- Valor Econômico
Órgãos de controle importam mais que reforma política
No primeiro dia útil depois da Páscoa, um juiz federal do Brooklyn, em Nova York, confirmou o acordo que levará a Odebrecht a pagar US$ 2,6 bilhões em multa ao Estado brasileiro, americano e suíço. A notícia foi comemorada no dia seguinte em carta aos seus funcionários como o último passo para a empresa, exposta como nunca dantes durante o feriado, voltar a contratar nos Estados Unidos.
Os delatores parecem movidos pela necessidade de sobrevivência - sua e da empresa. A decisão da justiça americana e o expurgo público ainda estão longe, no entanto, de recolocar a Odebrecht na roda. Há pedágios no caminho. A partir deles haverá como saber se a Lava-jato terá sido capaz de promover, de fato, uma refundação nos negócios do Estado.
Na praça pedagiada do ministério público em Curitiba, a delação entra como aquele dispositivo que os carros pagam para colocar no para-brisas e garantir passagem livre. Mas o caminho ainda tem lombadas patrocinadas por três órgãos de controle da União, Tribunal de Contas, Controladoria Geral, e Advocacia-geral e até pelo Congresso Nacional para chegar naquela que é, no momento, a terra prometida, as linhas de crédito do BNDES.
A presidente do banco, Maria Silvia Bastos, emitiu sinais dúbios sobre a possibilidade desse crédito voltar a fluir. Já disse que a leniência firmada pela empresa em Curitiba regularizou seu cadastro, mas ponderou, por outro lado, que o entendimento de todos os órgãos de controle daria maior segurança à reabertura das linhas de financiamento.
Na versão de Emílio Odebrecht foi a falência do governo anterior em aprovar regras consensuais para a leniência que o levou a fechar o acordo de delação com o ministério público. O presidente Michel Temer tanto sabia disso que colocou um advogado com quatro décadas de Brasília na Controladoria Geral da União para cuidar do angu. Ainda aposta em acordo mas não descarta que sua frustração pode levar o governo a editar medida provisória para regular a leniência, mesmo caminho tomado, e fracassado, por Dilma Rousseff.
As regras passam por um emaranhado de atribuições mais importantes para o controle da corrupção do que a propalada reforma política. A Odebrecht sempre resistiu a firmar leniência com o Executivo por não ter garantias de que o acordo se estenderia ao ministério público. O MP, por outro lado, sempre resistiu a aceitar que pudesse partir do Executivo, parte investigada no inquérito, a celebração do acordo.
A dificuldade em colocá-los do mesmo lado do balcão é o que explica, em grande parte, porque o cofre da lojinha foi arrombado. O ministério público percebeu que a leniência era um instrumento poderoso para negociar com os colaboradores o fornecimento de provas do inquérito. Valeu-se do acordo firmado pela Odebrecht com o Departamento de Justiça americano e avançou. Com a leniência, a delação começou a ganhar escala e incomodar os demais poderes.
A disputa entre os órgãos de controle do Executivo e do Legislativo é pela prevalência na mediação nos negócios do Estado. É um leilão em que a empresa pesa custo e benefício de fechar leniência com este ou aquele órgão e termina sem garantia de que o escolhido prevalecerá sobre os demais.
O TCU não reconhece no MP prerrogativa para dar quitação às empresas infratoras nem competência no CGU para definir o valor dos danos por elas causados. O tribunal passou a questionar os valores acordados entre os procuradores e a empresa acusando-os de serem lesivos ao Estado porque desprovidos de meios de auferir os prejuízos causados.
Sobre o tribunal recaem pressões do Legislativo onde se alimentava, até muito recentemente, a ilusão de que seria possível questionar as delações embaralhando as cartas da leniência. Não há previsão na lei brasileira, por exemplo, de uma auditoria externa que estabeleça as condições financeiras de a empresa cumprir a leniência firmada.
A omissão da lei abre espaço, por exemplo, para que a disputa entre os órgãos de controle majore excessivamente a empresa a ponto de obrigá-la a negociar no Congresso, com os métodos que a Lava-jato deu a conhecer, um perdão às multas e penalidades acordadas.
A CGU tem buscado entendimento com o ministério público em torno dos critérios para a precificação de danos. Bancado pelas duas instituições, o acordo seria mais facilmente aceito pelo plenário do TCU. O acordo avança, mas não sem levantar reticências em relação aos interesses encastelados num Executivo que tem oito ministros arrolados nos inquéritos da Lava-jato e um presidente que, ao deixar o cargo, ao que parece, também fá-lo-á.
Advogados da empresa aferram-se à leniência firmada em Curitiba, sem aditivos ou quaisquer adicionais a serem estabelecidos pelas demais instâncias, como condição suficiente para voltar ao jogo. A empresa parece ter menos interesse num mercado interno paralisado por crise que ajudou a produzir do que na demanda americana fomentada por um presidente-construtor.
O discurso da Odebrecht atribui aos controles internos exigidos pelo Departamento de Justiça americano a capacidade de auferir a lisura que, agora se atesta, lhe faltou ao longo de sua história. Parece não temer a ameaça de concorrentes estrangeiros que, ao longo desta crise, se limitaram a conquistar alguns poucos contratos que não envolveram investimentos no país.
Dias antes da divulgação dos inquéritos, fazia-se, em Brasília, uma premonição sobre o futuro deste mercado sob a inspiração da primeira república francesa. A burguesia (empreiteiras) fez acordo com o clero (judiciário) para destruir a nobreza (políticos). Estariam dadas, portanto, as condições para que a nobreza propicie os meios para o surgimento de uma nova burguesia.
Os inquéritos mostraram a nobreza mais encalacrada do que se imaginava. Os próximos capítulos da Lava-jato mostrarão se o clero será capaz de manter o comando do espetáculo. A burguesia passa, sim, por mudanças. O país sairá melhor dessa se a primeira delas for a devolução, ao Estado, da capacidade de planejar o desenvolvimento do país a partir do interesse nacional e do bem-estar da plateia.
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