Sylvia Colombo / Folha de S. Paulo
BUENOS AIRES - O Chile que vai às urnas neste domingo (19) eleger um novo presidente, 23 senadores e 155 deputados acaba de fechar um ciclo e vive uma dispersão político-partidária inédita desde a redemocratização, em 1990, quando o general Augusto Pinochet deixou o poder após 17 anos.
"Dos 14 partidos que tínhamos até 2016, fomos para 28, e a maior parte dos novos tem um espírito antiglobalização, protecionista, tanto à esquerda como à direita", disse à Folha o cientista político Guillermo Holzmann, da Universidade de Valparaíso.
Analistas ouvidos pela Folha concordam que essa fragmentação resulta da diluição da histórica aliança de partidos de centro, centro-esquerda e esquerda na primeira frente contra a ditadura pinochetista, a Concertação.
Fundada antes do plebiscito pelo fim da ditadura (então com o nome "Concertação de Partidos pelo 'Não'"), governou o Chile por 20 anos após o fim do regime.
Depois, passou a chamar-se Nova Maioria, incorporando mais partidos. É por essa aliança que a atual presidente, Michelle Bachelet, governa hoje em seu segundo mandato (não consecutivo).
"O fim da ditadura foi um momento histórico e romântico de aliança de forças por um objetivo comum, pôr fim à ditadura. Isso foi útil em seu momento", diz Hollzman.
"Nos últimos tempos, a Nova Maioria foi desiludindo seus eleitores por não conseguir derrubar o legado pinochetista, devido às acusações de corrupção e pela mudança de conjuntura histórica, que favoreceu o desmembramento dos partidos."
Já para Patricio Navia, sociólogo e professor da Universidade de Nova York, desde que a ditadura chegou ao fim, o bloco de centro-esquerda se beneficia da polarização com Pinochet (1915-2006).
"Primeiro, com ele vivo. Depois, com ele morto, ao se posicionar contra sua herança, seu modelo econômico, sua Constituição. Mas, agora, essa coalizão, que avançou ao devolver a democracia ao Chile, lida com o desgaste e um fracasso, que é não ter podido substituir a Carta de Pinochet", explica.
De fato, uma das bandeiras eleitorais de Bachelet para este mandato, que termina em março, era convocar uma assembleia constituinte e redigir um novo texto.
Mas, com as dificuldades na relação com o Congresso, no qual Bachelet não tem maioria, isso não foi possível.
"Das mudanças que prometeu, que eram muito radicais, Bachelet conseguiu algumas, mas sem mudar a Carta por completo", avalia Fernando García Naddaf, da Universidade Diego Portales.
Entre as reformas alcançadas, estão a legalização do aborto em casos de estupro, inviabilidade do feto e risco de morte da mãe (antes a interrupção forçada da gravidez era proibida em todos os casos), o aumento da população universitária com direito à gratuidade do ensino (embora sem atingir os 100% prometido), o casamento gay e parte das reformas tributária e trabalhista que propôs.
Para o ex-presidente socialista Ricardo Lagos (2000-2006), a dissolução da Nova Maioria "é muito negativa". "Torço para que o próximo domingo seja uma espécie de primária, e que depois disso volte a haver uma convergência entre as forças de centro-esquerda e esquerda", diz.
Na avaliação de Hollzman, uma das dificuldades com a fragmentação é que, independentemente de quem for eleito presidente, ele não terá maioria no Congresso.
"Os consensos que existiam porque havia polarização são mais difíceis de formar, e isso se acentuará com a proliferação de partidos. Quem ganhar terá de ser hábil para avançar suas propostas."
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