domingo, 8 de dezembro de 2024

A economia entre o ajuste e o longo prazo - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Para fazer a economia crescer no ritmo de outros emergentes, será preciso ir além da formação do capital físico. Será indispensável cuidar muito mais do capital humano

Com mais empregos, pobreza em queda e consumo em alta, o Brasil completa dois anos de atividade econômica vigorosa, com crescimento acumulado próximo de 6%, talvez pouco superior a essa marca. Nos 12 meses até outubro, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 3,1%; manteve-se o dinamismo de 2023, quando a produção avançou 3,2%. Esse balanço indica um fim de ano mais luminoso para a maioria dos brasileiros – mesmo para quem usar o 13.º salário para liquidar dívidas. Quem buscar uma renegociação terá boa chance, de acordo com especialistas, de conseguir um desconto e começar o ano novo mais tranquilo.

Mantido esse quadro, o presidente Lula da Silva poderá citar bons números em suas falas de fim de ano – se deixar de lado, é claro, o aumento da dívida pública e a elevação do risco inflacionário. Nem por isso o público atento deixará de ouvir o noticiário sobre os dados negativos. O pessoal do mercado financeiro já alardeia e continuará alardeando o risco de um desastre nas contas públicas, sem dar muita importância aos números mais favoráveis da produção, do emprego e do varejo. No mundo das finanças, o fato de mais ou menos pessoas estarem comendo, consumindo e vivendo em condições decentes parece às vezes ter pouca ou nenhuma relevância.

Analistas e operadores do setor financeiro têm razões, é claro, para se preocupar com as contas públicas. Não há como desconhecer a disposição gastadora do presidente da República, nem o currículo de alguns líderes petistas, nem as pressões de ministros menos preocupados com as condições do Tesouro. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguiu, no entanto, o apoio presidencial a um plano de ajuste encaminhado ao Congresso. O plano é ambicioso, envolve reformas e pode ser alterado para melhor ou pior. De toda forma, é uma reafirmação vigorosa do compromisso da Fazenda com finanças mais ordenadas e mais sustentáveis.

Mas o equilíbrio fiscal, embora indispensável no longo prazo, é apenas um aspecto técnico da gestão pública. Há muito debate sobre a tributação, o volume do gasto e as condições de equilíbrio das contas do governo, mas pouca discussão sobre como dinamizar a economia e combinar desenvolvimento econômico e desenvolvimento social.

Para começar, é preciso levar em conta o baixo nível de investimento em máquinas, equipamentos, instalações produtivas e infraestrutura. No terceiro trimestre, o País investiu em capital físico apenas 17,6% do PIB. Em outros emergentes, esse tipo de aplicação tem superado as taxas de 18% e até de 20%.

Não se trata, no caso brasileiro, de escassez de recursos. O setor privado poderia destinar mais dinheiro à ampliação da capacidade produtiva, mas isso dependeria de juros mais baixos e de maior segurança quanto ao futuro da economia. O setor público também poderia ter um desempenho melhor nesse quesito, com mais planejamento e maior controle de gastos, como já se viu em outros momentos e em governos anteriores do presidente Lula.

Para dinamizar a economia e fazê-la crescer em ritmo parecido com o de outros emergentes, será preciso ir além da formação do capital físico. Será indispensável cuidar muito mais do chamado capital humano, ampliando e remodelando o sistema educacional, em todos os níveis de escolaridade. Fala-se muito, há muito tempo, em favorecer a formação técnica dos jovens brasileiros, mas o setor público tem sido pouco eficiente nesse trabalho. Organizações ligadas ao setor empresarial, como Senai, Senac e entidades semelhantes, têm produzido resultados muito melhores e ocupado espaço em níveis mais altos na escala educacional.

Mas também é preciso dar muito mais atenção à formação básica. Resultados obtidos por estudantes brasileiros em testes internacionais têm sido muito ruins, como informou no Estadão a jornalista Renata Cafardo, especialista em educação. Segundo relatório recente, alunos brasileiros do 4.º ano ficaram em 55.º lugar, num conjunto de 58 países, numa prova de matemática, superando apenas os concorrentes do Marrocos, do Kuwait e da África do Sul. Irã, Bósnia e Cazaquistão aparecem entre os países com desempenhos superiores aos do Brasil. Resultados também muito fracos foram obtidos em outras provas de matemática e ciências. O mau desempenho de crianças e adolescentes brasileiros em exames internacionais tem sido noticiado há muitos anos, mas com efeito nulo ou quase imperceptível na ação educacional dos governos.

Os vínculos entre educação, ciência e desenvolvimento econômico e social têm sido estudados e discutidos há muito tempo. Nos Estados Unidos, o assunto ganhou projeção há cerca de um século. No Brasil, o debate se intensificou a partir dos anos 1950, mas com efeitos limitados e descontínuos nas estratégias de governo. O exemplo coreano, citado frequentemente, nunca foi adotado para valer, mesmo nas fases de maior valorização do planejamento. Falhas educacionais são apenas um dos fatores explicativos da baixa produtividade e das limitações econômicas do País. Mas são, com certeza, um dos mais importantes quando se pensa em intensificar e tornar duradouro o desenvolvimento.

 

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