Desde janeiro de 2009, sob o impacto da crise econômica que estourara em setembro do ano anterior, o Fórum Econômico Mundial encontrava-se em uma situação de paralisia, como se deglutisse com dificuldade seus próprios erros, culpando-se por não ter entendido que a crise estava já instalada.
Os debates tornaram-se, no mais das vezes, infrutíferos, com a busca de culpados ocupando mais tempo do que a de soluções.
Pois neste Fórum de 2012 parece que os "senhores do Universo", já um tanto abalados por seus insucessos, acordaram para a necessidade de introduzir mudanças profundas no sistema capitalista.
O que se procura é fazer com que o capitalismo volte a ser percebido pelas populações como um sistema econômico que produz riqueza e bem-estar, em vez de ser um sistema que fomenta a ganância e permite o lucro fácil, alimentando- se da desigualdade e aproveitando-se dos mais pobres para favorecer os mais ricos.
Ainda não chegamos a propostas concretas, mas já há um sentimento generalizado que levará certamente a tomadas de decisões importantes, inclusive porque, se isso não acontecer, aí sim teremos consequências concretas no dia a dia.
O megainvestidor George Soros deu uma entrevista à "Newsweek" prevendo rebeliões nas ruas das principais cidades do mundo.
A democracia, que surge como uma vaga promessa com a Primavera Árabe, paradoxalmente já é contestada em diversos países ocidentais como incapaz de fazer frente às necessidades do mundo moderno de representatividade e inclusão social.
Os paradoxos não param de causar perplexidade. Os movimentos dos cidadãos "indignados" que pretendem ocupar Wall Street ou o Fórum Econômico para protestar contra a iniquidade são reflexos dessa mesma democracia que criticam, enquanto os países que viveram sob a ditadura buscam na utopia democrática sua redenção.
Ontem, aqui em Davos, um painel discutindo justamente a eficiência da democracia mostrou bem essa distância.
Enquanto Rached Ghannoushi, um dos fundadores do Ennahda, partido político que está no poder na Tunísia, tecia loas à democracia, houve quem ressalvasse que democracia não se resume à realização de eleições periódicas, mas principalmente ao funcionamento das instituições políticas.
O chanceler brasileiro, Antonio Patriota, que participou do debate, saiu em defesa da tese de que eleições, por si só, representam muito em países como a Tunísia ou o Egito, que não as realizavam há décadas.
Só o fato de os novos governos serem escolhidos pelo voto popular direto, disse Patriota, já significa um salto grande na cidadania desses países.
Todos esses movimentos, às vezes contraditórios, são consequências das mudanças que estão ocorrendo no mundo, levando ao fim da hegemonia e à divisão dos poderes geopolíticos, antes concentrados nos países desenvolvidos do Ocidente.
Hoje, em meio a uma crise que parece não ter fim, esses mesmos países até dependem de outros, emergentes, para um equilíbrio na economia mundial.
Em um dos painéis, houve quem afirmasse que a crise econômica ficará por bons dez anos, e só restou uma pergunta: essa conta começa em que ano? Na verdade, hoje já há uma definição oficial de quando começou a crise: no dia 18 de setembro de 2007, quando o Federal Reserve (o Banco Central americano) reduziu a taxa de juro pela primeira vez em quatro anos, atendendo ao setor bancário, que estava em dificuldades com créditos imobiliários.
A partir daí, o sistema econômico mundial tal como o conhecemos até hoje foi se deteriorando sem que as medidas necessárias fossem tomadas.
O ex-presidente do México Ernesto Zedillo, diretor do Centro de Estudos da Globalização da Universidade Yale, lembrou que já em 1997 — dez anos antes, portanto, de a crise começar — o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, dizia que era preciso reestruturar o sistema financeiro.
Esse sentimento de culpa e expiação que domina hoje os debates aqui no Fórum Econômico foi definido com maestria em um artigo escrito uma semana antes do início do encontro pelo economista Jeffrey Sachs, publicado pelo "Financial Times", que, aliás, aproveitou a realização do encontro para publicar uma série de reportagens sobre os problemas do capitalismo.
Também o "New York Times" publicou grande reportagem denunciando o uso de trabalho escravo por parte de empresas americanas de tecnologia na China, principalmente a Apple, o que seria exemplar do capitalismo selvagem.
Nada define melhor o que está acontecendo aqui em Davos do que um recente artigo do economista Jeffrey Sachs no "Financial Times".
O professor da Universidade Columbia, em Nova York, sintetiza em seu artigo o que está no ar aqui no Fórum Econômico Mundial: "O capitalismo está arriscado a falhar nos dias de hoje não porque lhe falte inovações, ou porque os mercados não estejam conseguindo inspirar ações particulares, mas porque perdemos a visão das falhas operacionais da gula desenfreada.
"Estamos negligenciando uma torrente de falhas do mercado em infraestrutura, finanças e meio ambiente.
Estamos dando as costas a uma grotesca piora da desigualdade de renda e intencionalmente continuando a cortar benefícios sociais.
"Estamos destruindo a Terra como se de fato fôssemos a última geração. Estamos envenenando nossos próprios apetites através dos vícios de bens de luxo, cirurgias cosméticas, gorduras e açúcar, assistindo à TV, e outras automedicações de escolha ou persuasão.
"E nossas políticas são cada vez mais perniciosas, já que alteramos completamente decisões políticas no maior lance dos lobbies, e permitimos que os grandes interesses financeiros passassem por cima dos controles reguladores".
FONTE: O GLOBO
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