Folha de S. Paulo
O sistema político brasileiro dá claros
sinais de que está em transição
Não estou confiante que a vida na nossa
República contribuirá para aplacar nossas angústias cidadãs
Desejo às generosas leitoras e leitores dessa
coluna, mas também a todas e todos que entrarão o ano com o pé direito,
esquerdo ou com os dois pés, como sugere Fernanda
Torres, um excelente ano, ainda que não esteja confiante que a vida
na nossa República contribuirá para aplacar nossas angústias cidadãs.
O sistema político brasileiro dá claros sinais de que está em transição, sabe-se lá para onde. O presidencialismo de coalizão, sob a dominância do Executivo, eleito majoritariamente, que contribuiu para avanços incrementais ao longo das primeiras décadas da Nova República, hoje se organiza sob a dominância do parlamento, eleito proporcionalmente, gerando dúvidas sobre a capacidade de esse modelo promover os mesmos avanços.
Os recentes dados sobre a derrubada de vetos
presidenciais, publicados
por esta Folha, apontam para uma substantiva fragilização do
presidente da República em relação ao Congresso
Nacional. Lula 3
e Bolsonaro tiveram,
respectivamente, 49,4% e 44,2% de seus vetos derrubados, contra 1% de FHC e o
1,6% do próprio presidente Lula nos seus dois primeiros mandatos. Não me parece
que tamanha mudança decorra apenas do fato de que Lula e Bolsonaro representem
presidentes minoritários.
O fato é que o Congresso Nacional não apenas
extraiu prerrogativas do Executivo durante a longa crise política aberta em
2013, mas as institucionalizou em seu favor, fortalecendo sua posição no
arranjo dos Poderes. Na medida em que o eleitor distribui suas preferências, ao
longo do tempo, as próprias regras do jogo foram sendo alteradas. E não foi uma
mudança trivial. Quem quer que ganhe a eleição em
2026 irá se haver com um Congresso mais poderoso.
Outra transformação significativa, que pode
se consolidar nas eleições parlamentares de 2026, refere-se ao fortalecimento
de um eleitorado mais conservador, ampliando o desalinhamento com as escolhas
progressistas feitas pelo constituinte em 1988. O Pacto social-democrata, que
colocou dignidade humana, especialmente dos mais vulneráveis, no centro de seu
projeto; que se preocupou com o meio ambiente e
o futuro das novas gerações; que promoveu a universalização dos direitos
à saúde, educação e previdência;
vê-se, agora, confrontado por ideias conservadoras, por uma teologia da
prosperidade (mais libertária que liberal), assim como pelo fortalecimento
econômico e político de alguns segmentos do agro, da mineração e mesmo da
economia digitalizada, que se contrapõem a regras ambientais, aos direitos
indígenas, aos direitos dos trabalhadores ou apenas não se conformam com os
custos do Estado social.
Essa virada do eleitor à direita, como
argutamente aponta Marta Arretche, vem sendo mitigada pelos políticos profissionais,
pois sabem que, em um país profundamente desigual, abandonar os pobres pode ser
fatal. Mas até quando? O fato é que esse crescente descompasso entre a Constituição progressista
e um eleitorado mais conservador ou libertário poderá ampliar o mal-estar
constitucional, em 2026.
Para completar esse quadro de inquietação
institucional, o Supremo
Tribunal Federal vê sua autoridade questionada, paradoxalmente,
quando se demonstrou mais poderoso. Se não for capaz de reagir, fortalecendo a
autoridade institucional do colegiado, em detrimento do poder de cada um de
seus membros, poderá ver prejudicada sua capacidade de garantir as regras do
jogo, contra aqueles que se insurgem contra os direitos fundamentais, a
democracia ou mesmo o patrimônio público. E, com isso, perderá a República.
Os desafios serão grandes. Por isso precisaremos de muita sorte e virtude em 2026.

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