Se não houver surpresas, em uma semana Boris Johnson será o novo premiê do Reino Unido. Ele terá então pouco mais de três meses para renegociar o acordo de saída da União Europeia (UE), o Brexit. Senão, promete sair sem acordo. É "do or die", disse ele. Vai ou racha. O racha parece hoje mais provável. Nesse caso, o país corre o risco de ter crises institucional e econômica. E ameaça causar turbulência na economia mundial.
Ex-prefeito de Londres, Johnson, de 55 anos, é o favorito para vencer a disputa em andamento pela liderança do Partido Conservador, que domina a coalizão de governo no país. Como novo líder, ele se torna automaticamente premiê, no lugar da demissionária Theresa May.
Johnson costuma ser visto como uma espécie de Trump britânico. Ele não é bilionário, apesar de vir de famílias aristocráticas, e seus cabelos loiros estão constantemente despenteados, ao contrário do penteadíssimo americano. Mas ambos compartilham um instinto populista e nacionalista, caráter imprevisível e o desprezo pela UE, além de terem nascido em Nova York. Os dois frequentemente trocam elogios.
Apesar de, por vezes, ter defendido a relação com a UE, em 2016 Johnson decidiu apoiar o Brexit, rompendo com o então premiê David Cameron. Este havia convocado um referendo sobre a permanência no bloco, para aplacar a ala anti-UE do partido. Cameron achava que venceria. Mas, por estreita margem, a maioria dos britânicos optou pelo Brexit, e ele teve de renunciar. Muitos viram a guinada de Johnson como uma aposta para chegar ao cargo de premiê, o que agora está prestes a conseguir.
Johnson se tornou então um homem com uma missão: tirar o Reino Unido da UE. Ele liderou a campanha pelo Brexit, divulgando até dados falsos sobre a economia que o país teria; virou ministro das Relações Exteriores, mas rompeu com May por discordar da negociação com a UE; e agora desponta como o novo líder.
Mas essa missão será árdua. Contra a vontade de um Parlamento dividido, Johnson promete entregar o Brexit de qualquer jeito até a data acertada com a UE, em 31 de outubro. E, contra as previsões da maioria dos economistas e do próprio Banco da Inglaterra (o BC britânico), diz que o divórcio do bloco europeu será positivo para a economia britânica.
Para entregar o Brexit "do or die", Johnson tentará inicialmente renegociar o acordo com a UE, em especial a questão da fronteira da Irlanda do Norte e a inclusão de um prazo para que o Reino Unido continue sob as regras da área de livre comércio da UE. É improvável que consiga. O acordo resultou de dois anos de duras negociações. Líderes europeus se dizem contrários a uma revisão. Acenam, no máximo, com novo adiamento da data de saída.
Sem isso, sobraria a Johnson a opção de deixar a UE sem acordo. Como o Parlamento britânico rejeita essa possibilidade, Johnson estuda escantear o Legislativo, segundo a mídia local. Ele pode fazer isso de duas maneiras: deixar vencer o prazo de 31 de outubro e não pedir uma prorrogação à UE - assim, o Brexit ocorreria por WO, mas com graves lacunas legais; ou suspender o Parlamento e aprovar as leis do Brexit por decreto. Esse tipo de suspensão já foi feita antes, mas nunca para avançar num tema tão existencial para o país.
Nesses dois casos, haveria um claro déficit democrático na decisão final. Sem falar que, segundo pesquisas, a maioria dos britânicos votaria hoje por continuar na UE. Mas Johnson rejeita um segundo plebiscito sobre o tema.
Não está claro se o Parlamento conseguirá evitar ser alijado desse processo. Nem como poderia fazê-lo. Deverá haver contestação na Justiça, o que abriria uma crise institucional. O modo mais seguro, especula a mídia britânica, seria derrubar um governo Johnson por meio de um voto de desconfiança. Mas, para isso, deputados conservadores teriam de votar contra o seu premiê. Alguns já se disseram dispostos, inclusive gente do calibre do ex-ministro das Finanças, Kenneth Clarke, e possivelmente, do atual ministro, Philip Hammond. Mas derrubar Johnson implicaria provavelmente em eleições antecipadas, das quais o Partido Conservador sairia destroçado por ter causado esse imbróglio do Brexit. E não é comum um partido cometer haraquiri.
Como uma telenovela, o Brexit segue sem final previsível, o que semeia incertezas nas economias britânica e europeia. Os mercados já começam a precificar uma saída sem acordo, e a libra pode atingir nos próximos dias o seu nível mais baixo em 34 anos. O Banco da Inglaterra prevê crescimento zero no segundo trimestre e diz que o país mergulhará na recessão caso haja uma saída desordenada da UE em outubro.
O governo britânico, que costumava ser dos mais pragmáticos e realistas, está atado a um dilema disfuncional. Até quando, não se sabe.
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