- O Estado de S. Paulo
Pela primeira vez desde o fim da ditadura, um candidato presidencial tem chance de lacrar mais de 10% dos votos na ponta mais conservadora do eleitorado. Antes de Jair Bolsonaro, Paulo Maluf foi quem chegou mais perto, ao obter 9% em 1989. Enéas bateu 7% em 1994, mas virou folclore. Desde então, os eleitores conservadores se dispersaram e, mais recentemente, acabaram inchando o balaio de votos de presidenciáveis do PSDB. Não mais.
A evolução de todas as pesquisas de intenção de voto mostra os três mais emplumados tucanos – Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra – em rasante cada vez mais baixa na proporção em que Bolsonaro decola. O eleitor de arribação ouve a própria voz nas declarações extremadas do ex-militar eleito deputado. Não são poucos: pelo Ipsos, Bolsonaro tem potencial de 14%, fora o desconhecimento autodeclarado de um terço do eleitorado.
Essa ponta, portanto, parece ocupada. A outra também.
A ressurreição eleitoral de Lula se dá da periferia para o centro. A porção que o petista parece recuperar de seu eleitorado está concentrada – segundo as mesmas pesquisas – entre os mais pobres, menos escolarizados e nas minorias estigmatizadas por Bolsonaro. Ao contrário de 2002 e 2006, Lula terá que radicalizar seu discurso para consolidar esse eleitor.
O ex-presidente vai disputar seu campo prioritário com os candidatos do PSOL e, eventualmente, da Rede. Pelas pesquisas disponíveis, Lula tem, hoje, um quarto das intenções de voto, com potencial para chegar a um terço, talvez um pouco mais.
Essa ocupação das pontas deixa um grande vazio no centro: no mínimo um terço do eleitorado sem candidato, com chance de passar da metade. A possibilidade de haver entre 35% e 60% de eleitores órfãos é música hipnótica para os partidos. Atrairá mais candidatos a presidente do que o flautista de Hamelin.
Daí a comparação de 2018 à eleição de 1989 e seus 21 presidenciáveis. Foi a única de sete vezes em que a soma dos votos dos dois primeiros colocados não chegou nem a 50% da votação total do primeiro turno. Desde então, os candidatos petista e tucano levaram, juntos, de 70% (2002) a 90% (2006) do total.
Hoje essa polarização acabou. Pode ressuscitar? Apenas se o PSDB encontrar um candidato carismático o suficiente para, ao mesmo tempo, fazer frente a Lula e tirar votos de Bolsonaro. Nada indica que os já derrotados pelo lulismo – Aécio, Alckmin e Serra – tenham esse perfil. Daí o frenesi dentro e fora do PSDB em torno de João Doria e seus inéditos 43% de ótimo e bom (Datafolha) nos primeiros três meses como prefeito de São Paulo.
Viabilizar Doria como candidato tucano a presidente não é simples, porém. Além de superar a oposição do padrinho Alckmin, ele precisa ganhar visibilidade nacional (vem tentando através das mídias sociais, principalmente do Facebook, mas ainda é desconhecido por 39% no Ipsos), tornar-se o anti-Lula (no que se empenha desde a campanha a prefeito em 2016, pelo menos) e ainda fazer frente a Bolsonaro e seus militantes virtuais.
Talvez essa última necessidade explique os panos quentes que o prefeito aplicou diante do enfrentamento entre seu secretário da Educação e o MBL. Alexandre Schneider virou alvo após criticar o vereador do movimento, Fernando Holiday, por ele ter entrado em escolas municipais para ver se havia “doutrinação ideológica por parte de professores”. O MBL sabe que Doria precisa de seu arsenal virtual para avançar no território de Bolsonaro.
Se Doria não se viabilizar no PSDB, abrem-se duas possibilidades não necessariamente excludentes: a pulverização do centro como em 1989 e/ou o surgimento de um Collor 2.0 em outro partido. Talvez o próprio Doria.
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