A campanha presidencial tem algo de insólito. Dilma pratica a auto-desconstrução, e seus adversários apostam no crescimento inercial à custa do desgaste dela
- Correio Braziliense
Estamos no curso da sétima campanha presidencial depois do fim da ditadura. Cada campanha foi única, marcada por circunstâncias próprias e pela personalidade dos atores envolvidos. A deste ano, entretanto, tem algo de mais atípico, na conduta dos candidatos, na ação dos partidos e na postura dos eleitores. E pairando sobretudo isso ficará, talvez até 20 dias antes do pleito, quando acaba o prazo para a troca de candidatos, este grande ponto de interrogação: Lula voltará ou não no papel de candidato, que ele encarnou durante 17 anos, de 1989 a 2006.
Não só a presidente Dilma, como candidata à reeleição, tem tido uma postura heterodoxa. Aécio Neves e Eduardo Campos são atípicos com suas campanhas que apostam na força inercial do desgaste de Dilma. Cresceram agora, graças ao desgaste dela com a crise da Petrobras, não à empatia do eleitorado com suas ideais e propostas para o país. Ninguém é capaz de dizer com segurança o que cada um deles faria na economia ou na gestão das principais políticas públicas.
Mas Dilma é ainda mais insólita, parecendo empenhada na autodesconstrução. Sua declaração de ontem, de que será candidata com ou sem apoio dos partidos da base, expressa sua incompreensão do modo brasileiro de fazer política, com todos os defeitos que ele tem. Sem os partidos da base, não haverá tempo de televisão, nem palanques nos estados. Não haverá campanha. O PT sozinho não faz verão e mesmo ele é um pote até aqui de mágoas com ela. Quando Dilma sangrou pela primeira vez, logo depois das manifestações de junho de 2013, em vez de se abraçar aos aliados, ela começou a brigar com eles. Os tubarões então atacaram. O ministro Ricardo Berzoini vem pacificando a base mas em alguns casos, sua ação é tardia. Vide o que fez o ressentido PR ao lançar o manifesto "Volta Lula".
Essas estranhezas, dela e de seus adversários, alimentam o "volta Lula", que ninguém sabe até onde vai crescer. Teoricamente, o PT tem o início de setembro para trocar Dilma por Lula na chapa. Mas quem colocaria o guizo no gato? Quem convenceria uma presidente que declara gostar do cargo a abdicar do direito à recandidatura? Lula nega mas há sinais de que se prepara para uma eventual emergência. Alguém já explicou, por exemplo, por que ele convenceu o empresário Josué Alencar, filho de seu ex-vice José Alencar, a filiar-se ao PMDB? Ele já tinha certa uma candidatura a governador pelo partido do pai, o PRB. Mas Lula pediu e ele atendeu. Ia ser candidato ao Senado mas desistiu de enfrentar o ex-governador Anastasia, que seria imbatível. Há quem diga que Lula levou Josué para o PMDB para chamá-lo como vice, caso precise ser candidato. Leal a Dilma ele é, como disse ela no jantar com jornalistas esportivos. Mas até que ponto estaria disposto a aceitar uma derrota do projeto longamente perseguido para não ofendê-la? Esta é a grande interrogação.
Uma palavra no cais
Nos últimos dois anos o Correio Braziliense propiciou-me o reencontro com o ofício de analista política, do qual me havia afastado em 2007, após exercê-lo por 22 anos seguidos no jornal O Globo. Deixei-o para enfrentar um desafio democrático, a implantação da tevê pública num país que nunca observara o equilíbrio entre radiodifusão privada, estatal e pública, tradição nas melhores democracias, preceituado pelo artigo 223 de nossa Constituição. Missão cumprida, apesar das incompreensões e agressões, o chamado do jornalismo se impôs e, pelas mãos do diretor de redação Josemar Gimenez, aportei aqui no Correio, escrevendo, às terças, quintas e aos domingos, esta publicada também pelos outros jornais do grupo Diarios Associados.
Foram tempos fecundos para um observador da cena política de nosso país: tempo de enorme desgaste para a atividade política, por conta das faltas de alguns atores e das enormes falhas do próprio sistema que não conseguimos reformar. Mas foram, por outro lado, tempos adventícios para a sociedade civil, que deu mostras de sua vitalidade e de uma nova e forte exigência em relação ao Estado e aos que o dirigem. Cheguei em 2012 e integrei-me ao esforço de cobertura das eleições municipais. Afora um crescimento do PSB e um enraizamento do PT no interior, o pleito apenas reproduziu as estacas mais fundas do sistema, que estão lá nos municípios. Em 2013, entretanto, vimos aflorar as grandes manifestações populares, que não davam o ar de sua graças desde as campanhas da transição, a das diretas e a de Tancredo Neves. Contados os votos de 2012, o navio da sucessão presidencial pôs-se ao mar, com sua carga de alianças, contradições e incertezas. E aqui estamos, numa campanha muito singular. Na passagem pelo Correio, tive a especial satisfação de participar da excelente série histórica "À Sombra dos Quepes", publicada na passagem dos 50 anos do golpe. É dever do jornalista mais maduro compartilhar com os mais jovens a experiência vivida.
Tudo vale a pena se a disposição não é pequena. Foi um boa parceria, mas chegou o momento da separação. Neste período, convivi com uma equipe admirável por sua garra e dedicação, dirigida por um editor que combina exigência e firmeza com suavidade, Leonardo Cavalcanti. Aprendi a admirar a argúcia de Josemar no comando do jornal, a energia monumental de Ana Dubeux como editora-chefe, a onipresença de Carlos Alexandre como editor-executivo. A todos, sou grata pelo convívio enriquecedor. Por fim, um agradecimento especial aos leitores de outros tempos que reencontrei e aos novos que chegaram, e que poderão continuar me encontrando como comentarista da RedeTV. Outros encontros virão.
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