Candidata da coalizão oposicionista Nova Maioria volta ao poder em segundo turno marcado pelo baixo comparecimento dos eleitores
Ex-presidente volta ao poder, com 62% dos votos, em eleição marcada pela abstenção. Desafio é fazer as ambiciosas reformas tributária, educacional e constitucional, prometidas na campanha.
Eleições no Chile - Bachelet volta ao poder
Disputa com abstenção de mais de 50% premia agenda reformista da candidata socialista
SANTIAGO - A partir de março, Michelle Bachelet volta a ser presidente do Chile, cargo que ocupou entre 2006 e 2010, com a pressão de cumprir uma ambiciosa agenda de reformas prometida em campanha. A candidata da coligação de esquerda Nova Maioria confirmou seu favoritismo e recebeu 62% dos votos no segundo turno, enquanto a candidata do governo, Evelyn Matthei, ficou com 37% em uma disputa marcada pela abstenção de mais da metade dos eleitores.
O fato de muitos chilenos considerarem o resultado previsível foi apontado por analistas políticos como uma das principais razões para 53% dos 13,5 milhões de eleitores não terem ido às urnas — desde o ano passado, o voto é voluntário, ou seja, qualquer chileno em idade eleitoral não precisa de registro para votar. Outros especialistas viram no baixo comparecimento às urnas um recado de uma população insatisfeita para a classe política de forma geral. Políticos passaram todo o domingo incentivando, via redes sociais, a ida às urnas, mas não tiveram sucesso. A abstenção registrada ontem foi ainda pior que a do primeiro turno, quando 50% dos eleitores não votaram e Bachelet venceu com 46,7% dos votos, contra 25% de Evelyn.
— Estou feliz com o resultado e a vitória, e serei uma presidente para todos no Chile — disse a vencedora.
Amigas na infância e filhas de militares, as duas candidatas trilharam caminhos diferentes e acabaram em lados opostos do espectro político. O pai de Bachelet não aderiu ao golpe militar de 1973, foi preso, torturado e morreu na cadeia; o de Evelyn veio a se tornar um dos nomes mais poderosos da ditadura de Augusto Pinochet. Nas eleições, a candidata da Nova Maioria promoveu uma programa de governo ambicioso, de caráter reformista, no rastro das manifestações que levaram milhões de chilenos às ruas nos últimos anos principalmente em defesa de avanços na educação pública. Evelyn foi ministra no Gabinete do presidente Sebastián Pinera e virou candidata só depois que outros três nomes desistiram de concorrer pela coalizão governista Aliança pelo Chile. A defesa da classe média foi o cerne de sua campanha.
— O resultado é de minha exclusiva responsabilidade política — disse Evelyn, que depois de reconhecer a derrota foi dar os parabéns a Bachelet pessoalmente. — Não fui capaz de me recuperar, mas não me arrependo um só minuto de ter aceitado esta candidatura.
"Nenhuma das duas me convence"
Ainda pela manhã, o presidente chileno, Sebastián Pinera, foi cauteloso ao comentar as eleições e se valeu do fato de as duas candidatas serem mulheres para não se ver obrigado a abordar as escassas chances de vitória de Evelyn.
— A futura presidente sabe que, de nossa parte, terá uma atitude leal. Quero desejar toda a sorte para a futura presidente do Chile — disse Pinera, que ligou para Bachelet após a confirmação da vitória da opositora.
O presidente encerra 2013 com apenas 34% de aprovação popular, um baque para o primeiro governo de centro-direita eleito desde o fim da ditadura, em 1990. Entre os eleitores, o sentimento de mudança foi praticamente unânime, mas as manifestações da mesma aspiração se mostraram de forma diferente de acordo com o candidato apoiado.
- Fora do país é comum ouvir que este país está crescendo e evoluindo mais que os outros na América Latina, mas não pode ser apenas uma questão de crescimento — argumentou Paola Bustamante, de 40 anos, que disse tervotado em Bachelet. — Precisamos de reformas urgentes na educação, melhorias na saúde, e acho que Bachelet pode cumprir as promessas de mudanças profundas desta vez.
Já Olga Espinoza, de 62 anos, afirmou que também queria mudança, mas não com Bachelet. A eleitora lembrou o terremoto e o tsunami de fevereiro de 2010, quando a candidata da Nova Maioria, então presidente, foi criticada depois que o govemo falhou no alerta para a catástrofe.
— Eu não gosto de Bachelet. Ela fez muitas coisas ruins quando era presidente. — disse Olga, que contou ter votado em Evelyn Matthei. — Quantas pessoas morreram no terremoto por causa dela? Temos a mesma idade, o mesmo signo, mas não gosto de nada nela.
E há também os que simplesmente não foram às urnas, minando tanto uma possível vitória ainda mais elástica de Bachelet quanto uma inesperada reação de Evelyn. Raquel Baeza, de 37 anos, preferiu aproveitar o domingo para fazer compras de Natal em um shopping de Santiago e mostrou um pouco da pressão que a presidente eleita enfrentará neste novo mandato.
— Bachelet não me convence. Nenhuma das duas candidatas me convence — afirmou Raquel. — Sou de esquerda, mas preferia outra pessoa que não fosse Bachelet. Ela só cria comitês para o que ela quer fazer; ela não faz nada de concreto.
A aparente distância da política tomada por muitos chilenos pode dificultar a obtenção de respaldo para as reformas almejadas por Bachelet. Além de defender a elaboração de uma nova Constituição que substitua a atual, de 1980 e herança da ditadura de Augusto Pinochet, a presidente eleita quer aumentar impostos para empresas e, com isso, bancar investimentos em educação. Seus aliados têm uma curta maioria na Câmara e no Senado.
"Uma alta abstenção não tira a legi-mitidade do processo, mas em algum grau "desempodera" quem for eleita", provocou via Twitter a economista Maria Cecilia Cifuentes, integrante da campanha de Evelyn Matthei, ainda antes do anúncio dos resultados.
Fonte: O Globo
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