A amplitude ganha pela contestação social ao controle da Líbia por Muamar Kadafi desdobrou e ao mesmo tempo mudou a qualidade da demanda por democracia nos vários países do Oriente Médio. O enfrentamento de governos autoritários e corruptos mas limitados por relativa liberdade de imprensa e pelo condicionamento de laços políticos, econômicos e culturais com a ONU, os EUA e a Europa (como os da Tunísia, da Jordânia, do Egito, da Argélia, mesmo o do Iêmen e as monarquias do Bahrein e de Marrocos) é alterado, na nova contestação, pelo desafio a um regime totalitário que justifica o arbítrio imposto à sociedade em nome da defesa contra o inimigo externo – o imperialismo norte-americano, sua exploração econômica e suas ameaças de invasão. Arbítrio facilitado, nas relações internacionais, pela expressão da Líbia como fornecedora de petróleo à Europa.
Ao invés da “primavera democrática” (como a imprensa vinha avaliando as manifestações de rua nas cidades da região) já em boa parte vitoriosa na Tunísia e no Egito, defrontando reações policiais e militares responsáveis por centenas de feridos e várias mortes mas intercaladas e contidas por propostas de negociação forçadas pela cobertura da mídia e para atender a pressões externas, em vez disso, o novo e mais importante episódio desse enfrentamento é caracterizado por um banho de sangue de opositores na capital Trípoli e em outros centros urbanos, metralhados por policiais e mercenários e por fuzilaria aérea. Com milhares de feridos e centenas de mortos, em atos de brutal selvageria que não podem ser acompanhados pela imprensa pois os únicos veículos de comunicação permitidos são os do governo. Banho de sangue que Kadafi afirmou que prosseguirá até a liquidação de todos os “ratos” e “gangues” que se manifestem contra ele, ou até a sua mor-te como “mártir do imperialismo”, numa longa e solitária aparição na TV oficial. Cujo cenário era o de uma mão “revolucionária” esmagando um avião dos EUA.
Selvageria apoiada em retórica semelhante à dos quilométricos discursos de Fidel Castro (que se tornam menores e mais raros em face da extrema fragilidade econômica de Cuba); à que era utilizada pela nomenclatura da Alemanha Oriental, até a queda do Muro de Berlim; à que persiste na atômica e miserável Coreia do Norte; à de Ahmadinejad em seu furor contra os direitos humanos e às resistências à implantação do totalitarismo no Irã; às frequentes denúncias de Hugo Chávez contra invasões da Venezuela pelos EUA, como parte de seu projeto do “Socialismo do Século 21”, felizmente em processo de decomposição. Denúncias enfatizadas por Chávez em seis visitas feitas a Kadafi, bem como ao recebê-lo na Venezuela em 2009, com todas as homenagens possíveis e aplauso entusiasmado à proposta do hóspede da criação na América Latina de uma aliança militar contraposta à Otan.
Mas com os celulares e a internet globalizantes cumprindo ao menos parcialmente o papel da imprensa livre proibida aos líbios, o mundo foi tomando conhecimento da extrema violência de Kadafi contra as manifestações populares pelo fim de seu totalitarismo (que também tem alto grau de corrupção). Violência que assumiu a escala de um verdadeiro genocídio, segundo um dos diplomatas líbios que atuam no exterior e que renunciaram à representação. Cujo desencadeamento, por ordem direta de Kadafi, foi repelido por parcela das forças armadas, inclusive dois oficiais da aviação que deslocaram os aparelhos que pilotavam para a ilha de Malta, onde pediram asilo. E cuja prática não impediu mais manifestações em Trípoli, nem a tomada pela população da segunda maior cidade, Benghazi, além da de outras entre a capital e a fronteira com o Egito.
Por outro lado, a amplitude da contestação social, combinada com a repulsa interna e externa ao genocídio (já formalizada no Conselho de Segurança da ONU), provocou a interrupção das atividades das multinacionais petrolíferas e de várias empresas estrangeiras, como a Queiroz Galvão, do Brasil. Está impondo a suspensão das exportações e importações do país. E levou, ontem, o ministro do Interior a demitir-se do governo, com declaração na qual propôs que o Exército se una às manifestações para forçar o afastamento de Kadafi.
Jarbas de Holanda é jornalista
Ao invés da “primavera democrática” (como a imprensa vinha avaliando as manifestações de rua nas cidades da região) já em boa parte vitoriosa na Tunísia e no Egito, defrontando reações policiais e militares responsáveis por centenas de feridos e várias mortes mas intercaladas e contidas por propostas de negociação forçadas pela cobertura da mídia e para atender a pressões externas, em vez disso, o novo e mais importante episódio desse enfrentamento é caracterizado por um banho de sangue de opositores na capital Trípoli e em outros centros urbanos, metralhados por policiais e mercenários e por fuzilaria aérea. Com milhares de feridos e centenas de mortos, em atos de brutal selvageria que não podem ser acompanhados pela imprensa pois os únicos veículos de comunicação permitidos são os do governo. Banho de sangue que Kadafi afirmou que prosseguirá até a liquidação de todos os “ratos” e “gangues” que se manifestem contra ele, ou até a sua mor-te como “mártir do imperialismo”, numa longa e solitária aparição na TV oficial. Cujo cenário era o de uma mão “revolucionária” esmagando um avião dos EUA.
Selvageria apoiada em retórica semelhante à dos quilométricos discursos de Fidel Castro (que se tornam menores e mais raros em face da extrema fragilidade econômica de Cuba); à que era utilizada pela nomenclatura da Alemanha Oriental, até a queda do Muro de Berlim; à que persiste na atômica e miserável Coreia do Norte; à de Ahmadinejad em seu furor contra os direitos humanos e às resistências à implantação do totalitarismo no Irã; às frequentes denúncias de Hugo Chávez contra invasões da Venezuela pelos EUA, como parte de seu projeto do “Socialismo do Século 21”, felizmente em processo de decomposição. Denúncias enfatizadas por Chávez em seis visitas feitas a Kadafi, bem como ao recebê-lo na Venezuela em 2009, com todas as homenagens possíveis e aplauso entusiasmado à proposta do hóspede da criação na América Latina de uma aliança militar contraposta à Otan.
Mas com os celulares e a internet globalizantes cumprindo ao menos parcialmente o papel da imprensa livre proibida aos líbios, o mundo foi tomando conhecimento da extrema violência de Kadafi contra as manifestações populares pelo fim de seu totalitarismo (que também tem alto grau de corrupção). Violência que assumiu a escala de um verdadeiro genocídio, segundo um dos diplomatas líbios que atuam no exterior e que renunciaram à representação. Cujo desencadeamento, por ordem direta de Kadafi, foi repelido por parcela das forças armadas, inclusive dois oficiais da aviação que deslocaram os aparelhos que pilotavam para a ilha de Malta, onde pediram asilo. E cuja prática não impediu mais manifestações em Trípoli, nem a tomada pela população da segunda maior cidade, Benghazi, além da de outras entre a capital e a fronteira com o Egito.
Por outro lado, a amplitude da contestação social, combinada com a repulsa interna e externa ao genocídio (já formalizada no Conselho de Segurança da ONU), provocou a interrupção das atividades das multinacionais petrolíferas e de várias empresas estrangeiras, como a Queiroz Galvão, do Brasil. Está impondo a suspensão das exportações e importações do país. E levou, ontem, o ministro do Interior a demitir-se do governo, com declaração na qual propôs que o Exército se una às manifestações para forçar o afastamento de Kadafi.
Jarbas de Holanda é jornalista
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