CoP-25 fracassa e só UE mostra ousadia na agenda ambiental – Editorial | Valor Econômico
O bloco terá pela primeira vez uma lei do clima, que alinhará todos os instrumentos para se possível reduzir ainda mais as emissões
A conferência do clima da Organização das Nações Unidas em Madri (CoP-25) foi um fiasco. Após a informação de que as emissões de gases de efeito estufa voltaram a subir e bateram o recorde de 33,1 gigatoneladas, seria previsível que soasse um sinal de alerta nos 197 países que assinaram o Acordo de Paris e que eles buscassem coordenar esforços para resolver as questões pendentes - como a criação de um mercado global de créditos de carbono - comprometendo-se com metas mais ousadas já em futuro próximo. Com o esforço atual já consolidado, a temperatura do planeta aponta para uma elevação de 3,2 graus centígrados no fim do século. O limite da prudência é 1,5o C e o objetivo do acordo é não deixar que ultrapasse os 2o C. Na CoP-25 não houve acordo sobre praticamente nada.
Depois de maratona de duas semanas, encerrada com 44 horas de atraso, o máximo de compromisso que os países participantes puderam fazer foi o de “refletir” para que em 2020 aumentem a emissão de suas metas “o máximo que puderem”. Houve grandes divergências, pelo segundo ano seguido, sobre o artigo 6, que regula os créditos de carbono e cria um mercado global. China, Índia e Brasil emperraram um acerto, pois, entre outras coisas, querem que sejam reconhecidos os créditos de carbono criados pelo protocolo de Kyoto, de 1997. São US$ 4,3 bilhões - 60% da China, 10% da Índia e 5% do Brasil.
Esse foi um entrave adicional, que entrou em uma manobra em que o Brasil e a Austrália foram os principais protagonistas. Os representantes do governo Bolsonaro não aceitaram um ponto essencial, o de que os créditos vendidos, decorrentes da redução das emissões de carbono, sejam abatidos da meta nacional, sem provocar a dupla contagem apontada pelos europeus. O ministro Ricardo Salles tinha como meta obter mais financiamento para a área, mas com o enorme aumento do desmatamento na Amazônia e a destruição do Fundo Amazônia por sua interferência, não era difícil prever que sairia de mãos abanando.
O Brasil foi um catalisador de acordos e progresso nas conferências do clima. Desta vez, Donald Trump retirou os EUA do Acordo de Paris e Ricardo Salles complementou por dentro o trabalho destrutivo do líder americano ao se juntar aos que vetaram o termo “emergência climática”, se opor à menção a direitos indígenas e humanos no artigo 6 e se recusar a discutir uso do solo e poluição dos oceanos como fatores que agravam o aquecimento global, como tem relatado os recentes estudos do IPCC.
Um recuo no interesse dos principais países emissores tornou a CoP-25 refém do malogro. A agenda dos EUA sobre o ambiente é destruidora e negacionista. A China, maior emissor mundial, poderia ter ocupado um lugar de destaque, mas renunciou a isso - voltou a investir em usinas a carvão e os reduziu em fontes renováveis. Os dois países, mais Índia, Indonésia, Rússia e Brasil, despejam na atmosfera 27 bilhões de toneladas de CO2, ou 80% das emissões. Os russos têm baixa influência nas negociações, a Índia joga na retranca e o Brasil passou-se de vez para o lado dos que não veem grandes riscos no aquecimento global, enquanto desmonta todo o aparato institucional de proteção ambiental e dá sinal verde à devastação em território nacional.
A grande e boa notícia veio por isso mesmo de fora da CoP-25, da União Europeia. O bloco terá pela primeira vez uma lei do clima, que alinhará todos os instrumentos - creditícios, regulatórios etc - para se possível reduzir ainda mais as emissões para atingir a meta de 2050 - emissões líquidas zero, ou seja, quase um continente neutro em carbono. O objetivo, politicamente difícil de ser alcançado, é elevar a meta de 2030, de corte de 40% das emissões, para 55%. Um fundo de €100 bilhões será criado para auxiliar os países ainda dependentes do carvão, em geral ex-comunistas, como Polônia, Hungria e República Tcheca, na conversão para fontes renováveis.
Enquanto o Brasil, com o atual governo, deixa de fazer parte da luta contra o aquecimento global, a inação revelada na CoP-25 coloca como perspectiva um futuro sombrio. “O planeta está indo agora na direção de um aquecimento de 4o C, diz o físico Paulo Artaxo (O Globo, ontem), ou seja, na direção do cenário “catastrófico”, o pior de todos os traçados pelo IPCC. As emissões estão aumentando, e para que não ultrapassem 2o C precisariam agora estar caindo 7% ao ano. “É uma trajetória suicida para a humanidade”, adverte o cientista.
Avançando, mas fora do passo – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Brasil voltou a avançar, mas precisa ser bem mais rápido para acertar o passo com as grandes economias. O País até fez bonito no terceiro trimestre, com um Produto Interno Bruto (PIB) 0,6% maior que no segundo. Foi um desempenho melhor que o da maior parte dos membros do Grupo dos 20 (G-20). China, Índia e Indonésia foram, sem surpresa, exceções. Mas o desempenho brasileiro é bem mais modesto quando se assiste a um filme mais longo, iniciado, por exemplo, em 2016. Nesse período, o País correu no pelotão dos mais lentos, distanciando-se ano a ano dos competidores mais dinâmicos. O Brasil foi deixado para trás pelos emergentes mais rápidos, como China e outros grandes da Ásia, e também por vários países avançados, como Estados Unidos, França e Canadá. A história começa na fase final da recessão, em 2016, início de uma convalescença, mas esse dado conjuntural é apenas parte da história. Baixa produtividade tem sido um fator muito mais importante.
O Grupo dos 20, formado pelas maiores economias do mundo, acumulou até o terceiro trimestre de 2019 um crescimento de 11% sobre a base do terceiro trimestre de 2016. Nesse período, o PIB da zona do euro aumentou 5,8%. O dos Estados Unidos expandiu-se 7,8%. O da França avançou 5,8%. O crescimento chinês atingiu 20,4%. A Indonésia exibiu um resultado de 16,2%. O Brasil mal conseguiu acumular nesses quatro anos um modestíssimo avanço de 4,4%.
A recessão de 2015-2016 foi um desastre de gravidade incomum, maior retração observada na economia brasileira em muitas décadas. Mas o Brasil já estava atrasado na corrida global. Vinha perdendo espaço também para economias sul-americanas, como Chile, Colômbia, Peru e Paraguai.
A lista dos entraves ao crescimento brasileiro é longa e bem conhecida. Os itens principais são facilmente enumeráveis: economia muito fechada e muito protegida, dinheiro público mal aplicado, tributação disfuncional, burocracia excessiva, infraestrutura deficiente, crédito caro e mal dirigido por muito tempo, investimento fixo muito baixo e formação de capital humano insuficiente e mal planejada. Desajuste fiscal persistente, irresponsabilidades em relação a preços e distorções graves, como a política dos campeões nacionais, tornaram inevitável o desastre de 2015-2016, complicando um quadro já muito ruim.
Baixa produtividade resume várias das consequências dessa longa história de erros. Só um setor, a agropecuária, exibiu sólido crescimento de capacidade produtiva a partir dos anos 1990. Sua produtividade, medida com base nas horas de trabalho, aumentou em média 6,8% ao ano entre 1995 e 2018, segundo estudo recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV). No mesmo período a produtividade da indústria diminuiu em média 0,2% ao ano. A queda anual chegou a 2,3% entre 1995 e 2002. Entre 2013 e 2018 houve modesta expansão de 0,5% ao ano, amplamente insuficiente para aproximar a indústria brasileira dos padrões internacionais. Nos serviços houve alguma expansão a partir de 1995, com ganho anual de produtividade próximo de 0,3%. Essa média vale para o período até 2018, mas na fase final, a partir de 2013, houve queda de 1,5% ao ano.
Foram especialmente graves os casos das indústrias de transformação e de construção, com recuos anuais de produtividade de 0,7% e 1%. Foi quase como se o Brasil fosse uma economia em processo de desindustrialização precoce.
Tudo isso se reflete nas projeções de crescimento econômico. Segundo estimativas do mercado, o PIB deve fechar 2019 com expansão de 1,12%. Para a produção industrial está prevista redução de 0,71%. Para 2020 o resultado previsto para a indústria acaba de ser diminuído de 2,20% para 2,02%.
O fraco desempenho da indústria afeta a qualidade do crescimento, com perdas no avanço tecnológico, na difusão de estímulos entre segmentos e setores da economia e na geração de empregos qualificados internacionalmente como decentes. Problemas desse tipo, no entanto, pouco têm aparecido na retórica, nos planos e nas análises do ministro da Economia e dos principais técnicos de sua equipe.
5G o quanto antes – Editorial | Folha de S. Paulo
Celeridade e competição devem ser diretrizes para nova geração da telefonia
Devido a um novo pedido de vista por parte de um conselheiro, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) postergou, pela segunda vez, a abertura de consulta pública acerca do leilão que abrirá o país para a tecnologia 5G —a quinta geração da telefonia celular.
Com o adiamento, tudo sugere que o certame ficará para o final de 2020 ou mesmo para 2021. É real, portanto, o risco de atraso do país na tecnologia que revoluciona as comunicações e vai viabilizar novos modelos de negócios.
Há pressões e dúvidas de todos os lados. Quanto aos critérios técnicos para o leilão, a Anatel está dividida entre dois modelos. Um deles ofereceria, entre outras, a faixa de 3,5 Ghz —considerada a mais nobre do 5G— em blocos de abrangência nacional, com foco nas grandes operadoras.
A alternativa, defendida por parte da agência, seria dividir os lotes em mais blocos e rodadas, visando estimular maior concorrência e a participação de empresas médias.
Tal modelo, em tese, poderia ser mais competitivo, com a entrada dos chamados pequenos provedores locais (PPP), que oferecem serviço de banda larga e fibra ótica para localidades menores.
Em conjunto, os PPP já englobam cerca de 8.000 empresas licenciadas pela Anatel, atendendo em torno de 30% dos 32,7 milhões de domicílios com banda larga fixa no país. Essa fatia é maior até que a da líder do serviço, a Claro, que tem pouco mais de 29% do mercado.
Externamente, existem pressões dos EUA para adiamento do leilão por até dois anos, uma maneira de ganhar tempo para enfrentar a liderança da gigante chinesa Huawei, hoje a maior do mundo e considerada uma ameaça estratégica.
Os americanos já indicaram ao governo de Jair Bolsonaro que o acesso da Huawei comprometeria ainda mais a já emperrada agenda de cooperação tentada pelo Brasil.
Questões geopolíticas à parte, o país deve fazer a opção que abra as portas para a versão mais avançada de uma tecnologia vital.
Quanto ao modelo do leilão, segundo especialistas, há risco de que a divisão em muitos blocos menores não assegure desenvolvimento adequado do 5G no país. A necessidade de altos investimentos e a possibilidade de que não haja demanda em algumas rodadas são os argumentos a favor de um modelo mais concentrado.
Certo é que celeridade e competição devem ser as diretrizes a guiar esse processo. O maior ingresso possível de empresas deve estar assegurado o quanto antes, num setor em que o país não pode se dar ao luxo de ficar mais atrasado.
Eleição britânica aponta distorções do voto distrital – Editorial | O Globo
O bom sistema proporcional adotado no Brasil passa por aperfeiçoamento importante
A avassaladora vitória de Boris Johnson e seu Partido Conservador nas eleições britânicas, em que o primeiro-ministro obteve maioria absoluta no Parlamento, ajuda no debate sempre latente sobre nosso sistema eleitoral.
Por ele, vota-se livremente em qualquer candidato. No caso das Casas Legislativas, em que o pleito é proporcional, tomam assento aqueles que, grosso modo, são os mais votados. Há parâmetros definidos pelos quocientes eleitoral e partidário, mas a ideia geral é que haja uma relação entre volume de votos e conquista de mandatos. Fácil de entender pela população, o que ajuda a firmar a legitimidade do sistema.
O voto distrital, por sua vez, costuma ser defendido com o argumento de que o candidato de regiões geograficamente menores, os distritos, tem grande proximidade com o eleitor, e, por isso, é cobrado de forma mais direta por quem vota. O eleitor se sentiria mais representado, e o eleito, mais próximo das bases.
O caso britânico mostra outras características do voto distrital, que, na prática, pode cassar a representação de parte ponderável do eleitorado. Os votos de derrotados em cada distrito são descartados. Seus donos, portanto, não terão voz no Legislativo. A correlação entre número de votos e cadeiras no Legislativo não existe, porque tudo vai depender do que terá acontecido em cada distrito. O partido pode receber um apoio importante do eleitor, em termos de votos, e perder cadeiras no Parlamento por não haver ganhado em determinado número de distritos.
Embora seja um modelo diferente, o americano, em que o voto popular para presidente serve para os candidatos arrebanharem o apoio integral dos estados no colégio eleitoral que de fato decide o pleito, também permite distorções. Todos os eleitores do derrotado são desconsiderados. Mas se trata de um sistema enraizado na cultura americana. Não se fala em trazê-lo para o Brasil como volta e meia se sugere a importação do voto distrital.
A eleição britânica é cheia de exemplos de distorções. Os Liberais Democratas (LibDem), opositores do Brexit, perderam uma cadeira no Parlamento embora hajam crescido em número de votos: desta vez, obteve o apoio de 11,6% dos eleitores que foram às urnas, contra 7,4% no pleito anterior.
O número definitivo para demonstrar a dificuldade de se explicar o voto distrital ao brasileiro: os votos dos defensores da permanência na UE ou de novo referendo para o Brexit foram 50,4% do total. Ganharam e não levaram. Não há modelo eleitoral perfeito. Mas o que costuma acontecer nas eleições britânicas, onde vigora o voto distrital puro, confirma que o modelo proporcional, o brasileiro, pode ter distorções como os demais, porém reflete de forma mais fidedigna as tendências eleitorais e políticas da população. Com as mudanças em curso — fim das coligações em pleitos proporcionais e cláusula ascendente de desempenho para os partidos —, em pouco tempo o quadro político-partidário, com menos legendas, será outro, bem melhor.
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