- O Globo
Dizer que existe qualquer semelhança entre a figura publicamente sorumbática do ministro Teori Zavascki e Indiana Jones (Harrison Ford no filme) é coisa tão surpreendente quanto a notícia da manhã de quinta-feira de que ele suspendera o mandato de deputado do poderoso Eduardo Cunha.
Quem quiser usufruir 14 segundos de alegria poderá captar a essência do que aconteceu no Supremo Tribunal e na política brasileira. Basta ir à rede para ver (ou rever) a cena do confronto de Indiana Jones com o beduíno de roupas pretas. Pelo texto de George Lucas, Indiana Jones e o gigante duelariam. Um com seu chicote e o outro com uma cimitarra. Antes da filmagem, Harrison Ford propôs: “Vamos dar um tiro no otário”. E assim produziu uma das melhores cenas da História do cinema.
Pelo roteiro de Brasília, o STF deveria dizer se Cunha, como presidente da Câmara, estava ou não na linha sucessória. Seria um duelo do chicote com a cimitarra. Para surpresa do país e até mesmo de alguns ministros do Supremo, Teori Zavascki sacou o revólver e suspendeu o mandato de Eduardo Cunha.
O voto de Teori teve 79 páginas e nele listou uma dezena de malfeitos de Cunha. Desde tramas complexas a episódios comezinhos. Por exemplo, a polícia achou no bolso de seu paletó cópias de boletins de ocorrências relacionados com o deputado que relatava seu processo na Comissão de Ética da Câmara. Essas minúcias apenas confirmam o que todo mundo sabe, mas dezenas de maganos fingem desconhecer: o relator da Lava-Jato sabe muito, sabe coisas que o segredo de Justiça ainda protege. Teori construiu o cadafalso com paciência e método. Na hora certa, sacou e atirou. Se a bancada de Cunha na Câmara fosse menos audaciosa, teria apressado o seu julgamento no plenário. Agora marchará heroicamente para um vexame.
O beduíno da cena do filme podia ver que Indiana Jones tinha um revólver no coldre, mas acreditou na própria invencibilidade. No caso da turma de Cunha, acreditaram que em filme de Brasília ninguém mexe no roteiro.
Os dois mundos de Michel Temer
Na noite de quarta-feira o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, estava na casa do Jaburu, onde o vice-presidente Michel Temer vivia o esplendor da expectativa do poder. Na manhã seguinte Temer soube que o condestável do PMDB fora mandado para o estaleiro. À tarde, por unanimidade, o STF confirmou o relatório do ministro Teori Zavascki
Em menos de 24 horas Temer viu a diferença dos dois países em que vive. Num, é o príncipe de uma oligarquia política e empresarial. Noutro, chegará à Presidência levado por dois fatores estranhos e hostis aos marqueses. Nele estão a rua e a Operação LavaJato.
No mundo das armações de Brasília Temer poderá entregar o Ministério da Ciência e Tecnologia ao pastor Marcos Pereira, presidente do PRB (a sigla significa Partido da República Brasileira). No Brasil real, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da UFRJ, vai-se embora para a Universidade Vanderbilt levando o que sabe e seus cachorros. No mundo real, Temer assumirá um país com três epidemias (dengue, zika e H1N1). No das tramas, não conseguiu colocar o cirurgião Raul Cutait no Ministério da Educação porque a pasta pertence ao Partido Progressista, que não gostou da ideia. Ganha uma viagem a Porto Seguro quem achar o trecho da carta de Caminha em que ele diz que a Saúde pertence ao PP.
Há uma mudança em curso no Brasil, e o ministro Teori Zavascki mostrou isso. Há pessoas que não percebem os tempos em que vivem. D. Pedro II foi banido, Washington Luís, deposto, e João Batista Figueiredo, esquecido.
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