- Valor Econômico
PEC da segunda instância no Senado acabou no arquivo
O histórico de tramitação da PEC dos Recursos no Senado, que após sete anos foi arquivada sem votação no plenário, é um mau prenúncio para a proposta de emenda constitucional de conteúdo idêntico que tramita há um mês na Câmara dos Deputados - mais conhecida como PEC da Prisão em Segunda Instância.
Sem alterar o artigo 5º da Constituição, considerado “cláusula pétrea” - que dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” - ambos os textos modificam o sistema recursal para fixar o trânsito em julgado das sentenças após a decisão em segundo grau de jurisdição.
Em 2011, o então senador Ricardo Ferraço (ES), na época filiado ao MDB, apresentou a PEC 15 propondo alterações para abreviar a tramitação dos recursos nos tribunais superiores e acelerar a entrega da prestação jurisdicional.
Na era pré-Lava-Jato, a motivação política naquele ano eram as críticas recorrentes do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, à sobrecarga de recursos nos tribunais e à demora da execução das sentenças judiciais.
“O sistema não é apenas custoso e ineficiente, ele é danoso e eu diria perverso”, disse Peluso durante audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em junho de 2011 para debater a PEC de Ferraço.
Com o convite já aprovado, Peluso será o primeiro a participar da série de audiências públicas programadas para fevereiro na comissão especial da PEC da Prisão em Segunda Instância na Câmara, de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP).
Oito anos depois, a PEC de Manente é igualmente inspirada na proposta de Peluso de reformulação do sistema recursal. Naquele ano, em meio à repercussão das críticas do presidente do STF, a PEC de Ferraço tramitou em um primeiro momento a toque de caixa. Apenas três meses depois do protocolo, o relator Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) apresentou o parecer na CCJ.
Nos termos do texto original, Ferreira propôs que o trânsito em julgado se consumasse na segunda instância para todas as áreas jurídicas: cível, penal, tributária e trabalhista. A medida transformaria os recursos especiais ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e extraordinários ao STF em ações rescisórias autônomas.
Houve, entretanto, forte reação dos senadores e o ritmo de tramitação refluiu. Foram dois anos e meio entre audiências públicas e adiamentos, até que em dezembro de 2013, um novo relatório de Aloysio Nunes foi votado e aprovado na CCJ.
A nova versão do parecer restringiu a possibilidade de execução da sentença em segunda instância exclusivamente às condenações penais e autorizou a execução imediata das decisões dos tribunais de júri.
Curiosamente, o então líder do bloco governista, senador José Pimentel (PT-CE), manifestou-se favoravelmente à matéria. “Dada a litigiosidade do Brasil, a quantidade de processos, não tivemos ainda a celeridade necessária na prestação jurisdicional (...). Esta emenda constitucional vem exatamente ao encontro desse desejo de toda a sociedade”, exaltou o petista.
Apesar da sintonia entre PT e PSDB, os esforços dos partidários da matéria deram em água. A PEC aguardou votação na pauta do plenário por cinco anos, até que em dezembro de 2018, ao fim da legislatura, foi enviada ao arquivo.
Quase um ano depois do arquivamento da PEC 15/2011 no Senado, a PEC 199/2019 começa a tramitar na Câmara em compasso acelerado. O relator, deputado Fábio Trad (PSD-MS), promete entregar o relatório no começo de março, após o Carnaval.
Em janeiro, em pleno recesso parlamentar, Trad defende que um grupo de trabalho ligado à comissão aprofunde o debate com presidentes dos tribunais superiores.
É de se reconhecer que passados oito anos da empreitada de Ferraço e Ferreira no Senado, o ambiente político é outro. A pressão da indignação popular gerada pela Operação Lava-Jato (deflagrada em 2014), o ex-juiz Sergio Moro no comando do Ministério da Justiça e a comoção de parcela da população com a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva amplificam a pressão da sociedade sobre o Congresso. Em 2011, constrangimento pela votação da matéria era praticamente restrito aos presidentes do STF e do STJ.
Contudo, a extensão da execução antecipada das sentenças às matérias cíveis, tributárias e trabalhistas continua dividindo os parlamentares.
Reservadamente, um dos integrantes da comissão especial da Câmara disse à coluna que não há escape porque o “duplo grau de jurisdição é unitário e vale para todo o sistema jurídico”. Por isso, não pode ser editado exclusivamente para as sentenças condenatórias em ações penais.
Segundo este deputado, se a Câmara optar por fracionar o duplo grau de jurisdição, preconizado na Convenção Americana de Direitos Humanos, é “alto o risco” de que o STF acuse a inconstitucionalidade do projeto.
Outro impasse que deve se repetir é a oposição dos governadores e prefeitos à execução antecipada das sentenças em matéria cível devido ao impacto direto na cobrança dos precatórios.
Estados e municípios ganham tempo com o efeito protelatório dos recursos contra sentenças que impõem revezes ao erário. Estima-se hoje que Estados e municípios devam R$ 113,5 bilhões em precatórios. A dívida atribuída a São Paulo é de R$ 23 bilhões.
Fábio Trad admite que a comissão formada por 26 titulares e igual número de suplentes está dividida sobre restringir a execução da sentença em segunda instância às condenações penais ou estender às demais áreas do direito.
O ex-ministro e hoje advogado Cezar Peluso abre o ciclo de debates na comissão em fevereiro. O ministro Sergio Moro será o segundo a ser ouvido. O procurador-geral da República, Augusto Aras, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, também foram convidados a colaborar com a discussão.
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