Folha de S. Paulo
A discussão pública nunca para, e é preciso
estar sempre contando sua narrativa
Uma das críticas mais inócuas de nossos
tempos é dizer que um político "não desceu do palanque" depois que
foi eleito. Ela é inócua porque, hoje, o tempo de campanha nunca
termina mesmo. É preciso estar sempre contando sua narrativa para impedir que
as narrativas dos adversários dominem a discussão pública, que nunca para. O
único político que pode se dar ao luxo de descer do palanque é aquele que se
aposentou.
Todos nós vivemos na mesma sociedade, mas cada um tem uma percepção parcial e limitada dela, sempre mediada por preferências e projeções. Sua vida hoje está melhor ou pior do que há cinco anos? É até difícil começar a medir uma coisa dessas. Expandir isso para o Brasil inteiro, então, é mais imaginação do que qualquer outra coisa. Dados nos ajudam a montar uma percepção um pouco mais calcada numa realidade objetiva, mas mesmo eles deixam muitas lacunas, podem retratar aspectos contraditórios dessa realidade e simplesmente não alcançam muitas das áreas mais importantes da vida.
Duas histórias muito diferentes estão sendo
contadas sobre a economia.
A primeira: a economia real cresce apesar da pressão de especuladores (movidos
por um mix de ideologia e interesse de classe) que exigem cortes drásticos nos
programas sociais e mancham as projeções futuras. Ou então: o governo mantém a
economia aquecida de maneira insustentável por seus altos gastos, e sua recusa
em fazer um ajuste estrutural (motivada por um mix de ideologia e interesses
corporativistas) está fazendo a inflação disparar,
corroendo a renda dos mais pobres e em breve nos jogando numa nova crise.
Há dados para sustentar ambas as narrativas.
De um lado, o IBGE revelou
que, em 2023, 8,7 milhões de pessoas saíram da pobreza. Dados do varejo deste
ano parecem indicar compras em alta. Por outro lado, a inflação de alimentos
avança e prejudica especialmente os mais pobres; a dívida pública não para de
crescer.
Nenhum dado tem a última palavra. Sempre dá
para questionar, por exemplo, a causalidade por trás deles: o quanto da
inflação de alimentos se deve à alta do dólar,
que, segundo a esquerda, é fruto da especulação que torce contra o governo? O
"mercado", afinal, vem errando para baixo o crescimento da economia
há quatro anos. Por que agora ele estaria certo?
É possível também negar os dados em si. Na
direita, ganha popularidade a tese de que os números do IBGE sob Lula não
são confiáveis. Não creio que seria tão fácil fraudar os números do IBGE. Mesmo
se o presidente da instituição quisesse adulterar números, isso não passaria
batido pelos técnicos do órgão. Para muita gente, contudo, isso não convence.
No passado, a imprensa contava a história
dominante, ancorada em dados públicos, fatos verificados e uma confiança de
base nas instituições oficiais. Hoje, ela é apenas uma voz. Compare o espaço
que as tratativas golpistas de Bolsonaro têm
na imprensa com o impacto delas na opinião pública.
A história está sendo sempre contada, ou
melhor: disputada. E não vence quem melhor listar os dados disponíveis (pois
eles próprios podem ser questionados), e sim quem souber usá-los para contar as
histórias que melhor conectem com o que move as pessoas. Boas notícias sozinhas
são impotentes.
2 comentários:
As pessoas acreditam naquilo que quer acreditar.
As pessoas são levadas a crer.
Crer em qualquer coisa, por mais maluca que seja ela.
Até em cristo creram, pois não?
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