O Globo
O país não se prepara para o futuro ao deixar 10,3 milhões de jovens sem trabalho nem estudo. Destes, quase metade são mulheres negras
Com 10,3 milhões de jovens se faz um país. Um país do tamanho de Portugal. É isso que o Brasil tem de brasileiros entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham. Esse número era maior. Havia um Uruguai a mais de jovens nessa situação em 2020. Os indicadores sociais melhoraram em 2023, no primeiro ano do governo Lula. Ainda assim certos números são dolorosos. Com 10,3 milhões não se preparando para o futuro se perde um país. Essa é “a medida mais rigorosa de vulnerabilidade juvenil”, diz o IBGE. Em 2020, 13,8 milhões não estudavam nem trabalhavam. Temos melhorado, mas ainda falta muito a fazer.
Quem entre esses jovens são os mais
vulneráveis? Na maioria negros, na maioria mulheres negras. Nesses 10,3
milhões, 45,7% são mulheres pretas e pardas. Ao todo, 4,7 milhões. Em 2023,
houve uma melhora para todos os grupos, seja gênero ou raça. Mas com uma
diferença que mostra quem tem sempre sido deixada para trás. Houve uma queda de
11,4% de mulheres brancas nessa situação. Houve queda de homens pretos ou
pardos de 9,3%. Mas a menor redução, de apenas 1,6%, foi de moças pretas ou
pardas. Sempre elas, a base da pirâmide.
A notícia da semana, trazida pela Síntese dos
Indicadores do IBGE, é boa. O Brasil teve queda da pobreza e da miséria. São os
menores índices desde o início da série histórica em 2012. Quase 9 milhões de
brasileiros saíram da pobreza. O crescimento do PIB, que parece sempre tão
abstrato, tem efeito concreto na vida das pessoas. O dinamismo do mercado de
trabalho elevou a renda. A volta do Bolsa Família, mais ampla e de valor maior,
teve papel importante nesse resgate. Mas, de novo, é preciso perguntar: quem
tem ficado para trás?
O Banco Mundial acha que a extrema pobreza é
considerada erradicada quando o percentual é de 3%. O número que o Brasil
atingiu em 2023 é de 4,4%. Ou seja, estamos quase erradicando a extrema
pobreza. Os homens e as mulheres brancas, em condição de miséria, já são 2,6%,
abaixo portanto do nível estabelecido pela instituição. Mas os homens pretos e
pardos nessa situação em 2023 são 5,6% e as mulheres pretas e pardas, 5,9%.
As desigualdades são duráveis no Brasil. No
mercado de trabalho, o IBGE mostra que a população ocupada de cor ou raça
branca ganhava, em 2023, 69,9% mais do que pretos ou pardos. E isso acontece em
qualquer grau de instrução. Mesmo pessoas com escolaridade de nível superior
têm diferenças gritantes de rendimento, dependendo da cor ou raça. As mulheres
estudaram mais e têm maior taxa de desemprego. Essas distâncias vêm sendo
mostradas pesquisa após pesquisa.
Na semana passada, o IPEA fez um seminário
para discutir o ODS 18. Como se sabe, a Agenda 2030 tem 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável. No ano passado, o governo Lula disse na ONU que
assumia voluntariamente o compromisso com um 18º objetivo. Ele se propõe, como
explicou a presidente do IPEA, Luciana Servo, a “erradicar o racismo” e
construir a “igualdade étnico-racial”. O caminho para o objetivo vem sendo
debatido no governo, com o envolvimento de várias agências. O trajeto é longo,
mas para o Brasil faz todo o sentido assumir diante do mundo o compromisso de
construir uma agenda antirracista.
Quem define esse debate com a estigmatizada
palavra “identitarismo”, e acha que isso divide o país, é bom lembrar que 56%
dos brasileiros se declaram pretos ou pardos. Não há futuro para o Brasil sem
os negros. É a identidade brasileira que se discute numa agenda contra
gritantes e tão persistentes desigualdades.
Há 20 anos, aconteceu um debate áspero,
difícil e desafiador sobre as cotas raciais. Venceu a melhor ideia, a de sim
implantar cotas para estudantes negros nas universidades. Houve momentos
constrangedores, como o do manifesto dos intelectuais de 2006 contra as cotas,
que começava sustentando que as cotas ameaçavam de “extinção” o princípio da
igualdade. Ora, era o oposto. Hoje já se vê na cena pública brasileira as
vitórias da bem-sucedida política de cotas. Mas ela é uma política. Precisamos
de uma agenda inteira.
O dólar disparou nos últimos dias, e alguém
pode achar que numa coluna de economia eu deveria estar falando disso e do mau
humor do mercado. O dólar sobe e desce. É volátil. A desigualdade racial
permanece alta. Sem uma agenda de combate ao racismo não se faz um país.
3 comentários:
Você me abre seus braços e a gente faz um País... Licença poética,literalmente,de Marina Lima e Antônio Cícero.
Preto e pardo é mentira; é conversa fiada dela seguindo a estratégia de negócios do patrão. MAM
Mestiços=Pardos
28 de novembro às 10:28 ·
Os militantes anti-pardo não vão recuar, já fizeram a cabeça dos 40% do nosso povo pardo a se reconhecerem como negro, não se enganem, eles querem os 100% dos pardos. Vocês 60% dos pardos que assumem a sua identidade mestiça fenotípica tem a nobre missão de resgatar teu povo pardo. O Movimento negro não vai recuar na entrega do pardo a si mesmo, não importa se esse pardo tem negritude ou não.
NÃO SOMOS GALINHAS DOS OVOS DE OURO PARA GRUPO OPORTUNISTA NENHUM.
PARDO É PARDO, NENHUM PARDO É NEGRO
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