Lembrança de David Capistrano da Costa
Gilvan Cavalcanti Melo
Abril 2008
Na manhã de 4 de abril, o ministro da Justiça, Tarso Genro, esteve no Rio de Janeiro para a abertura da primeira incursão da chamada “Caravana da Anistia”, criada para julgar casos de anistiados em outras cidades. Ao ver faixas com frases como “A anistia é uma farsa” — levantadas no auditório por representantes de categorias que ainda aguardam o julgamento de seus casos —, o ministro admitiu que a reclamação é justa. Disse ele: “A anistia está atrasada no Brasil”. Acentuou, no entanto, que o governo tenta acelerar os trabalhos. E concluiu: “O processo é lento, mas não está quase parando. Eu diria que está quase andando”.
Gilvan Cavalcanti Melo
Abril 2008
Na manhã de 4 de abril, o ministro da Justiça, Tarso Genro, esteve no Rio de Janeiro para a abertura da primeira incursão da chamada “Caravana da Anistia”, criada para julgar casos de anistiados em outras cidades. Ao ver faixas com frases como “A anistia é uma farsa” — levantadas no auditório por representantes de categorias que ainda aguardam o julgamento de seus casos —, o ministro admitiu que a reclamação é justa. Disse ele: “A anistia está atrasada no Brasil”. Acentuou, no entanto, que o governo tenta acelerar os trabalhos. E concluiu: “O processo é lento, mas não está quase parando. Eu diria que está quase andando”.
O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, respondendo aos críticos da anistia, admitiu que foram concedidas indenizações exorbitantes. Mas, segundo ele, são fatos isolados em 35 mil processos, uma vez que a maioria das pensões foi estipulada na faixa de R$ 3,7 mil. Cerca de 25 mil casos ainda tramitam.
Na oportunidade, o ministro também entregou a Maria Augusta de Oliveira, viúva do jornalista e dirigente do PCB David Capistrano da Costa, o título de anistia. Perto de completar 90 anos, ela terá direito a uma pensão de R$ 3,4 mil, com um montante retroativo a 2001 de R$ 883 mil. O jornalista Vladimir Herzog, outro militante do PCB morto sob a ditadura, também foi homenageado.
Eu estava lá. Reencontrei muitos amigos e conhecidos ex-companheiros do PCB. Amigos e companheiros, na diferença. Foi emotivo rever, depois de longo tempo, Maria Augusta, companheira de cela, na Casa de Detenção do Recife, de minha mulher, Graziela. Abraçá-la e beijar suas filhas Carol e Cristina.
O tempo voltou para o velho Recife do bairro de Campo Grande, onde morava David e a família. Local que sempre freqüentava para conversas sobre a juventude e a política em geral. Recordo-me sempre dos seus conselhos sobre o valor da democracia, reafirmado num trecho distribuído por suas filhas, ontem: “A classe operária compreende que, num ambiente de liberdades democráticas, pode mais facilmente encaminhar a solução de seus problemas, a começar pela sindicalização maciça e pela unificação dos esforços de todos os trabalhadores, até a unidade do proletariado tanto em escala estadual como nacional. O uso das garantias constitucionais, das liberdades democráticas é o suficiente para que os trabalhadores possam conquistar tudo o que necessitam”.
Quem foi David Capistrano da Costa
David Capistrano da Costa nasceu em 1913, no povoado de Jacampari, município de Boa Viagem, Ceará. Ainda adolescente, veio para o Rio de Janeiro morar com parentes. Em 1931, aos 18 anos entrou para a Escola de Aviação, aprovado no curso da FAB, onde conheceu o tenente Ivan Ramos Ribeiro, que o convidou a participar do movimento político e a ingressar no Partido Comunista.
Participou do Levante Comunista em 1935, foi expulso das Forças Armadas e recolhido ao presídio na Ilha Grande. Mas não ficou muito tempo preso. Ajudado por colegas militares, num dia de maré baixa, com mais três companheiros, fugiu a nado pelo canal e chegou ao continente. Em seguida, atravessaria a fronteira.
Em meados de 1936, David Capistrano partiu do Uruguai para a Espanha, com um grupo das Brigadas Internacionais, integrando a Brigada Garibaldi, sob o comando do dirigente comunista italiano Luigi Longo. Em 1938 lutou na frente do Ebro, numa das mais sangrentas batalhas da Guerra Civil Espanhola.
Diz Apolônio de Carvalho: “Com José Correia de Sá e Dinarco Reis, David Capistrano integrou-se na 12. Brigada, a Garibaldi. Anos depois, em Marselha, eu teria oportunidade de ler um jornal de trincheira dessa tropa italiana, no qual se destacava o feito de David no Ebro, a garantir com uma metralhadora Hotkiss, sob o furor dos bombardeios franquistas, a retirada do seu pelotão”.
Atuou junto aos partisans da Resistência Francesa, durante a ocupação nazista. Preso em ação, foi deportado para o campo de Gurs, na Alemanha, e após a liberação voltou ao Brasil em 1941, sendo novamente preso. Em 1945 foi anistiado e retornou à militância política no PCB. Em 1947 casou com Maria Augusta de Oliveira, militante paraibana do PCB. Foi eleito Deputado Estadual em Pernambuco, em 1947. Entre 1958 e 1964 dirigiu a Folha do Povo e A Hora, jornais vinculados ao PCB em Pernambuco.
Após o golpe militar, viveu clandestinamente no Brasil e asilou-se na Tcheco-Eslováquia, em 1971. Retornou ao Brasil em 1974, pela fronteira em Uruguaiana, RS. Desapareceu no percurso entre Uruguaiana e São Paulo, juntamente com José Roman, em março de 1974. Em 1974, o documento n. 203/187, do DOPS/RJ, afirma: “[...] David Capistrano da Costa encontra-se preso há quatro meses, sendo motivo da Campanha da Comissão Nacional Pró-Anistia dos Presos Políticos”. Em 1978, quatro anos após seu desaparecimento, David Capistrano foi julgado à revelia e absolvido pela Justiça Militar, com 67 pessoas acusadas de reorganizar o PCB.
Em 1992, um torturador do DOI-Codi do Rio de Janeiro, em depoimento publicado, declara que viu David Capistrano ser torturado na PE da rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, tendo sido o corpo esquartejado em uma casa de Petrópolis, para impedir a identificação. Seus restos mortais nunca foram encontrados.
Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil
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