terça-feira, 23 de dezembro de 2025

De sandálias, no rumo da polarização sem fim. Por César Felício

Valor Econômico

Polêmica em comercial comprova resultado de pesquisa que mostra eleitor preso em moldura de 2022

O responsável pela pesquisas Quaest, Felipe Nunes, é um dos principais teóricos da tese de que há um processo de calcificação do eleitorado brasileiro em uma polarização entre lulismo e bolsonarismo semelhante ao que ocorre nos Estados Unidos, sem muito espaço para guinadas no curso da corrida eleitoral.

A mais recente pesquisa divulgada em conjunto com o banco de investimentos Genial, com dados coletados de 11 a 14 de dezembro, alimenta esta tese, adicionando a ela uma outra camada: a sensação entre os pesquisados que se está diante de um fenômeno inevitável.

A rigor, a polarização é discernível a olho nu, sem necessidade de que uma pesquisa seja dissecada. A guerra de engajamento esta semana nas redes sociais provocada por uma propaganda das sandálias Havaianas em que a atriz Fernanda Torres exortava os consumidores a não entrarem em 2026 com o pé direito é ilustrativa. Nas últimas horas não houve político focado no mundo digital que não tenha festejado ou deplorado o comercial da empresa. Possivelmente aquele que é o calçado mais comum do brasileiro tornou-se esta semana o mais comentado.

A pesquisa mostra que os eleitores que se dizem independentes e os bolsonaristas concordam em ao menos um ponto: ambos os segmentos enxergam o Brasil encarcerado pela polarização nacional estabelecida em 2022. De acordo com o levantamento, este consenso nacional é quebrado apenas pelo eleitor lulista, onde a maioria dos seus integrantes entendem que o país avançou em direção a outras pautas.

De acordo com as pesquisas deste instituto, os independentes representam a maior parte do eleitorado: 32%, ante 21% da “direita não bolsonarista”, 12% de bolsonaristas, 14% da “esquerda não lulista” e 19% dos lulistas. E em outras rodadas, os integrantes deixaram claro um sentimento de exaustão com a polarização. Há um crescimento entre estes eleitores dos que se dizem indecisos, dispostos a não votar, simpatizantes por uma terceira via ou por um “outsider”. Mas para 65% deles, não há saída, o país está preso na polarização.

É um cenário análogo ao desenho animado “Caverna do Dragão”, que fez muito sucesso nos anos 80. Na animação , um grupo de jovens passa várias temporadas tentando sair de um mundo distópico, sem nunca encontrar um caminho.

A sensação de que a polarização persiste é de 62% no eleitorado total, o que representa aproximadamente a soma dos que optaram pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou pelo senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) na maioria dos cenários eleitorais testados na pesquisa. A dupla foi de 55% no quadro de maior dispersão, com oito nomes testados, a 65% no de maior concentração, com quatro nomes.

O fato do maior percentual de constatação de polarização-84%- ser registrado no segmento “direita não bolsonarista” é um indicativo de que há um movimento gravitacional que favorece a um comportamento binário do eleitor, por mais que a falta de ânimo do eleitorado oposicionista com a escolha de Flávio Bolsonaro como representante da direita no cenário de 2026 seja evidente.

Estes resultados confluem para a sinalização da pesquisa de que há poucos lulistas ou bolsonaristas arrependidos. Segundo o levantamento, 83% dos pesquisados dizem que não se arrependem do voto que deram em 2022. É uma queda de apenas cinco pontos percentuais em relação ao registrado em dezembro de 2023. O total de arrependidos oscilou no período de 6% para 8%.

De 2022 para cá o ex-presidente Jair Bolsonaro foi tornado inelegível, processado, julgado, condenado e preso e não resta mais dúvidas de que está fora do processo eleitoral do próximo ano. Mesmo assim, mais da metade do eleitorado -55%- afirma acreditar que o ex-presidente hoje é uma liderança política “forte ou “muito forte”. Em relação a Lula, 71% dizem o mesmo. Somente 41% veem Bolsonaro hoje “fraco” ou “muito fraco” ( no caso, de Lula, 26%).

Se Bolsonaro mesmo atrás das grades é visto como forte, não há sinal mais claro de que sua liderança persiste, ainda que sem a aura de martírio que seus propagandistas acreditavam que o ex-presidente iria se revestir depois de sua condenação.

 

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