- O Globo
Não basta um novo presidente, após Mariana e Brumadinho, é preciso haver um comando que consiga fazer a transição para uma nova Vale
A queda de Fabio Schvartsman é condição necessária, mas não suficiente para começar a trabalhar por uma nova Vale. As duas tragédias foram tão devastadoras para o país e para a companhia que a reconstrução da imagem só será possível com uma mudança radical na mineradora. A Vale precisava de um nome forte e significativo que iniciasse uma revolução de valores, atitudes e administração da empresa.
A licença do presidente, e sua substituição por pessoa da própria empresa, sem qualquer referência à necessária mudança, não reconstrói a reputação, nem encaminha a solução de qualquer dos inúmeros problemas nos quais a empresa continua soterrada. Em nota divulgada ontem, a Vale disse que a escolha de Eduardo Bartolomeo para diretor-presidente foi uma forma de trazer um “executivo sênior” para o comando. Mas ele ocupa o cargo interinamente.
A comparação é imperfeita, mas vamos lembrar a Petrobras. Atingida por casos de corrupção, por má gestão, interferência política, a empresa teve crise reputacional, alto endividamento e prejuízos. Houve um momento que não conseguia sequer fechar um balanço. Não adiantou trocar duas vezes de presidente. Foi preciso recomeçar com novos parâmetros, a partir da gestão de Pedro Parente. O processo ainda não terminou, mas a companhia voltou ao lucro e tem regras de conformidade mais rígidas.
A Vale provocou duas tragédias ambientais por não ter como fundamentais os valores da preservação do meio ambiente e até da vida humana entre seus parâmetros. O rompimento da Barragem de Fundão em Mariana poderia ter acendido todas as luzes vermelhas no painel corporativo. Houve apenas a troca de presidente, depois que Murilo Ferreira foi se esvaindo em cada aparecimento público pela inépcia como lidou com o problema. Saiu sem prestígio e com os bolsos cheios de milhões de reais dados pela empresa pelo fim antecipado do contrato.
Fábio Schvartsman chegou com fama de midas. Transformara a Klabin e garantia que faria muito mais pela Vale. Em todas as manifestações públicas ele mostrou excesso de autoconfiança, como no dia em que garantiu, diante de um entusiasmado mercado financeiro, que a solução do caso de Mariana era exemplar.
Nunca foi solucionado o caso Mariana, e ele está na raiz de Brumadinho. Foi exatamente por não ter feito o que devia que a tragédia se repetiu. A empresa deveria ter seguido roteiro básico: rever todas as barragens, enfrentar, ao custo que fosse, a mudança de tecnologia de armazenagem nos velhos e novos depósitos de rejeitos, trabalhar com o princípio da precaução em cada caso onde houvesse risco. Além, é claro, de ter reparado os danos humanos e ambientais de Mariana, mostrando estar realmente comprometida com a mudança.
Pelos detalhes divulgados após Brumadinho se vê que a empresa fez a revisão das barragens mas preferiu acreditar que jamais aconteceria o pior cenário. Foi capaz de manter nas proximidades, e na linha de risco, até seus funcionários. Deixou que instâncias inferiores detivessem informações essenciais para a tomada de decisão. Criou uma entidade, a Renova, como forma de se distanciar do problema. A recuperação dos danos do desastre de Mariana passou a ser de responsabilidade da Renova, e a direção da Vale criticava a entidade como se não fosse parte do problema.
Será preciso muito mais do que foi feito até agora para a empresa começar a mudar de fato. Sua relação com o meio ambiente, do qual extrai seus produtos, tem sido predatória, seu descuido com a vida humana é criminoso. Essa é a principal mudança que precisará fazer.
O mercado financeiro tem um olhar peculiar. Quer saber de ativos e passivos, fluxo de caixa e cotação das commodities. A Vale perdeu agora o grau de investimento não pelos crimes que cometeu, mas porque tem um passivo potencial muito grande que pode reduzir sua rentabilidade no futuro. O valor da ação caiu quando o mercado quantificou esses danos e subiu diante da alta do preço do minério de ferro.
O mundo é muito maior que isso. E a mudança da Vale tem que mirar esse objetivo mais amplo e permanente: transformar sua relação com as comunidades nas quais atua, com o meio ambiente e com os rios. Se ela não mudar de fato, ela morre. Empresas deixam de existir quando não sabem reagir às grandes crises. A mudança tem que ir muito além da alteração de nomes ou novos truques de publicidade. É preciso um comando para a empresa que consiga fazer uma transição real para uma nova Vale.
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