O Estado de S. Paulo
Para fazer a economia crescer no ritmo de
outros emergentes, será preciso ir além da formação do capital físico. Será
indispensável cuidar muito mais do capital humano
Com mais empregos, pobreza em queda e consumo
em alta, o Brasil completa dois anos de atividade econômica vigorosa, com
crescimento acumulado próximo de 6%, talvez pouco superior a essa marca. Nos 12
meses até outubro, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 3,1%; manteve-se o
dinamismo de 2023, quando a produção avançou 3,2%. Esse balanço indica um fim
de ano mais luminoso para a maioria dos brasileiros – mesmo para quem usar o
13.º salário para liquidar dívidas. Quem buscar uma renegociação terá boa chance,
de acordo com especialistas, de conseguir um desconto e começar o ano novo mais
tranquilo.
Mantido esse quadro, o presidente Lula da Silva poderá citar bons números em suas falas de fim de ano – se deixar de lado, é claro, o aumento da dívida pública e a elevação do risco inflacionário. Nem por isso o público atento deixará de ouvir o noticiário sobre os dados negativos. O pessoal do mercado financeiro já alardeia e continuará alardeando o risco de um desastre nas contas públicas, sem dar muita importância aos números mais favoráveis da produção, do emprego e do varejo. No mundo das finanças, o fato de mais ou menos pessoas estarem comendo, consumindo e vivendo em condições decentes parece às vezes ter pouca ou nenhuma relevância.
Analistas e operadores do setor financeiro
têm razões, é claro, para se preocupar com as contas públicas. Não há como
desconhecer a disposição gastadora do presidente da República, nem o currículo
de alguns líderes petistas, nem as pressões de ministros menos preocupados com
as condições do Tesouro. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguiu, no
entanto, o apoio presidencial a um plano de ajuste encaminhado ao Congresso. O
plano é ambicioso, envolve reformas e pode ser alterado para melhor ou pior. De
toda forma, é uma reafirmação vigorosa do compromisso da Fazenda com finanças
mais ordenadas e mais sustentáveis.
Mas o equilíbrio fiscal, embora indispensável
no longo prazo, é apenas um aspecto técnico da gestão pública. Há muito debate
sobre a tributação, o volume do gasto e as condições de equilíbrio das contas
do governo, mas pouca discussão sobre como dinamizar a economia e combinar
desenvolvimento econômico e desenvolvimento social.
Para começar, é preciso levar em conta o
baixo nível de investimento em máquinas, equipamentos, instalações produtivas e
infraestrutura. No terceiro trimestre, o País investiu em capital físico apenas
17,6% do PIB. Em outros emergentes, esse tipo de aplicação tem superado as
taxas de 18% e até de 20%.
Não se trata, no caso brasileiro, de escassez
de recursos. O setor privado poderia destinar mais dinheiro à ampliação da
capacidade produtiva, mas isso dependeria de juros mais baixos e de maior
segurança quanto ao futuro da economia. O setor público também poderia ter um
desempenho melhor nesse quesito, com mais planejamento e maior controle de
gastos, como já se viu em outros momentos e em governos anteriores do
presidente Lula.
Para dinamizar a economia e fazê-la crescer
em ritmo parecido com o de outros emergentes, será preciso ir além da formação
do capital físico. Será indispensável cuidar muito mais do chamado capital
humano, ampliando e remodelando o sistema educacional, em todos os níveis de
escolaridade. Fala-se muito, há muito tempo, em favorecer a formação técnica
dos jovens brasileiros, mas o setor público tem sido pouco eficiente nesse
trabalho. Organizações ligadas ao setor empresarial, como Senai, Senac e
entidades semelhantes, têm produzido resultados muito melhores e ocupado espaço
em níveis mais altos na escala educacional.
Mas também é preciso dar muito mais atenção à
formação básica. Resultados obtidos por estudantes brasileiros em testes
internacionais têm sido muito ruins, como informou no Estadão a jornalista
Renata Cafardo, especialista em educação. Segundo relatório recente, alunos
brasileiros do 4.º ano ficaram em 55.º lugar, num conjunto de 58 países, numa
prova de matemática, superando apenas os concorrentes do Marrocos, do Kuwait e
da África do Sul. Irã, Bósnia e Cazaquistão aparecem entre os países com
desempenhos superiores aos do Brasil. Resultados também muito fracos foram
obtidos em outras provas de matemática e ciências. O mau desempenho de crianças
e adolescentes brasileiros em exames internacionais tem sido noticiado há
muitos anos, mas com efeito nulo ou quase imperceptível na ação educacional dos
governos.
Os vínculos entre educação, ciência e
desenvolvimento econômico e social têm sido estudados e discutidos há muito
tempo. Nos Estados Unidos, o assunto ganhou projeção há cerca de um século. No
Brasil, o debate se intensificou a partir dos anos 1950, mas com efeitos
limitados e descontínuos nas estratégias de governo. O exemplo coreano, citado
frequentemente, nunca foi adotado para valer, mesmo nas fases de maior
valorização do planejamento. Falhas educacionais são apenas um dos fatores
explicativos da baixa produtividade e das limitações econômicas do País. Mas
são, com certeza, um dos mais importantes quando se pensa em intensificar e
tornar duradouro o desenvolvimento.
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