O Globo
Se quisermos cidades parceiras da natureza, o país precisa oferecer financiamento para compra ou produção das moradias
Ante a tragédia gaúcha, o sentimento é de
brutal tristeza. Vidas que se foram, sonhos que se desfazem, cidades
derrotadas, quanta dor! Tudo nos diz que o reerguimento, que virá, será um
período longo e difícil. Mas virá.
É compreensível que, no calor dos
acontecimentos, sejam sugeridas soluções precipitadas, ou feitas críticas
contundentes. É compreensível, mas, de precipitação, basta-nos a pluviométrica.
Choveu nas bacias que conformam o Guaíba mais de metade do que choveria em um
ano. Trata-se de algo absolutamente exponencial, que não admite um pensamento
raso.
Não reduzamos a dor do Rio Grande à inépcia administrativa — que houve. Vamos elevá-la para se constituir num marco para o país no enfrentamento das mudanças climáticas.
Felizmente, temos centros de excelência
dedicados às diversas faces desse complexo tema. Temos documentação
orientadora, como as expedidas pela ONU.
Temos órgãos públicos que estudam o clima e os que se dedicam à prevenção de
desastres, como a GeoRio, da Prefeitura do Rio, com excepcional trabalho na
contenção de encostas. Mas não nos iludamos: não há respostas prontas. É tudo
muito novo.
As cidades constituem-se como elemento
central a ser considerado diante dos desafios ambientais. Sobretudo no Brasil,
com população quase totalmente urbana.
A mudança no clima exige mudança na cultura
do urbano. O rodoviarismo individualista deve ceder espaço a modos poupadores
de energia, e não poluidores; precisamos também poupar território, conter a
expansão urbana; não podemos ocupar áreas ambientalmente frágeis; por óbvio, as
áreas de risco têm de evitadas. Se quisermos cidades parceiras da natureza, o
país precisa oferecer financiamento para compra ou produção das moradias,
segundo as possibilidades das famílias. Sem crédito, as famílias continuarão construindo
mais caro e em lugares inapropriados. Igualmente, as áreas já ocupadas, sem
risco, precisam ser urbanizadas.
Não é pouca coisa. Mas é possível.
Com nosso potencial acadêmico e
institucional, podemos ir além do discurso. Estudando, pesquisando e formando
profissionais da administração pública, e também de empresas, para comporem
quadros preparados para essa nova realidade. Treinados para a recuperação dos
ambientes que sofrem desastres, para mitigar os prejuízos e, em especial, para
a prevenção ante as mudanças climáticas. Não se trata de uniformizar respostas.
Mas de conformar um novo pensamento para o cuidado das cidades e das regiões.
Disse antes, e creio: é possível.
O difícil será os governos darem um cavalo de
pau no imediatismo e estruturarem serviços permanentes de planejamento urbano e
territorial. Será difícil, mas a força da realidade, com a conscientização da
sociedade, oxalá resulte possível. Quem sabe o G20 e a COP30, no Brasil, possam
ajudar?
O que acontece no Rio Grande é alerta
doloroso. Parodiando seu brioso hino, sirva o sofrimento gaúcho para modelar um
novo país — mais justo socialmente, mais respeitoso para com a natureza.
*Sérgio Magalhães é arquiteto e urbanista
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