Ivan Martínez-Vargas | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Para o cientista político americano Larry Diamond, professor da Universidade Stanford, o panorama atual para a democracia e suas perspectivas no curto e médio prazos não é nada bom.
Segundo Diamond, populismos e posições extremistas à direita e à esquerda têm ganhado força como resultado do descrédito dos regimes democráticos ao redor do mundo. Para ele, Putin, Trump, Maduro, Le Pen e Erdogan têm em comum uma verve autoritária e intolerante.
A falta de fé na democracia, segundo o especialista, nasce e se dissemina somente quando há mau governo, abuso de poder ou instituições frágeis. Porém, as alternativas autoritárias têm vida curta porque não são capazes de atender aos anseios populares de mais liberdade e menos corrupção.
O caminho, diz o americano, passa pelo aprofundamento das instituições e pela criação de regimes democráticos que consigam ir além da transparência nas eleições e consigam, também, garantir justiça social e representatividade.
Diamond esteve no Brasil na semana passada para uma série de eventos de lançamento da Coletânea da Democracia, obra editada pelo Instituto Atuação e que inclui textos de sua autoria.
Leia a entrevista:
Folha - O sr. diz que vivemos numa recessão da democracia no mundo. O que o leva a fazer essa afirmação?
Larry Diamond - Nos últimos dez anos, a democracia no mundo começou a cair, de acordo com medições como a da [ONG] Freedom House. E os regimes autoritários projetam hoje uma autoconfiança maior que no passado.
Os fatores comuns mais visíveis nos casos de retração da democracia são má governança, corrupção e abuso de poder. Isso faz com que a população perca a fé na democracia. Uma justiça que falha em identificar e punir abusos também piora a situação.
Quais as perspectivas para a democracia no mundo para os próximos anos?
Há um desejo humano natural de ter liberdade, dignidade, de ter seus direitos protegidos. São coisas difíceis de se garantir em um regime autoritário. Por isso, não acredito que esses regimes serão bem-sucedidos no longo prazo.
Mas democracia precisa governar bem, ter boa performance tanto no campo econômico quanto na hora de atingir objetivos que a população demanda em temas como a responsabilidade de agentes públicos e respeito às leis. É aí que há falhas hoje em dia.
Mas até que ponto esse ceticismo com a política leva à escolha de caminhos alternativos e não comprometidos com a democracia?
Isso tem levado populações a optarem por líderes populistas e alternativas autoritárias que representam um risco à democracia. Isso ocorreu nas Filipinas, no ano passado, e há um crescente apoio a essas alternativas na Europa.
O sr. classifica líderes como Putin, Maduro, Le Pen e Trump como populistas. O que define um populista?
Populista é alguém que faz apelos diretos à população sem mediação de instituições como partidos, o Congresso e a imprensa. Busca ter uma relação direta com a massa. Alega ser o único representante legítimo do povo, ameaça o pluralismo. E todos os movimentos populistas, à esquerda e à direita, não toleram a divergência.
A comunidade internacional deve reagir a esse tipo de atitude? Como?
Líderes populistas que violam normas e princípios da democracia deveriam ser advertidos e punidos. Temos falhado em fazer isso.
As organizações internacionais também precisam responder de maneira sistemática a alguns dos desafios políticos que impulsionam o populismo, como a imigração descontrolada na Europa e o desemprego resultante da imigração econômica em um mercado livre. Precisamos de abordagens multilaterais que tentem gerir fluxos de imigração e choques econômicos da globalização de modo a não restringirmos liberdades, mas sem deixar de responder às preocupações populares.
Como você enxerga a situação da democracia no Brasil aqui e as perspectivas para o país?
Sou esperançoso, acho que o país sairá dessa crise política com forte compromisso com o Estado de Direito e a boa governança.
E espero, na medida em que as acusações de corrupção e suborno contra políticos sejam julgadas, haja ajuste de contas efetivo. Não será possível reforçar o Estado de Direito, reformar o sistema político, os partidos, o financiamento de campanha e aprofundar a democracia brasileira se os flagrantes casos de corrupção não forem punidos em um processo justo e transparente.
Há sentimento de desilusão com o sistema político e com os políticos em geral no país. Quais os riscos dessa descrença e dessa situação?
Esse tipo de caso, em que há a baixa eficiência do sistema democrático em resolver problemas, tem ajudado a eleger populistas no mundo. Seria difícil descartar a possibilidade de que isso possa ocorrer no Brasil.
Você diz que regimes autoritários como Rússia e China estão tentando disseminar "valores autoritários". No caso da Rússia, essa não é uma afirmação nova, mas, no caso da China, sim. Como o país estaria fazendo isso?
A China é mais sutil. Está fundando unidades do Instituto Confúcio em todo o mundo para disseminar sua cultura. Ao fazê-lo, promove seu sistema, inclusive a natureza autoritária de seu pensamento.
Além disso, a China censura, reprime e intimida a liberdade de expressão e de opinião de seus críticos. Não só dentro de suas fronteiras, mas também no exterior. O regime tem buscado fazê-lo com jovens estudantes chineses que estudam no exterior, por exemplo.
Eles recebem instruções de Pequim e organizam protestos se identificam qualquer atividade que consideram anti-China. Os estudantes que têm pensamento mais independente temem ser espionados e denunciados. E a China tem seu aparato de propaganda também, que ressalta pontos positivos do regime.
O sr. afirma que regimes autoritários hoje são mais resilientes, mas coloca em dúvida a estabilidade do regime chinês. Por quê?
O capitalismo de compadrio tem deixado marcas na China. Há ali uma corrupção massiva que leva a distorções econômicas que a tornam mais vulnerável a crises econômicas. Isso pode minar a estabilidade do regime.
Também há mais divisões no interior do Partido Comunista do que aparenta. Além disso, o desenvolvimento econômico tende a aumentar níveis de educação e informação, levando a mais contestação. Para permanecer estável, o sistema precisa se adaptar e permitir algum grau de pluralismo.
No caso chinês, o regime está indo na direção oposta, colocando mais pressão. Se continuar, a situação vai explodir em algum momento.
Alguns especialistas afirmam que a vitória de Trump e do "brexit" são sinais de que vivemos em uma era da pós-verdade. Qual a sua opinião sobre isso?
Nós estamos vivendo em uma era de muita informação ruim, distorcida ou deliberadamente falsa. E ela é distribuída por meio das redes sociais e é tomada pelos consumidores mais ingênuos como fato. Vivemos em bolhas de opinião: as pessoas não conversam umas com as outras para chegar a um terreno comum.
A vitória de Trump pertence a essa nova realidade político-social. Os Estados Unidos sempre foram uma democracia falha, como a maioria das democracias. A questão é que, nos EUA, o enfraquecimento da democracia tornou-se mais sério como resultado da alta polarização e de mobilizações populistas.
Recentemente, Trump demitiu o diretor do FBI e levantou questionamentos sobre sua intenção com a medida, pois James Comey coordenava investigação sobre o envolvimento da campanha do republicano com o governo russo. Você vê alguma possibilidade disso gerar uma crise política ou impeachment?
É uma questão extremamente séria. Se o presidente dos Estados Unidos demite o diretor do FBI para parar uma investigação sobre suas atividades de campanha, isso é o começo de uma crise política na administração.
No momento, seria difícil cassar o mandato de Trump porque os republicanos controlam a Câmara e o Senado e eles não têm mostrado desejo de desafiar o presidente dessa forma. Mas acredito que, se houver mais evidências, é possível que o impeachment possa ocorrer.
Quais os atuais desafios da democracia americana com um presidente como Trump?
O mais imediato é ter um presidente que não tem respeito pela Constituição nem pelo Estado de direito. O mais urgente é fazer as instituições trabalharem para descobrir a verdade sobre o que ocorreu na campanha e punir aqueles que violaram a lei por meio do devido processo.
Também temos que nos proteger de vulnerabilidades que tornaram possível uma interferência russa no sistema eleitoral americano. E há problemas de polarização política que precisam ser resolvidos através de reformas do sistema eleitoral e partidário que permitam novas vozes e mais independência. É preciso dar incentivos à moderação, e não deixar que os extremos à esquerda e à direita controlarem nomeações dos partidos.
Essa polarização ocorre em diferentes lugares do mundo...
Sim, parece ser tendência global. E acho que as redes sociais são o principal meio para isso. Precisamos encontrar formas de remodelar essa paisagem.
Na França, a vitória de Macron não foi apertada, mas Le Pen conseguiu uma significativa votação para se viabilizar nas próximas eleições. Como você vê o cenário lá?
Se Macron não for bem-sucedido em responder a anseios da população francesa, restaurando o crescimento econômico e enfrentando os desafios da segurança nacional em relação ao terrorismo, uma direita nacionalista, racista, autoritária e populista como a de Le Pen pode se viabilizar. Mas eu diria que ele tem uma chance real de fazer um governo bem-sucedido.
Falando sobre o caso venezuelano: pode-se dizer que a Venezuela não é mais uma democracia? Quais as opções dos venezuelanos para resolver a crise?
Poderíamos dizer isso há mais de 10 anos. Desde que o plebiscito que Chávez fez para tentar impor uma reforma à Constituição, em 2004, há evidências de intimidação, fraude e de um sistema eleitoral em declínio. Há um partido com crescente hegemonia no poder e podemos dizer que não existem mais eleições livres e justas.
Mas a mobilização popular pode levar a uma mudança no regime. Hoje, a opção mais viável seria esperar a próxima eleição.
É preciso unificar a oposição e desafiar o regime autoritário para dividi-lo. Essa oposição deve mandar sinais claros para membros do regime, do partido no poder, aos militares e para outros elementos do establishment político dizendo o óbvio, que o regime é insustentável. E que, se eles saírem da máquina pública e ajudarem na transição, não serão processados, e o país poderá recomeçar sob um governo de coalizão.
E qual o papel que a comunidade internacional deve exercer no caso venezuelano?
Se o Brasil não estivesse numa crise econômica severa e se tivesse um presidente legitimado, ele poderia reunir seus colegas na região, ir até Maduro e dizer: é hora de você sair. Se você renunciar, será deixado em paz.
É legítimo que presidentes democraticamente eleitos da região, particularmente os sul-americanos, ofereçam uma mediação que possa acelerar a transição democrática e salvar a Venezuela do completo colapso.
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