- Valor Econômico
Juros consideravelmente mais baixos devem ajudar a retomada e levar a um alívio fiscal
O Brasil caminha para testar juros ainda mais baixos nos próximos meses. Com a recuperação lenta da economia, grande ociosidade, inflação baixa e um ambiente global de taxas de juros no chão ou até negativas, há um número crescente de analistas projetando uma Selic abaixo de 5% ao ano no fim de 2019 - hoje, está em 6%, e o Banco Central (BC) deve cortá-la para 5,5% nesta semana. O aspecto mais positivo é que aumentou a possibilidade de que os juros fiquem estruturalmente menores, dada a perspectiva mais favorável para as contas públicas no longo prazo. Além da iminente aprovação da reforma da Previdência, a contenção dos gastos governamentais e do crédito público contribui para manter a taxa básica em níveis civilizados.
Juros consideravelmente mais baixos devem ajudar a retomada e, com a combinação de mais PIB e menos despesas financeiras, levar a um alívio fiscal, como avalia o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. Para ele, é factível um quadro em que resultados primários (excluindo gastos com juros) não muito longe de zero sejam suficientes para estabilizar a dívida pública bruta, que saltou de 51,5% do PIB no fim de 2013 para os atuais 78,7% do PIB. Nos 12 meses até julho, o setor público consolidado teve déficit primário de 1,41% do PIB.
Fatores cíclicos e estruturais derrubam a Selic
Nas contas do Itaú Unibanco, um superávit primário de 1% do PIB é suficiente para estabilizar a dívida bruta, considerando um juro neutro em torno de 2,2% para 2019 - a taxa neutra é a que, descontada a inflação, possibilita a economia crescer sem pressionar os preços. Com um juro neutro na casa de 5,5%, que vigorou entre 2008 e 2014, o superávit primário para impedir a alta da dívida da bruta era bem mais alto, chegando a 2,5% do PIB. O cenário do banco pressupõe crescimento médio de 2,2% entre 2020 e 2027.
Montero lembra que a recuperação do resultado primário exige, além de despesas contidas, a retomada da economia, que requer juros menores. Por sua vez, taxas mais baixas precisam da indicação do controle de gastos. Ao comentar as diferenças entre a situação atual e a anterior à crise, Montero diz que o Brasil “era uma economia sem nenhuma restrição fiscal, parafiscal ou externa para crescer e agora as temos todas”. Segundo ele, “restou, sozinha, no meio de um buraco, a monetária”.
A restrição fiscal de hoje a que ele se refere é o fato de que os gastos públicos estão contidos, após anos de forte crescimento, na casa de 6% acima da inflação. No caso da restrição parafiscal, trata da atuação dos bancos públicos, que passaram do grande volume de empréstimos a taxas baixas para a retranca atual. No caso da restrição externa, o ponto é a desaceleração global e a crise argentina, com preços de commodities que não ajudam como antes. No meio de todos esses obstáculos, sobrou o espaço para o BC cortar os juros com força - e mantê-los baixos, afirma Montero.
Fatores conjunturais ajudam a explicar o espaço para a forte queda dos juros, como a retomada extremamente lenta, a inflação sob controle e o ambiente global de juros baixíssimos. Mas fatores estruturais também contribuem para isso, e colaboram especialmente para permitir que os juros fiquem mais baixos ao longo do tempo. Entre esses motivos, a aprovação da reforma da Previdência e a mudança no padrão de gasto governamental e dos bancos públicos têm papel importante, como ressalta Montero.
Neste momento, há uma discussão sobre a conveniência de mudar o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas não financeiras da União à inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. A forte queda das despesas discricionárias (sobre as quais o governo tem maior controle), em especial o investimento, é o principal motivo para que alguns analistas peçam a flexibilização do teto. O instrumento de fato tem problemas, como impedir o aumento de gastos em termos reais por um prazo muito longo - 20 anos, com possibilidade de revisão apenas no meio do caminho.
Mas o teto foi importante para coordenar as expectativas em relação à política fiscal, permitindo que o governo promovesse uma melhora extremamente gradual do resultado primário - deficitário desde 2014, é possível que ele só volte ao azul em 2023. O mecanismo também escancarou a necessidade de controle dos gastos obrigatórios, que respondem por mais de 90% do Orçamento.
Além disso, a principal limitação ao investimento atualmente não vem do teto, mas sim da meta de resultado primário. Com arrecadação inferior ao projetado, é preciso segurar as despesas para que se cumpra a meta. Para Montero, a discussão sobre flexibilizar o teto precisa se concentrar no médio e longo prazos. “Quanto custaria, em termos de sinalização e juros, uma flexibilização já e de quanto falaríamos?”, questiona o economista, em nota.
O investimento público caiu demais nos últimos anos e alguma retomada desses gastos é sem dúvida desejável. Mexer no teto, porém, tem riscos no momento, podendo afetar a percepção de risco sobre as contas públicas e, com isso, prejudicar a consolidação dos juros em níveis baixos.
O grande problema que limita o investimento público é o comportamento das despesas obrigatórias, como aposentadorias, pensões e salários do funcionalismo. Elas ocupam espaço cada vez maior no Orçamento. Com ou sem teto, enfrentar o avanço desses gastos, como faz a reforma da Previdência, é o grande desafio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário