O Globo
Show atesta o potencial da cadeia produtiva
da cultura na atividade econômica, geração de trabalho e renda
Uma mulher. Uma mulher de 65 anos. Uma
artista de fama planetária que, aos 65 anos, 40 de carreira, é capaz de
mobilizar para uma solitária apresentação três aviões de carga, 30 caminhões,
270 toneladas de equipamentos, 45 baús de figurinos, estafe de 200 pessoas, 90
quartos de hotel, palco de 812 metros quadrados, três passarelas, 18 torres de
som, para receber um público estimado em 1,5 milhão na praia mais famosa do
Brasil. A Prefeitura do Rio estima que a passagem de Madonna por Copacabana,
amanhã, movimentará R$ 293,4 milhões na economia carioca. Tudo isso num fim de
maio, período de baixa temporada turística na Cidade Maravilhosa.
A vinda de Madonna ao Rio para o encerramento de “The celebration tour”, a 12ª turnê mundial da popstar, contém lições em cultura, economia e na área social. Em tempos de etarismo e maus-tratos a idosos, é inspirador ver uma mulher de 65 anos ativa, querida e exibindo vigor físico numa maratona global de mais de 80 shows em sete meses. O Brasil chegou a 2022 com 32,1 milhões de habitantes com 60 anos ou mais; 22,1 milhões com 65 ou mais, segundo o último censo demográfico do IBGE. A proporção de idosos saltou de 10,8% para 15,6% desde 2010.
Mulheres são maioria da população — 51,5%
ante 48,5% de homens — e também entre os idosos. Do total de brasileiros com 60
anos ou mais, elas somam 17,8 milhões, eles 14,2 milhões. O Rio de Janeiro
(18,8%) está entre os três estados com maior proporção de idosos do país; atrás
do Rio Grande do Sul (20,2%), à frente de Minas Gerais (17,8%). Só aqui e no RS
o total de idosos ultrapassa o de crianças. Para cada cem moradores de 0 a 14
anos, há 106 idosos no território fluminense. Convém pensar em políticas públicas
de inclusão, atividade produtiva, respeito aos mais velhos.
O ponto final da turnê de Madonna também
atesta o potencial da cadeia produtiva da cultura na atividade econômica,
geração de trabalho e renda. Afora os profissionais envolvidos na realização, o
show de amanhã ativou diferentes setores. De 1º a 6 de maio, 222 mil pessoas
passarão pelo Aeroporto Internacional Tom Jobim, entre pousos e decolagens
nacionais e internacionais. Até terça que vem, a companhia aérea Azul operará
436 voos para o Galeão,
dos quais 170 extras. O total de assentos passa de 60 mil. Somando Santos
Dumont e Jacarepaguá,
serão mais de 100 mil assentos, um Maracanã e
meio. Só hoje, 19 mil pessoas passarão pela Rodoviária Novo Rio em 600 ônibus;
amanhã, 18 mil em 580 veículos.
Uma caminhada pela orla de Copacabana dá a
medida do efeito Madonna na atividade. Bares e quiosques ocupados, inflação nos
drinques, petiscos e itens praianos, uma profusão de produtos customizados, de
leques a camisetas. À venda, até kit com brigadeiros estampando a foto da
cantora. Restaurantes, padarias, supermercados e lojas de roupas, da Zona Sul à
Saara, estimam aumento de receitas. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Urbano e Econômico (SMDUE) prevê que a passagem de Madonna renderá R$ 60,9 milhões
em ISS recolhidos pelas áreas relacionadas ao evento: turismo, transportes,
entretenimento; 20% mais que um ano atrás. O Museu do Amanhã está recebendo 5
mil visitantes por dia, o dobro do habitual.
A prefeitura destinou R$ 10 milhões em
patrocínio ao evento; o governo do estado, idem. A conta de retorno é
satisfatória, embora seja legítimo que a população questione a escassez de
recursos para áreas prioritárias, como combate à fome e infraestrutura.
Fundamental é sublinhar quanto a cidade é vocacionada para atividades de
cultura e turismo. E quanto vale a pena levá-las a sério, em vez de demonizar,
perseguir e desqualificá-las por miopia político-ideológica.
O economista Marcel Balassiano, da SMDUE,
estimou que, em novembro passado, com três feriadões, final da Libertadores da
América e apresentações de RBD e Taylor Swift,
o turismo e eventos movimentaram R$ 700 milhões na capital. O efeito Swift na
economia americana foi mencionado em relatório do Federal Reserve, o banco
central dos Estados Unidos. No Rio, o Réveillon movimentou
R$ 3 bilhões, o carnaval R$
5 bilhões. No ano passado, a receita de ISS com turismo, eventos e cultura
alcançou R$ 416,4 milhões, R$ 100 milhões a mais que em 2022. A indústria
criativa no Rio tem mais de 4 mil empresas e 80 mil trabalhadores; 93,5% são
micro e pequenos empreendimentos. Cultura é riqueza.
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