O Globo
Aqui não se embarcará na contenda delirante
que oporia Xandão, herói salvador da democracia brasileira, a Musk, defensor da
liberdade de expressão no Brasil. Delirante porque lhe faltariam democratas.
Nem o ministro nos salvou — ou seria necessário crer na possibilidade de uma
democracia garantida por autoritarismos — nem o dono do Twitter nos libertará.
Cada um a sua maneira, ambos com a pretensão de governar. Só um dos quais a se
cansar amanhã e mudar de assunto. Só um sendo juiz da Suprema Corte.
Este país não precisa de oportunistas-hipócritas internacionais para ser confrontado com a corrupção de sua república. Elon — cujo compromisso com a democracia oscila a depender de país e tema — vai. Vão também os princípios. Espuma. Alexandre fica. Alexandre é nosso. Nosso delegadão. Problema nosso. O gênio que não voltará mais à lâmpada, chancelado pelos pares e autorizado pelo 8 de Janeiro permanente. Levou a carta branca. Não se lhe cassa mais.
Os vícios a nos interessar são os dos
inquéritos xandônicos. Eternos e onipresentes. Promotores de censura. Como
aquela, ato fundador, que tirou do ar — em abril de 2019 — reportagem da
revista Crusoé que explicava o caso do “amigo do amigo do meu pai”: Dias
Toffoli, segundo a delação de Marcelo Odebrecht.
O inquérito original baixado em março daquele
ano, doente já na largada, tinha a finalidade de proteger a honra dos ministros
do STF. Cinco anos depois, desdobra-se em conjunto sigiloso que se expande
incorporando objetos investigados e que constituiu togado que é vítima,
investigador, acusador e julgador. Juiz total, pela democracia.
(E ai de ti, se reclamar. Bolsonarista! O
estado é de vigília, pela democracia, assim explicado que se negue acesso aos
autos. Bolsonarista!)
Manchete da Folha de S.Paulo, em 3 de abril:
“Moraes e PGR ampliam alinhamento sob Gonet, mas ministro mantém atropelo à
procuradoria”. O subtítulo: “Expectativa era que o magistrado deixasse de
ignorar o MP após a mudança no comando da instituição”.
Fantasiou-se que os inquéritos xandônicos
subvertiam o sistema acusatório constitucional como exceção legitimada ante a
omissão de Augusto Aras — tudo a voltar ao leito normal das atribuições quando
houvesse novamente um titular da ação penal. Ilusão. No mundo real: Xandão
mantendo o ritmo aterrador “mesmo depois de emplacar aliado no comando da PGR”.
Observada a forma como Moraes dita seus
inquéritos, que expectativa deveria gerar o fato de Gonet lhe ser apadrinhado:
o regresso aos ritos ou manutenção dos acotovelos?
Há PGR agora. E há censura no Brasil. Nenhuma
novidade. O Tribunal Superior Eleitoral, esse atalho para forras rápidas,
aderiu. Deitou resolução, em 2022, que autorizaria a suspensão de contas em
redes sociais. Censura prévia. Há PGR agora. Ao brasileiro ainda interditado o
acesso pleno a quais e quantas as contas banidas. E por quê. Quais as
fundamentações para cada uma dessas medidas?
Alexandre de Moraes nunca agiu sozinho e sem
aval no Supremo, tribunal em que as jurisprudências viraram areia. A ministra
do “cala a boca já morreu” — o histórico voto contra a censura prévia a
biografias — manifestando-se, no TSE, pela censura a um filme. Era 20 de
outubro de 2022, dez dias para a eleição presidencial, quando Cármen Lúcia
votou pela censura; e não sem a ressalva de que não se podia “permitir a volta
da censura sob qualquer argumento”:
— Este é um caso específico e estamos na
iminência de termos o segundo turno das eleições. A proposta é a inibição até o
dia 31 de outubro, exatamente o subsequente ao do segundo turno, para que não
haja o comprometimento da lisura, da higidez, da segurança do processo
eleitoral e dos direitos do eleitor.
De caso específico em caso específico,
empilham-se “inibições” — inibidos muitos de nós em criticar o governo Lula e
os arreganhos do Judiciário; porque ninguém quer ser fascista e porque, senão,
o golpe virá, Bolsonaro voltará.
Cármen Lúcia, ainda sobre a censura com hora
para acabar:
— Se, de qualquer forma, senhor presidente [Moraes],
isto se comprovar como desbordando para uma censura, deve ser imediatamente
reformulada esta decisão no sentido de acatar integralmente a Constituição e
garantir a liberdade.
A censora preocupada com a censura produzir
censura. A ministra de Corte constitucional que admite uma decisão que não
acate “integralmente a Constituição”.
O Supremo, faz pouquíssimo, esclareceu que a
Constituição não contempla as Forças Armadas como poder moderador. Correto.
Seria bom esclarecer também que a guarda do Estado Democrático de Direito não
faz dos guardiões soberanos. O edifício impessoal das leis não é castelo para a
personificação de imperadores. Não há poder moderador no Brasil.
Um comentário:
Sempre meio confuso.
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