terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Quatro perguntas para evitar brigas na ceia. Por Pedro Doria

O Globo

Elas permitem que gente de esquerda e de direita se encontre em muitas concordâncias sem falar de esquerda ou direita. Empatia nasce daí

Alguns de meus colegas na imprensa têm escrito colunas sobre como evitar brigas nas festas de fim de ano. Também acho necessário. Mas, sabe, é exigir um bocado da sociedade brasileira. Pescando, aqui, números da última Quaest: 55% de nós consideram que Lula não deveria sair candidato. É mais que a metade. O presidente sairá candidato, não importa que seja rejeitado. E 60% defendem que nem Jair nem Flávio Bolsonaro devem receber votos. São duas rejeições muito altas. A mesma pesquisa revela que os dois, Lula e Flávio, são favoritos para estar no segundo turno. Mais de metade de nós não quer nenhum — e periga sermos obrigados a escolher um deles. Como não brigar num cenário assim?

O que temos, na verdade, é um conflito de interesses. De um lado, a sociedade. Do outro, os partidos políticos. A sociedade preferiria outros. Acontece que estes dois, Lula e Bolsonaro, têm algo que nenhum outro político tem: eleitores fiéis em quantidade. Lula conta com algo como um terço dos eleitores. Basta ele dar um passo e já os carrega. Bolsonaro tem, de cara, um quê além dos 20%. Aí é questão de matemática. Tradicionalmente, 20% dos brasileiros não aparecem para votar. Soma tudo, os 30% de Lula, mais os 20% de Bolsonaro e aqueles 20% que se mandam, restam uns 30% de nós que já botamos os pés em 2026 com um mau humor cão. Porque periga chegarmos num segundo turno tendo de fazer essa escolha.

Para os partidos, a conta deixa pouco espaço de manobra. De acordo com a lei, a prioridade é eleger deputados. Quanto maior for a bancada eleita para a Câmara, maior será o dinheiro que o partido ganha anualmente do fundo partidário, além da verba que receberá de fundo eleitoral nas próximas eleições. Muito deputado, muito dinheiro. Pouco deputado, a vida será dura. Só que, tipicamente, o brasileiro só pensa em que deputado votar na última hora. Aí, costuma casar o nome com a escolha para presidente. Quer dizer, o partido que leva candidatos a presidente no segundo turno, mesmo que perca a corrida para o Planalto, faz uma bancada grande.

A regra eleitoral força a mão dos partidos. O PT precisa de Lula para liderar a esquerda. Sem Lula, não teria o peso de votos no Nordeste. Com base no Sudeste, o partido perde espaço para o PSOL. Os partidos de direita compreendem que Flávio é um candidato pior que Tarcísio de Freitas e, possivelmente, Ratinho Júnior quando vier o segundo turno. Mas ninguém ousa contrariar Bolsonaro — não sabem o que ocorreria caso ele condenasse um candidato unificador.

Não costumamos pensar em eleições como fruto das regras do jogo. Mas são. Sempre que criamos regras, obrigamos os jogadores a entender o melhor resultado para seus interesses.

O que sobra para a mesa de família, no fim do ano? Vamos brigar pelo terceiro ciclo eleitoral seguido com vermelhos de um lado, camisa da Seleção do outro? Bem, esperanças existem. Uma é a possibilidade de uma insurreição popular vinda do flanco direito. O eleitor conservador se recusa a votar em Flávio ao conhecer as alternativas. Só o fato de um dos cantos mudar de rosto já refresca o ambiente, zera as brigas e nos leva coletivamente a outro tipo de conversa. Porque, nesse caso, haverá derrota do sobrenome Bolsonaro no primeiro turno. E a segunda rodada da eleição terá de tratar não de times, mas de projetos de governo.

Infelizmente, uma decisão assim, coletiva, não depende individualmente de ninguém. É torcer por um daqueles momentos da História em que cai a ficha numa sociedade, ela se cansa, um consenso se forma. Aí o povo vira as costas para o passado e busca outro futuro possível.

Não fugimos, porém, das conversas no fim de ano. Então proponho um jogo. São quatro perguntas para todos à mesa. Qual a responsabilidade do Estado para garantir saúde, educação, aposentadoria? Esta trata de quanto queremos um Estado de bem-estar social. Aí: qual o papel do governo na definição de que setores da economia devem ser protegidos ou estimulados? É aquela para medir o espaço que pertence ao Estado e o que cabe ao mercado. Outra: quando tratamos de família, religião, sexualidade e drogas, quanto deve ser controlado pelo governo? Uma pergunta para entender a posição de cada um sobre costumes. E, por fim, a última: quando um governante muito popular entra em conflito com tribunais ou Parlamento, suas decisões devem prevalecer? Peça, nessa, que cada um imagine seu presidente favorito no Planalto.

Essas perguntas permitem que gente de esquerda e de direita se encontre em muitas concordâncias sem falar de esquerda ou direita. Empatia nasce daí.

 

Nenhum comentário: