da Constituição Federal. Chegou-se a ponto de criar uma "verdadeira aberração jurídica", como disse o ministro Dias Toffoli, na interpretação do artigo 142, com o intuito de abrir caminho para um inconcebível regime autocrático. Seria a anulação da liberdade de expressão, em todo o seu amplo conceito, colocando os Poderes da República, mais uma vez, submissos a interesses autoritários. Mesmo com todas diferenças ideológicas e partidárias, a democracia deve prevalecer hoje, amanhã e sempre. Ditadura, nunca mais.
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