- Folha de S. Paulo
Direito distingue dois tipos principais de homicídio, culposo e doloso
Não há dúvida de que o desmoronamento da barragem da Vale em Brumadinho envolve um ou mais crimes. Se o desastre tivesse se seguido a um terremoto ou coisa parecida, ainda poderíamos invocar a figura da força maior, terceirizando a responsabilidade para Deus. Não sendo este o caso, é lícito concluir que alguém pisou feio na bola. Investigações para apurar as responsabilidades penais são uma necessidade.
Não obstante, leio que a promotoria mineira quer imputar a funcionários da Vale "centenas de crimes" de homicídio qualificado com dolo eventual. O Direito distingue dois tipos principais de homicídio. Quando o autor não tem a intenção de matar, mas, agindo com imprudência, negligência ou imperícia, acaba por fazê-lo, o homicídio é culposo. As penas para ele são menores.
Quando o autor tem a intenção de matar ou assume o risco de fazê-lo, o homicídio é doloso. Se o método utilizado pelo assassino é cruel, como asfixia ou envenenamento, o homicídio, além de doloso, é qualificado, permitindo pena de até 30 anos, a maior admitida no Brasil.
De uns anos para cá, na tentativa de obter condenações mais vistosas, delegados e promotores vêm abusando da figura do dolo eventual, que ocorre quando o acusado, embora não desejasse a morte da vítima, assume o risco de causá-la, revelando verdadeiro desprezo por sua vida.
As discussões sobre a diferença entre dolo eventual e culpa consciente podem ficar bem metafísica, mas há uma regra heurística eficaz para distingui-los. Vou revelá-la ao leitor, mas precisarei uma palavra chula pela qual já me desculpo.
Imagine um cidadão de bem, armado, que quer dar um susto no ladrão, atirando em sua direção. Se ele tem consciência de que pode acertar um órgão vital e matar o bandido, mas diz "foda-se" e atira, temos dolo eventual. Se, ao contrário, depois de atirar e matar o gatuno ele exclamar "fodeu", ocorre a culpa consciente. Brumadinho parece mais um caso de "fodeu" do que de "foda-se".
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