Segundo depoimentos da Odebrecht, imóvel foi reformado para uso do ex-presidente; engenheiro diz ter comprado cofre para guardar dinheiro destinado à obra
Ricardo Brandt, Fausto Macedo, Luiz Vassallo e Julia Affonso | O Estado de S. Paulo
Ao menos cinco delatores da Odebrecht relataram à Procuradoria-Geral da República detalhes sobre a reforma feita em um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, que investigadores suspeitam ser do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre eles, o patriarca da família, Emílio Odebrecht, disse ter informado Lula sobre o andamento da obra em reunião no Palácio do Planalto. Também delator, o engenheiro Emyr Diniz Costa Júnior afirmou ter comprado até um cofre para guardar o dinheiro usado para reformar o imóvel.
Os depoimentos reforçam as suspeitas da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba de que Lula é o real proprietário do imóvel e as benfeitorias serviram de contrapartida da empreiteira pela atuação do petista em favor do grupo na época em que foi presidente, o que configura propina. Um inquérito aberto há cerca de um ano sobre o caso foi prorrogado em janeiro e está em fase final.
O principal argumento da defesa de Lula é de que a propriedade não está em seu nome, mas no de Fernando Bittar e de Jonas Suassuna – ambos sócios de um dos filhos de Lula. A defesa admite, porém, que o ex-presidente esteve no imóvel algumas vezes com a família.
Para investigadores, as suspeitas são de que o registro em nome de outras pessoas seria uma forma de Lula ocultar o patrimônio.
Em sua delação premiada, o patriarca da construtora, Emílio Odebrecht, disse ter relatado a Lula em reunião no Palácio do Planalto, em 2010, que as obras no sítio ficariam prontas no mês seguinte. O encontro, segundo ele, ocorreu no fim do ano, próximo do fim do mandato do então presidente.
Emílio relatou aos procuradores que, no encontro, o petista não teria ficado “surpreso” com a informação. “Eu disse: ‘Olhe, chefe, o senhor vai ter uma surpresa e vamos garantir o prazo que nós tínhamos dado no problema lá do sítio’.” Anotações e e-mails foram entregues pelo delator como forma de comprovar a reunião.
Um dos principais interlocutores da Odebrecht com Lula, o ex-diretor de Relações Institucionais Alexandrino Alencar, afirmou que o pedido para a reforma no sítio foi feito pela então primeira-dama, Marisa Letícia, que morreu em fevereiro.
“Ela me falou sobre um sítio e me perguntou se a companhia poderia ajudá-los a finalizar obras e reformas que estariam atrasadas, porque a equipe que fazia o trabalho estava com desempenho medíocre”, afirmou. Segundo o delator, Marisa disse que ela e o ex-presidente pretendiam frequentar o imóvel a partir de janeiro do ano seguinte.
Além dos depoimentos nos quais relata sua relação com Lula, Alexandrino entregou aos procuradores uma relação de nove episódios em que a empreiteira atendeu a pedidos do ex-presidente. Segundo ele, eram “contrapartidas ao apoio e à influência política recebidos ao longo do tempo pelo atendimento das questões de interesse da companhia”. Na lista consta, além do sítio em Atibaia, itens como a construção do estádio do Corinthians, em Itaquera, e uma mesada para Frei Chico, irmão de Lula.
Alexandrino também afirmou que, em 2011, procurou o advogado Roberto Teixeira, amigo de Lula, para acertar uma maneira de “formalizar” as obras. Na ocasião, segundo o delator, eles combinaram de forjar notas para justificar os gastos na reforma. “Ele estava preocupado, digamos, como é que poderia aparecer essa obra sem um vínculo com os proprietários do sítio”, disse o ex-diretor. Ao todo, segundo ele, a Odebrecht gastou R$ 1 milhão na obra.
Em depoimentos, o ex-presidente da empreiteira Marcelo Odebrecht e o ex-diretor da empresa em São Paulo Carlos Armando Paschoal também tratam da obra no sítio.
Cofre. Destacado pela empresa para acompanhar a reforma, o engenheiro Emyr Diniz Costa Junior disse em sua delação que ajudou a elaborar um contrato falso para esconder a participação da Odebrecht. Ele afirmou ainda que comprou um cofre para guardar R$ 500 mil repassados, em espécie, pela empreiteira para executar a obra.
De acordo com o engenheiro, o dinheiro saía do Setor de Operações Estruturadas, o “departamento da propina” da empreiteira. “Eu liguei para ela (secretária do setor) e pedi os R$ 500 mil. Como eu nunca tinha manejado, em uma obra, uma soma dessa natureza, eu comprei um cofre especificamente e coloquei dentro de um armário na minha sala, dentro do meu escritório.”
Segundo Costa Júnior, o pedido feito pelo então ajudante de ordem da Presidência Rogério Aurélio Pimentel era para construir uma “pequena casa para alojamento dos seguranças do presidente”, “um campo de futebol”, “uma edícula de quatro suítes atrás da casa principal do sítio”, “uma adega para os vinhos de Lula”, além da construção de uma sauna.
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