Sob o impacto dos vídeos e áudios das delações dos donos e ex-executivos da Odebrecht - devastadores da credibilidade do sistema partidário, das lideranças das duas Casas do Congresso e do cerne do governo federal – o presidente Michel Temer partiu, decidido e acertadamente, para preservar as condições político-institucionais de aprovação das reformas trabalhista e da Previdência. Aposta dificultada pelo respaldo, ostensivo ou velado, às fortes resistências corporativistas por parte de dissidentes da base parlamentar governista; parcela deles objetivando alianças eleitorais em 2018 com o lulopetismo e outros grupos antirreformistas que lhes possibilitem reeleger-se tendo em vista sobretudo a manutenção do foro privilegiado ante os processos decorrentes das investigações da operação Lava-Jato, e paralelas. Ou (aposta), ao contrário facilitada pela predominância no conjunto dos parlamentares de uma postura constituída por dois ingredientes: a compreensão do imperativo, econômico e social, das reformas (sobretudo a previdenciária), e a pragmática avaliação de que o mais adequado para a defesa e a renovação dos mandatos será o apoio “responsável” às reformas, até porque postas em prática elas deverão ter resultados expressivos capitalizáveis nos pleitos do final do próximo ano.
A perspectiva da articulação enunciada no título acima parece hoje – especialmente sob o impacto das referidas delações – destituída de qualquer viabilidade e até de um senso lógico. Pois as reformas são propostas e terão de ser aprovadas por duas instituições envolvidas nos processos (a rigor pré-processos) de apuração de escabrosos atos de corrupção: o governo Temer (seu núcleo político, inclusive o presidente) e o Congresso (as principais lideranças e o comando das duas Casas). Enquanto os condutores das investigações empenham-se – com o respaldo da cúpula do Judiciário e amplo apoio da sociedade – em aprofundá-las para a punição de todos os culpados.
O que, porém, embasa a perspectiva enunciada não são as contradições, aparentemente antagônicas, entre os processos anticorrupção e as propostas de reformas. Mas o resultado convergente de ambos – buscado explicitamente por estas e muito favorecido por aqueles; o desmonte do gigantismo estatal (sobretudo na União e também nas outras duas esferas do poder público), fator básico das negociatas entre corruptos e corruptores. Negociadas com prática bem antiga, mas intensamente exacerbadas, com a conversão em verdadeira política de Estado, nos governos lulopetistas. Novas dimensão e características bem evidenciadas pelo salto dos gastos com propina, confessado pelos delatores da Odebrecht: de US$ 60 milhões em 2006 para US$ 730 milhões em 2012 e para 2013, com o departamento de “Operações Estruturadas” tendo movimentado US$ 7,3 bilhões, o equivalente a mais de 10 bilhões de reais, entre 2006 e 2014. Recursos vultosíssimos mas apenas uma fração dos aditivos contratuais que elevaram criminosamente os custos das obras públicas, com o sacrifício de investimentos relevantes na infraestrutura econômica e social.
E com outro salto que agravou as distorções do sistema político-partidário – o do custo das campanhas eleitorais competitivas. Institucionalização da propina conduzida centralmente , segundo a confissão, através dos ministros da Fazenda Antonio Palocci e Guido Mantega. Envolvendo bilionários contratos da Petrobras, das demais estatais e dos vários ministérios (todos aparelhados partidariamente), bem como a manipulação de financiamentos do BNDES, dos outros bancos federais e dos fundos de pensão. De par com a compra de Medidas Provisórias, a concessão de isenções e desonerações fiscais seletivas, e o esvaziamento das agências reguladoras. Tudo isso acertado com o “Amigo” Lula e com o respaldo de sua afilhada e sucessora Dilma Rousseff.
Ora, as mudanças constitucionais e legais já conseguidas e das propostas pelo governo de transição do presidente Michel Temer, dependentes do Congresso, no exercício democraticamente insubstituível de sua função institucional – da PEC do controle dos gastos públicos à do sistema previdenciário –, articuladas com metas e ações de equipes qualificadas na direção do ministério da Fazenda, da Petrobras, do Banco Central, do BNDES, do Banco do Brasil, estão pondo em xeque e desmontando esse corrupto e predatório gigantismo estatal. E propiciando progressiva afirmação de uma agenda federal reformista, modernizadora (desdobrada na abertura de vários governadores e em especial dos novos prefeitos a parcerias com a iniciativa privada para respostas a agudas carências de investimentos). Agenda que, conseguindo superar as enormes resistências corporativistas, precisará combinar políticas macro e microeconômicas (assim como as que se voltam ao desenvolvimento social) baseadas em critérios de realismo e eficiência, com transparência efetiva e sem espaço para negociatas. Para o quê a Lava-Jato está dando grande contribuição – a ser necessariamente mantida com a persistência de rigorosos controles éticos das decisões e das relações dos poderes Executivo e Legislativo.
*Jarbas de Holanda é jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário