Sociólogo diz que alcance real dos protestos depende das condições de quem os lê
Roberto Dias
O franquismo dominava a cena espanhola quando um estudante de 18 anos decidiu entrar nos cinemas de Barcelona para alterar seu enredo.
Escolheu salas na periferia, aproveitou a escuridão para deixar folhetos de protesto nas cadeiras e terminou a noite com uma sensação: "As palavras que eu havia transmitido poderiam mudar algumas mentes que acabariam por mudar o mundo".
O objetivo principal não foi alcançado, e a ditadura espanhola perdurou até os anos 1970. Décadas mais tarde, ao descrever seu ato, Manuel Castells concluiu que ignorava coisas importantes da comunicação. "Não sabia que a mensagem só é eficaz se o destinatário estiver disposto a recebê-la e se for possível identificar o mensageiro e ele for de confiança", escreveu.
O jovem revolucionário acabou exilado em Paris, onde deu início a uma trajetória que fez dele um dos mais destacados sociólogos do mundo. Famoso por estudar sobre poder das redes e o impacto social da informação, Castells diz, em entrevista por e-mail, que o Facebook sozinho não é capaz de mudar a história.
Folha - Os jovens espanhóis que saíram várias vezes às ruas e acamparam em lugares como a praça Catalunya [na região central de Barcelona] continuam sem emprego, e a coisa piorou desde então. O movimento fracassou?
Manuel Castells - É a única esperança que sobra em um país com 27% de desemprego, 53% de desemprego juvenil e com apenas 26% dos cidadãos neste momento apoiando um dos dois grandes partidos. Hoje, 70% da população concorda com o movimento, porém não existe, por ora, uma expressão política institucional dessa crítica frontal a todo o sistema. Mas a mudança já aconteceu na cabeça das pessoas. E isso é o essencial na mudança social.
O sr. diz que esses novos movimentos, nascidos na internet, estão recriando a democracia. Mas no Brasil não é incomum que protestos organizados por dezenas de milhares no Facebook não cheguem a reunir centenas de pessoas na rua. Esses movimentos têm mesmo toda essa capacidade?
Isso depende das condições de cada país. Na Espanha, chegaram a ser centenas de milhares. Nos Estados Unidos, aconteceram ocupações urbanas em mil cidades. Na Itália, saiu daí o movimento Cinco Estrelas, o partido mais votado [nas eleições parlamentares deste ano]. No Chile, os estudantes mudaram o panorama político do país. Mas é claro que não basta um manifesto no Facebook para mobilizar milhares de pessoas. Isso depende do nível de descontentamento popular e da capacidade de mobilização de imagens e palavras. A internet é uma condição necessária mas não suficiente para que existam movimentos sociais.
Se o que aconteceu na Itália com Beppe Grillo [líder do Cinco Estrelas] pode ser considerado um desses movimentos, pergunto: para que ele serviu então? [Embora fosse o partido mais votado, recusou-se a negociar e acabou ficando fora do novo governo.]
O Cinco Estrelas se situa entre o movimento e a política, mas surge de um clamor, que existe na sociedade italiana, por uma verdadeira democracia. O que aconteceu é que seu êxito bloqueou um sistema corrupto a serviço de uma classe política que na Itália se chama "A Casta".
E o Partido Democrático, em vez de desmentir as suspeitas e mudar suas práticas, faz um governo de aliança com [Silvio] Berlusconi, depois de fazer uma campanha para acabar com ele.
É provável que o Partido Democrático se fracione e que aconteça uma recomposição do sistema político. O Cinco Estrelas não é um partido do governo, mas é uma força que faz o sistema se regenerar.
Como o sr. vê a evolução da crise de representação dos Parlamentos, e que papel a imprensa tem nisso?
Todos os dados mundiais, exceto os da Escandinávia, mostram o desprestígio total dos políticos, partidos e parlamentos. Se os cidadãos pudessem, mandariam todos embora, mas o sistema bloqueou as saídas.
A imprensa costuma estar mediada pelos empresários e por suas alianças políticas. Felizmente, a liberdade de comunicação tem dois aliados fundamentais: o profissionalismo dos jornalistas e a rede.
Marina Silva propõe a criação de um novo partido político, que tem o nome simbólico de Rede. É possível para um político que esteve nos partidos tradicionais reinventar-se nesses novos movimentos?
Em geral, eu diria que não. Mas, conhecendo Marina Silva, se alguém tem a possibilidade de fazer isso, seria ela. Terá, entretanto, de enfrentar todo o sistema, porque um ponto sob o qual todos os partidos estão de acordo é manter o monopólio conjunto do poder.
Os chineses aprenderam a controlar a rede? Seu firewall [muro de censura na rede] já é reconhecido como um exemplo de sucesso tecnológico, como disse a revista "The Economist".
Não. Como dizem meus amigos hackers chineses, a Grande Barreira é um tigre de papel. O controle se faz com robôs que utilizam palavras-chave, como Tiananmen [o nome local para a Praça da Paz Celestial], basta não usar essas palavras.
Mesmo que tenham introduzido novas medidas tecnológicas, não há como controlar os milhões de blogs individuais, que são onde se gera o debate social ""não na página da "Economist" na web.
O que será do Facebook em cinco anos? Se o Facebook quer ser o "melhor jornal personalizado do mundo", como disse Mark Zuckerberg, como ficará sua relação com os meios tradicionais?
Nunca faço previsões. Mas o Facebook tem sucesso porque é personalizado. Qualquer tentativa de utilizar as pessoas em vez de ser utilizado por elas levará a uma competição com centenas de outros, como aquela em que o Facebook liquidou o MySpace. Quem não tem boa perspectiva são os meios de comunicação tradicionais, a menos que se reconvertam no modelo de "jornalismo em rede" que tenho analisado recentemente.
Aos poucos se está mudando o consumo de informação na rede para um modelo em que nem tudo o que está nela é gratuito. Como vê o futuro do jornalismo nesse sentido?
É um grave erro cobrar por informação na rede, a menos que a informação seja profissionalmente relevante, como no caso do [jornal americano de economia] "Wall Street Journal". Com as alternativas que existem na rede, o que acontece é que simplesmente se desvia o fluxo de leitores para outros canais informativos e de debate.
Há 14 anos, o sr. esteve no programa "Roda Viva", da TV Cultura, e disse que São Paulo tinha uma terrível gestão urbana, comparando-a à de Barcelona. Por que as metrópoles brasileiras não conseguem dar o passo que deu Barcelona, mesmo numa transformação tão grande como a de agora para o Mundial?
Barcelona tem muito mais problemas atualmente, mas, ainda assim, é uma das melhores cidades do mundo, e a qualidade da administração municipal é um fator importante para esse resultado.
As metrópoles brasileiras têm muito mais dificuldades objetivas, por seus níveis de pobreza, de violência e da força dos interesses especulativos no solo urbano e nas infraestruturas de transporte e de serviços.
Se houvesse um pacto entre partidos e instituições para deixar de lado diferenças partidárias e fazer um projeto de gestão urbana, estou seguro de que seria tecnicamente possível. Hoje, existem recursos e capacidade profissional no Brasil para melhorar a gestão urbana. É preciso vontade política e sentido de serviço ao cidadão.
Fonte: Folha de S. Paulo
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