A aparente tendência da base governista na Câmara de dificultar a aprovação das reformas propostas pelo governo Temer, como revelou o Estado em reportagem publicada na sexta-feira passada, é um dos sintomas mais preocupantes da má política praticada, em particular, por quem tem a responsabilidade da representação popular. Deputados da bancada governista têm levado ao Palácio do Planalto a avaliação de que está cada vez mais difícil aprovar a reforma da Previdência, porque “as bases estão contra”. É fácil transferir para o eleitor anônimo a culpa pela rejeição de uma proposta governamental que, por definição, o deputado da base aliada tem o dever político – e, neste caso, também o dever cívico – de viabilizar.
A legítima representação popular implica não apenas o representante eleito ter sensibilidade para conhecer os anseios de seus representados, mas também capacidade e determinação para orientá-los sobre o que ele, com a responsabilidade que o mandato parlamentar lhe impõe, entende ser o melhor para si, para o eleitor e para a comunidade, ainda que isso exija a busca da conciliação de eventuais interesses divergentes. Esse é o papel da liderança responsável. Negligenciá-lo é praticar a má política.
É fácil, também, atribuir ao caráter “impopular” da agenda do governo a tendência dos cidadãos de rejeitarem as reformas propostas. Quem alardeia a “impopularidade” dos projetos governamentais é a oposição, à qual só interessa destruir ou paralisar todas as iniciativas do governo, qualquer que seja o preço que o País terá de pagar por essa irresponsabilidade. À base aliada cabe refutar os argumentos de quem tem interesse eleitoral no combate a reformas que, se é verdade que podem significar sacrifícios no presente, representam a garantia da manutenção de benefícios que, sem as mudanças ora em discussão, estarão comprometidos no futuro. Basta o eleitor não estar intoxicado pelo populismo irresponsável para entender que reformas como a da Previdência são essenciais à busca do equilíbrio das finanças públicas, ou seja, para que a União tenha condições de continuar pagando os benefícios previdenciários sem precisar interromper suas ações e seus planos em áreas igualmente vitais, como saúde, educação, segurança e infraestrutura sob sua responsabilidade.
Decerto muitos aproveitam a oportunidade para chantagear o governo, cobrando vantagens às vezes inconfessáveis em troca de uma fidelidade que deveria se basear em identidade programática e em compromisso com a governabilidade, e não em distribuição de vantagens. Esse é o pior aspecto da má política.
Durante muito tempo a capacidade de articulação política do presidente Michel Temer e a experiência no trato com os deputados desenvolvida nos três mandatos que exerceu como presidente da Câmara foram colocadas como garantias suficientes para manter uma base aliada unida em torno dos projetos de reforma que a crise econômica, política e social exige. A aprovação com relativa folga de votos da PEC do Teto dos Gastos, na votação em dois turnos tanto na Câmara como no Senado, em dezembro, parecia sinalizar uma tramitação tranquila para as propostas do Planalto.
Mais recentemente, a derrota na Câmara de projetos como o do chamado Cartão Reforma e da PEC que permitia às universidades públicas cobrar cursos como os de pós-graduação, somada à aprovação apertada do projeto que regulamenta a terceirização, tem levado os estrategistas do governo a rever os termos da negociação com os parlamentares reticentes da base. A reforma da Previdência impôs ao governo um novo desafio, o de negociar – mas sem recuar – pontos de um projeto naturalmente de grande complexidade e que afeta muitos interesses. O que os cidadãos responsáveis esperam é que a capacidade de negociação e a habilidade política do presidente da República levem a um projeto que, mantendo a essência de sua versão original, alcance a aprovação do Congresso.
O conjunto de episódios inoculados pela má política está a exigir como antídoto uma ampla e profunda reforma política, especialmente focada na organização e funcionamento dos partidos. Se o atual Congresso não for capaz de aprovar tal reforma, será imperativo que o próximo, eleito pelo voto consciente dos cidadãos brasileiros, o faça.
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