terça-feira, 9 de abril de 2024

Carlos Andreazza - Nosso delegadão

O Globo

Aqui não se embarcará na contenda delirante que oporia Xandão, herói salvador da democracia brasileira, a Musk, defensor da liberdade de expressão no Brasil. Delirante porque lhe faltariam democratas. Nem o ministro nos salvou — ou seria necessário crer na possibilidade de uma democracia garantida por autoritarismos — nem o dono do Twitter nos libertará. Cada um a sua maneira, ambos com a pretensão de governar. Só um dos quais a se cansar amanhã e mudar de assunto. Só um sendo juiz da Suprema Corte.

Este país não precisa de oportunistas-hipócritas internacionais para ser confrontado com a corrupção de sua república. Elon — cujo compromisso com a democracia oscila a depender de país e tema — vai. Vão também os princípios. Espuma. Alexandre fica. Alexandre é nosso. Nosso delegadão. Problema nosso. O gênio que não voltará mais à lâmpada, chancelado pelos pares e autorizado pelo 8 de Janeiro permanente. Levou a carta branca. Não se lhe cassa mais.

Os vícios a nos interessar são os dos inquéritos xandônicos. Eternos e onipresentes. Promotores de censura. Como aquela, ato fundador, que tirou do ar — em abril de 2019 — reportagem da revista Crusoé que explicava o caso do “amigo do amigo do meu pai”: Dias Toffoli, segundo a delação de Marcelo Odebrecht.

O inquérito original baixado em março daquele ano, doente já na largada, tinha a finalidade de proteger a honra dos ministros do STF. Cinco anos depois, desdobra-se em conjunto sigiloso que se expande incorporando objetos investigados e que constituiu togado que é vítima, investigador, acusador e julgador. Juiz total, pela democracia.

(E ai de ti, se reclamar. Bolsonarista! O estado é de vigília, pela democracia, assim explicado que se negue acesso aos autos. Bolsonarista!)

Manchete da Folha de S.Paulo, em 3 de abril: “Moraes e PGR ampliam alinhamento sob Gonet, mas ministro mantém atropelo à procuradoria”. O subtítulo: “Expectativa era que o magistrado deixasse de ignorar o MP após a mudança no comando da instituição”.

Fantasiou-se que os inquéritos xandônicos subvertiam o sistema acusatório constitucional como exceção legitimada ante a omissão de Augusto Aras — tudo a voltar ao leito normal das atribuições quando houvesse novamente um titular da ação penal. Ilusão. No mundo real: Xandão mantendo o ritmo aterrador “mesmo depois de emplacar aliado no comando da PGR”.

Observada a forma como Moraes dita seus inquéritos, que expectativa deveria gerar o fato de Gonet lhe ser apadrinhado: o regresso aos ritos ou manutenção dos acotovelos?

Há PGR agora. E há censura no Brasil. Nenhuma novidade. O Tribunal Superior Eleitoral, esse atalho para forras rápidas, aderiu. Deitou resolução, em 2022, que autorizaria a suspensão de contas em redes sociais. Censura prévia. Há PGR agora. Ao brasileiro ainda interditado o acesso pleno a quais e quantas as contas banidas. E por quê. Quais as fundamentações para cada uma dessas medidas?

Alexandre de Moraes nunca agiu sozinho e sem aval no Supremo, tribunal em que as jurisprudências viraram areia. A ministra do “cala a boca já morreu” — o histórico voto contra a censura prévia a biografias — manifestando-se, no TSE, pela censura a um filme. Era 20 de outubro de 2022, dez dias para a eleição presidencial, quando Cármen Lúcia votou pela censura; e não sem a ressalva de que não se podia “permitir a volta da censura sob qualquer argumento”:

— Este é um caso específico e estamos na iminência de termos o segundo turno das eleições. A proposta é a inibição até o dia 31 de outubro, exatamente o subsequente ao do segundo turno, para que não haja o comprometimento da lisura, da higidez, da segurança do processo eleitoral e dos direitos do eleitor.

De caso específico em caso específico, empilham-se “inibições” — inibidos muitos de nós em criticar o governo Lula e os arreganhos do Judiciário; porque ninguém quer ser fascista e porque, senão, o golpe virá, Bolsonaro voltará.

Cármen Lúcia, ainda sobre a censura com hora para acabar:

— Se, de qualquer forma, senhor presidente [Moraes], isto se comprovar como desbordando para uma censura, deve ser imediatamente reformulada esta decisão no sentido de acatar integralmente a Constituição e garantir a liberdade.

A censora preocupada com a censura produzir censura. A ministra de Corte constitucional que admite uma decisão que não acate “integralmente a Constituição”.

O Supremo, faz pouquíssimo, esclareceu que a Constituição não contempla as Forças Armadas como poder moderador. Correto. Seria bom esclarecer também que a guarda do Estado Democrático de Direito não faz dos guardiões soberanos. O edifício impessoal das leis não é castelo para a personificação de imperadores. Não há poder moderador no Brasil.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Sempre meio confuso.